sábado, 20 de outubro de 2018

PELA PRESERVAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA DO TRABALHO

publicado no site da ANAMATRA.


ANAMATRA E ENTIDADES MANIFESTAM-SE CONTRA DISCURSOS DE ÓDIO E CORRUPÇÃO ENDÊMICA E PELA PRESERVAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA DO TRABALHO


Em nota, Anamatra, Conselho Federal da OAB, CNBB, