quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Associações questionam resolução do CNJ sobre criação de cargos no Judiciário


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stfSTF – 19/01/2015
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) ajuizaram, no Supremo Tribunal Federal (STF), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5221), com pedido de liminar, contra a Resolução 184/2013, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre os critérios para criação de cargos, funções e unidades judiciárias no âmbito do Poder Judiciário.
As entidades alegam, na ação, que a resolução questionada invadiu competência da União, uma vez que trata de matéria reservada a lei formal.
Entre outras disposições, afirmam as associações, a resolução determina que anteprojetos de lei de criação de cargos de magistrados e servidores, cargos em comissão, funções comissionadas e unidades judiciárias no âmbito do Poder Judiciário da União obedecerão ao disposto na resolução, e não subordinando a alguma lei como assevera a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN). Anamatra e Ajufe afirmam que, no âmbito do Poder Judiciário da União, existem leis ordinárias que dispõem sobre o tema, tanto em face da Justiça do Trabalho quanto da Justiça Federal.
O CNJ teria deixado de observar que a criação e extinção de cargos no Poder Judiciário constitui matéria de competência privativa dos tribunais, por meio de lei de iniciativa dos próprios tribunais, como prevê o artigo 96 da Constituição Federal, afirma a ADI.
Índice
A resolução questionada define competência do CNJ para emitir parecer sobre o mérito dos anteprojetos de lei sobre o tema, que só serão apreciados se aplicarem o Índice de Produtividade Comparada da Justiça (IPC-Jus).
Assim, explicam os autores da ação, a resolução condicionou o exame do anteprojeto de lei de Tribunal da União à observância de um índice criado pelo próprio CNJ, sendo que o IPC-Jus não foi previsto em nenhuma lei, tratando-se de criação sem autorização constitucional para tanto.
As entidades pedem que o STF declare inconstitucionalidade da Resolução 184, do CNJ, com ou sem redução do texto, tendo em vista afastar sua aplicação no âmbito da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.
O relator da ação é o ministro Gilmar Mendes.
MB/FB
Processos relacionados
ADI 5221
site STF

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

"A CAMINHO DA CHINA?" - ARTIGO DE GERMANO SIQUEIRA, VICE-PRESIDENTE DA ANAMATRA, PUBLICADO NO BLOG DO FRED


"Visão da nova equipe econômica e a questão do trabalho degradante

POR FREDERICO VASCONCELOS
13/01/15  12:18
Ouvir o texto
Sob o título “A caminho da China?”, o artigo a seguir é de autoria de Germano Siqueira, Vice-Presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).

O novo ministro da Fazenda, o economista e ex-executivo do setor financeiro Joaquim Levy, concedeu entrevista ao jornal “Valor Econômico” no último dia 29 de dezembro de 2014 quando apontou a necessidade de pôr fim ao que chamou de “dualidade” de mercados de crédito.
No jornal “O Globo” do mesmo dia 29/12/2014, Levy disse que o governo já começou a reduzir essa “dualidade” ao diminuir os subsídios e elevar as taxas de juros usadas pelo BNDES e que “isso dará um impulso extraordinário à economia”.
Trata-se de ideia que se opõe ao afirmado pela presidente Dilma Rousseff em entrevista ao “Estadão” de 29 de setembro passado, ainda em campanha, e também em debates eleitorais, ao dizer que o papel dos bancos públicos não poderia ser enfrentado de forma leviana pelos opositores Aécio e Marina, destacando que ambos falavam de forma temerária em diminuir a importância dessas instituições, o que colocaria em risco de inviabilização programas sociais como o “Minha Casa, Minha Vida” e o FIES, segundo suas palavras.
Mas voltando à fala do ministro Joaquim Levy, que politicamente parece ter tomado a última palavra da Presidente da República, tornou-se especificamente preocupante, pela forma como expressada e quanto a essa intenção de eliminar “dualidades” de mercados, Sua Excelência projetar essa mesma necessidade para o que chamou de “mercado de trabalho”.
Ao argumento anterior de que as empresas brasileiras precisam participar do mercado global com diminuição de barreiras, com facilitação da concorrência e simplificação de procedimentos, o que é verdade, o ministro Levy lembrou que os avanços na formalização dos vínculos trabalhistas ocorridos nos últimos quinze anos deveram-se “largamente à abertura econômica e à facilidade do investimento externo, que criaram incentivos para as empresas arrumarem as contas e aumentarem de valor”, isto é, ao crescimento econômico ocorrido dentro do atual regramento jurídico, o que lhe faltou referir. 
Em que pese isso, o ministro Joaquim Levy considera que essa suposta dualidade a ser combatida e a necessidade de formalização a incrementar serão aceleradas “(..) se a lei regendo a terceirização, em tramitação no Congresso, for aprovada”.
Nesse ponto, definitivamente, o novo ministro da Fazenda comete um completo equívoco, próprio de quem não conhece a realidade do trabalho no Brasil ou só está disposto a enfrentá-la por uma perspectiva.
No mesmo assunto, outro ministro convocado pela presidente Dilma Rousseff para compor seu staff, o senador Armando Monteiro, declarou ao mesmo jornal “Valor Econômico” (02/01/2015) “que uma das agendas microeconômicas que podem ser feitas, até por não causar impacto financeiro, é a regulamentação da terceirização”. O agora Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior defendeu o projeto em discussão no Congresso, que permite a terceirização das atividades-fim (ou seja, aquela para a qual a empresa foi criada).
Também nesse ponto é evidentemente inverídica a afirmação de ausência de impactos, uma vez que o referido projeto – tal como denunciado pela Anamatra em outras ocasiões – causa sim danos financeiros para os trabalhadores, para a economia e para a União, inclusive no plano fiscal, tendo em vista a redução global dos salários provocada pela potencialidade de terceirização em massa. Em outras palavras, provocará forte encolhimento do “fator trabalho” na formação do Produto Interno Bruto (PIB) do País, a significar aumento da desigualdade social pelo aumento da concentração de renda.
Essa realidade dos reflexos da degradação de direitos na economia, aliás, vem retratada, em semelhante contexto, por Thomas Piketty ( “O Capital no Século XXI”) ao comentar os efeitos do aumento da desigualdade social nos Estados Unidos sobre a crise de 2008 (efeito que seria provocado pela terceirização indiscriminada no Brasil, que acentua os fossos sociais). Diz ele: “Do meu ponto de vista, não resta dúvida de que o aumento da desigualdade contribuiu para fragilizar o sistema financeiro americano. (..) A alta desigualdade teve como consequência uma quase estagnação do poder de compra das classes populares e médias no Estados Unidos. Daí só poderia resultar o endividamento crescente das famílias menos abastadas, sobretudo considerando que o acesso ao crédito foi ficando cada vez mais fácil (..)”.
Tais posições temerárias dos auxiliares da senhora Presidente da República, portanto, evidenciam a urgente necessidade de que a Chefe do Executivo tome para si o protagonismo e a palavra sobre algumas dentre as mais importantes agendas para o país, com as quais se comprometeu em campanha para viabilizar a maioria dos votos que obteve.
Do contrário, corre o risco de incidir no mesmo erro cometido por Gerard Schröder, há mais de dez anos, ao dizer que “política econômica não é de esquerda nem de direita; não é boa nem é má”, fala que balizou boa parte dos partidos socialistas que dominavam a cena política na UE, mas que determinou nos anos posteriores que 11 entre 15 governos de sua mesma matriz ideológica, e que seguiram semelhante discurso e prática, fossem rechaçados eleitoralmente das posições de poder que ocupavam, sendo “expulsos a cotoveladas”, na expressão de Zigmunt Bauman (in “Vida a Crédito”).
É necessário, portanto, que haja definição e transparência sobre os limites das mudanças de rumo na política, notadamente em questões centrais, afetadas a núcleos estratégicos que se pretende impor na relação do Estado com a sociedade, cuja variação pós-eleitoral imediata e injustificada constitui verdadeira farsa, a ser cobrada historicamente.
O tema da regulamentação do trabalho terceirizado no Brasil, ao contrário do afirmado pelos novos ministros da presidente Dilma Rousseff, não carece da introdução de uma lei que enfraqueça direitos dos trabalhadores pela terceirização precarizante – esta sim, se aprovada, para usar o paradigma do ministro Levy ,  capaz de institucionalizar uma “dualidade” perversa de direitos, a ser combatida – oficializando um campo de direitos marginais para trabalhadores que não teriam acesso à plenitude de garantias mínimas e igualitárias previstas na Lei Maior.
A terceirização, como está proposta, tem um rol interminável de pecados, valendo destacar, entre outros, justamente a falta de isonomia entre trabalhadores com a mesma atividade, a degradação de direitos, a ausência de segurança ocupacional no exercício das funções e a tentativa inaceitável de realizar contratações em atividades-fim, o que representaria retrocesso social não tolerado e incompatível com a própria Constituição Federal, cujo espírito foi o de definir direitos e vantagens mínimas, a serem historicamente avançados e não regredidos pelo legislador ordinário (art.7º da CF) ou por qualquer outra prática no mundo do trabalho que permita mitigar direitos já assegurados, que são frutos de décadas de luta da classe trabalhadora e conquistas civilizatórias do mundo ocidental.
No caso específico do PL n. 4330-A/2004 — que pareceu entusiasmar o ministro Levy —, os retrocessos preordenados pelo texto já aprovado são enormes e começam, inicialmente, pela inexistência de mínimas garantias de isonomia entre os trabalhadores efetivos e os terceirizados, já que o projeto de lei em nada contribui neste particular. Isso significa que, a rigor, a terceirização passa a funcionar, nos mercados de trabalho, como mera vantagem competitiva entre as empresas pela via do solapamento dos direitos sociais, já que os direitos e as garantias dos trabalhadores terceirizados são manifestamente inferiores aos dos empregados efetivos, principalmente pelos níveis de remuneração significativamente mais modestos. Nesse sentido, como apontam os dados estatísticos do DIEESE, trabalhadores terceirizados percebem remuneração 27,1% inferior à dos trabalhadores contratados diretamente; e, da mesma forma, a massa de trabalhadores terceirizados concentra-se na faixa salarial que recebe de um a dois salários e de dois a três salários mínimos, enquanto os trabalhadores diretos estão mais e melhor distribuídos entre as várias faixas salariais superiores. Essa condição de desigualdade tende a ser universalizada, se aprovado fosse o PL 4330, renovando-se aqui a advertência de Thomas Piketty (cit.ant) sobre a potencialidade contributiva da desigualdade no panorama de crises internas. 
Outro ponto gravíssimo é a “liberalização/generalização da terceirização” na economia e na sociedade brasileiras, nos âmbitos privado e público, abrindo portas para o livre comércio da força de trabalho de seres humanos, intermediado por empresas com finalidade de obter lucro com a negociação de mão-de-obra. Com a deplorável generalização da mercancia do trabalho humano, há ainda os riscos de clientelismo político e fraudes ao princípio do concurso público, pelo uso das intermediadoras para favorecimento, tantas serão as previsíveis funções públicas objeto de contratação por essa via, violando a Constituição em vários aspectos, no que toca às normas que asseguram a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho (art. 1º), à melhoria da condição social do trabalhador (art. 7º) e observância do primado da legalidade, impessoalidade, moralidade e investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público (art. 37).
Em um terceiro aspecto, ter-se-ia o esvaziamento do conceito constitucional e legal de categoria profissional.  De fato, a liberalização das terceirizações levaria à homogeneização do mercado de trabalho, reduzindo-se o imenso contingente de trabalhadores à condição de genérica de “prestadores de serviços” (e já não “bancários”, “metalúrgicos”, “comerciários” etc.), não havendo mais representação de categoria organizada que “falasse” por eles. Nada mais pernicioso para a saúde dos direitos sociais.
Mais que isso, resultaria também, como já mencionado, a fragmentação fiscal, com repercussão negativa para a União, já que a redução média geral da renda do trabalhador brasileiro tenderia a provocar gargalos arrecadatórios, determinando quedas sensíveis na receita previdenciária e tributária, a médio e longo prazos. O ministro da Fazenda não deveria se importar com isto?
E também vale referir a inexistência de garantias securitárias para o trabalhador terceirizado, à custa da empresa tomadora, a despeito da probabilidade de um sensível aumento nos níveis de sinistralidade da indústria brasileira, com óbvia sobrecarga no Sistema Único de Saúde (SUS) e no orçamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Afinal, como sabido, os trabalhadores terceirizados são estatisticamente as vítimas “preferenciais” dos acidentes do trabalho e das doenças ocupacionais, quando comparados às taxas de sinistralidade aferidas entre empregados efetivos das empresas tomadoras de serviços. Pelos dados do DIEESE para o ano de 2005, de cada dez acidentes de trabalho, oito referiam-se a empresas terceirizadas, sendo que nos casos de morte decorrente do trabalho, quatro das cinco ocorrências eram registradas em empresas terceirizadas. E tudo isto sem tomar em conta os elevados níveis de subnotificação no setor. Para melhor compreender esse fenômeno e o grau de perversidade dos dados, é preciso ter em conta que o universo de terceirizados corresponde a um quarto da mão-de-obra formalmente contratada e seria expandido no novo cenário.
É por esses aspectos que um pretendido abandono dos limites objetivos construídos pelo Tribunal Superior do Trabalho na súmula 331, em linha até mesmo conservadora, mas cautelosa, não se mostra razoável, eis que extraída do acúmulo de experiência da Justiça do Trabalho em lidar especializadamente com o trabalho humano, como matéria prima jurisdicional que orientou sua jurisprudência sobre o tema para firmar: (a) a legalidade da contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.06.1974); (b) na legalidade da contratação de serviços terceirizados de vigilância (Lei n 7.102, de 20.06.1983); (c) na legalidade da contratação de serviços terceirizados de conservação e limpeza; e (d) na legalidade da contratação terceirizada de serviços especializados ligados a atividades-meio do tomador, desde que inexista a pessoalidade e a subordinação direta); sendo que, afora esses casos, caracteriza-se fraude na contratação de força de trabalho por empresa interposta, em respeito pá dignidade humana.
Mas não é só essa a questão.
É necessário ter em conta que o Brasil do século XXI ainda vive a realidade do trabalho análogo à escravidão, ora no campo, ora nas linhas produtivas terceirizadas que servem à grande indústria, não sendo por meio da “regulamentação legal do trabalho terceirizado”, em especial por projetos insuficientes e precarizantes como os que tramitam no Congresso, que essa realidade será alterada no Brasil, mas sim pelo efetivo cumprimento do aparato legislativo em vigor.
É importante destacar que o Estado brasileiro, tendo em vista a legislação que possui e a atuação dos órgãos estatais, é uma das referências mundiais no combate ao trabalho escravo e precário, em torno desse tema empenhando-se não só o Poder Judiciário e o Ministério Público, mas também o Executivo, por ações do Ministério do Trabalho iniciadas no Governo Fernando Henrique Cardoso e aprimoradas no Governo Lula. Assume destaque e relevo, nesse sentido, a publicação do “Cadastro de Empresas e Pessoas Autuadas Por Exploração Do Trabalho Escravo”, observado o devido processo legal administrativo, procedimento que tem amparo constitucional na mesma lógica do que foi decidido na ADC-12 (quando se disse que o CNJ “não invadiu seara reservada ao Poder Legislativo, mas limitou-se a exercer as competências constitucionais que lhe foram reservadas”). A União, ao publicar tais cadastros, exerce tal mister legitimada diretamente nos incisos III e IV do art.1º da CF e no art. 37 da mesma Carta, o que precisa ser mantido como mais uma ferramenta de proteção dos direitos sociais e humanos. É um  modelo que não pode ser desmontado.
É de se recordar que a imprensa brasileira voltou a noticiar recentemente mais um fato vergonhoso de exploração degradante do trabalho humano em favor de grandes marcas da indústria de vestimentas.
Segundo o Portal G1 de 27/11/2014, “Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgataram trabalhadores que produziam para a Renner e que eram mantidos em condições análogas às de escravidão. (…) Os resgates aconteceram, surpreenda-se quem quiser, em São Paulo e no Rio Grande do Sul”.
Antes disso, a Zara, uma das maiores empresas do mundo, já havia reconhecido perante a CPI da ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) a existência de trabalho escravo em sua cadeia produtiva. E como essas duas empresas a imprensa já divulgou notícias de trabalho escravo nas linhas produtivas da M. Officer, Le Lis Blanc e Bourgeois Bohêne (Bo.Bô).
Fora do Brasil, onde muitas vezes se diz haver modelos a serem copiados, segundo o International Labor Rights Forum (Fórum Internacional dos Direitos Trabalhistas), as marcas American Apparel, Abercombe & Fitch, L.L. Bean, Gymboree, Hanes e Burberry são algumas das empresas que também utilizam trabalho escravo em suas linhas produtivas terceirizadas para fabricação de seus tecidos e roupas. São empresas que não se enquadram nos padrões de trabalho justo e nem oferecem condições de trabalho minimamente dignas para seus empregados.
Nesse mesmo panorama, sobre o qual já me referi em artigo publicado anteriormente, o jornal “The New York Times”, do dia 21 de janeiro de 2012, trouxe matéria em que são informadas as razões pelas quais os EUA perderam postos de trabalho da empresa fabricante dos produtos Iphone e Ipad.
 
Segundo a publicação, o presidente Barack Obama indagara de certa feita a Steve Jobs quando a Apple, a grande empresa mundial de celulares e tablets, pretendia fazer voltar para o território americano os muitos empregos que havia deslocado para países como a China.
A resposta foi desconcertante e curta: aqueles empregos jamais retornariam para os EUA. A explicação de Jobs, conforme descreve o NYT, foi de que tal não ocorreria porque os trabalhadores chineses fazem o que os americanos jamais fariam. E não se trata de nenhuma expertise a mais, de um conhecimento tecnológico agregado. Nada disso! O que não fariam os operários norte-americanos – e o relato complementar de executivos da Apple é avassaladoramente cru – é descer ao nível da total precarização das condições de trabalho na luta desumana pelo emprego, trabalhando em condições incomuns para atender as demandas da empresa de eletrônicos.
No caso das linhas produtivas da Apple, para maior clareza da condição a que se referia Jobs ao responder ao presidente Obama, um ex-executivo da gigante mundial descreveu como a empresa depende de uma fábrica chinesa para renovar o iPhone e como é prontamente atendida, a ponto de verificar, que na Barra Funda, no Brasil ou na China, a exploração não é diferente. 
Segundo o alto executivo, a Apple havia redesenhado a tela daquele equipamento no último minuto, forçando uma revisão da linha de montagem. Novas telas começaram a chegar na fábrica perto da meia-noite. Um capataz imediatamente despertou 8 mil trabalhadores dentro de dormitórios. Cada funcionário recebeu um biscoito e uma xícara de chá e dentro de meia hora começaram a cumprir 12 horas por turno montando telas de vidro em quadros chanfrados. Dentro de 96 horas a fábrica estava produzindo mais de 10 mil iPhones por dia, sem qualquer possibilidade de comparativo e concorrência nos EUA, como retrata a reportagem do periódico nova-iorquino.
Nessa mesma perspectiva, o NYT, semanas depois da primeira matéria, mais precisamente no dia 25 de janeiro de 2012, traz outro capítulo temático retratando os custos humanos incorporados à produção de um iPad.
Foram ouvidos mais de 30 empregados e ex-empregados e os relatos das condições de trabalho na Foxconn (empresa que presta serviços para à gigante americana, mas também para a Amazon, Dell, Hewlett-Packard, Nintendo, Nokia e Samsung), continuam impressionantes.
Um dos operários afirma que no interior da empresa os trabalhadores estavam construindo, à época, o mais recente produto da Apple, o de maior potencial, no caso, o iPad. Diz que uma das primeiras coisas que ele notou foram as luzes que eram quase ofuscantes. Que havia milhares de trabalhadores nas linhas de montagem ou sentados em cadeiras sem encosto (o que é proibido no Brasil por normas de proteção ergonômica), outros agachados ao lado de máquinas de grande porte, ou se movimentando entre o cais de carga.
Havia também trabalhadores com as pernas inchadas de trabalhar em pé o dia todo e que chegavam a gritar de dores. Já nas paredes existiam banners com ameaças veladas aos 120.000 funcionários: “Trabalhar duro no trabalho hoje ou trabalhar duro para encontrar um emprego amanhã”, uma típica situação de assédio moral coletivo.
Relata-se que a Apple, em seu código de conduta, pedia “apenas” 60 horas de trabalho por semana dos trabalhadores chineses, mas a Foxconn exigia 72 horas de trabalho semanais. Houve até explosões nas fábricas de ipad, uma em Chengdu e outra em Xangai.
Depois da divulgação dessas matérias no NYT, a Apple, como se nada soubesse do que ocorria no ambiente da sua terceirizada Foxconn, tal como fazem as empresas no Brasil quando se fala de trabalho escravo, divulgou informe (no Brasil foi repercutido em “O Globo” de 15 de fevereiro de 2012) dando conta de ter contratado uma auditoria independente (a Fair Labor Association, ou Associação do Trabalho Íntegro) para examinar as condições que dizem respeito aos empregados da Foxconn no que se refere ao trabalho, moradia, saúde, segurança, salários, benefícios, horas trabalhadas e relacionamento pessoal, com pesquisa nas áreas de produção e dormitórios.
E de 2012 pra cá nada parece ter mudado. Recentemente, em dezembro do ano passado (2014), matéria da BBC de Londres denunciou trabalhos em uma fábrica de produtos Apple em Xangai, com turnos que atingem 18 horas, durante os quais os trabalhadores adormecem de exaustão sobre as bancadas de trabalho, com inexistência de quaisquer folgas em períodos que chegam a atingir 18 dias, além de dormitórios insalubres e exploração de mão de obra infantil.
No caso da exploração indigna da mão-de-obra no Brasil, reportada no início, o auditor-fiscal Luís Alexandre Faria, que vive a experiência de campo e tem contato cotidiano com essa realidade, tendo participado da operação de resgate dos operários bolivianos escravizados, afirma que a situação tende a se repetir “enquanto não acabar essa pulverização que permite com que grandes marcas, roupas conhecidas e queridas pelo público brasileiro sejam produzidas no fundo de quintal, aqui na periferia de São Paulo (declarações de matéria divulgada no site G1)” , experiência de terceirização do trabalho que agride a dignidade da pessoa humana.  No caso da Apple, que segue a mesma linha de terceirização transnacional da produção, cabe considerar o que um outro executivo da Apple — e isso é importante porque não há controle social e ético sobre o mercado de trabalho — no sentido de que ” os clientes se preocupam mais com um novo iPhone do que como condições de trabalho na China” , disse um ex-executivo da empresa de eletrônicos.
Essa dura realidade impõe uma reflexão a todos os brasileiros, tendo em conta não só o trabalho análogo à escravidão e as condições laborais altamente gravosas reportadas nas prestadoras de serviços da Apple e das indústrias do vestuário, mas no contexto conexo do perigoso debate legislativo e judicial da terceirização, para que não corramos o risco de abandonar no Brasil o modelo de proteção à dignidade do trabalho, pelo qual o Constituinte de 1988 fez clara e inequívoca opção ao estabelecer no art. 7° da Lei Maior um rol de garantias mínimas , a ser alimentado  por novos direitos, e não para ser reduzido, nem por reforma constitucional/legal, nem por técnicas de gestão empresarial.
Nesse sentido, o descumprimento da Constituição ou da lei, seja da forma mais grotesca, como nas hipóteses de trabalho escravo, seja nas formas menos agressivas, mas igualmente danosas como a adoção de terceirização indiscriminada e predatória, que causa prejuízos aos trabalhadores e também à concorrência e ao livre mercado, devem ser enfrentados como modelos de degradação do trabalho, incompatíveis com a Constituição e com os direitos do homem. Afinal, nos termos da Declaração Universal dos Direitos do Homem:  “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos (…)” (art.1º ) ; “Ninguém pode ser mantido em escravidão ou em servidão;(..)” (art.4º ) “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego”; Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. (art.23)
É necessário, portanto, que o Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), que não foi instituído para gerar concentração de riquezas e a infelicidade das pessoas, mas sim para propiciar a paz social e o bem comum, assegure ao povo brasileiro a efetividade dessas garantias e não o desejo inconsequente de determinados grupos econômicos que gravitam em torno das mazelas sociais.
Modelos de relação capital x trabalho costuradas na ideia da redução global dos salários como custo de produção, a exemplo de alguns países asiáticos, são insustentáveis, como já anotado nas lições de Thomas Piketty e já haviam compreendido os capitalistas, a partir de meados do século XX, tal como descreve o historiador Niall Ferguson, da Harvard University ao afirmar: “Os capitalistas entenderam o que Marx havia ignorado: que os trabalhadores também eram consumidores. Portanto, não fazia sentido tentar reduzir seus salários aos níveis de subsistência. Ao contrário, como o caso dos Estados Unidos tornava cada vez mais claro, não havia maior potencial de mercado para a maioria das empresas capitalistas do que seus próprios funcionários” (“Civilização: Ocidente x Oriente”).
Os direitos sociais não podem ser reduzidos, sob pena de se ingressar na esdrúxula lógica da tutela aos privilegiados do setor econômico com sacrifício das garantias laborais, fazendo prevalecer o que Zygmunt Bauman (in “Vida a Crédito”) cunhou como sendo o “Estado assistencial para os ricos, que ao contrário de seu homônimo para os pobres jamais teve a sua racionalidade questionada)”.
 
No mesmo sentido vale lembrar a advertência de Slavoj Zizek (in “Vivendo no Fim dos Tempos”), ao dizer que ” a China atual seria o país capitalista ideal, em que a principal tarefa do Partido Comunista é controlar os trabalhadores e impedir sua organização e mobilização contra a exploração”, o que, por outros meios, não poderia se repetir entre nós por aqueles que estão no poder, com a já mencionada  instauração um modelo de desorganização de direitos, como a terceirização indiscriminada, que de uma vez só solapasse a organização sindical, reduzisse a massa salarial global e gerasse impacto na arrecadação tributária e fiscal, o que não vale a pena nem mesmo sob a justificativa (falsa) de estimular investimentos externos. Afinal, nas velhas, mas atuais lições de EDUARDO GALEANO (“As Veias Abertas da América Latina”–) “ os sonhos do mercado mundial são os pesadelos dos países que se submetem aos seus caprichos” (…)  e “(..) a divisão internacional do trabalho significa que alguns países se especializaram em ganhar e outros em perder”, como no caso do enriquecimento da grande empresa americana (a Apple, entre outras) em detrimento da  total degradação dos trabalhadores chineses. 
Enfim, o discurso do novo ministro da Fazenda é preocupante e ainda mais preocupante se contextualizado em algumas das providências adotadas na Medida Provisória n. 665/2014, baixada para “elevar o superávit primário brasileiro, estimado em R$ 10 bilhões em 2014 para R$ 66 bilhões em 2015”, ao preço da contabilidade das garantias sociais e não, por exemplo, de medidas de combate aos ralos dos desvios de recursos públicos.
É fundamental, portanto, nesse momento crítico, que o Brasil se reafirme diante do mundo como uma nação que, independentemente de governos, constitucionalmente rejeita a degradação e o “marchandage” do trabalho humano. Afinal, o implemento da precarização das condições de trabalho no Brasil representaria contribuir para o apartheid trabalhista  em um dos países mais importantes da economia mundial,  mas ainda socialmente injusto. Que o Brasil trabalhe para resguardar o bem estar dos seres humanos desprotegidos.
Do contrário adotará o mesmo regime que levou os trabalhadores chineses à total opressão e indignidade e o futuro cobrará a conta de cada um, na justa medida, “nem que a vaca tussa”!"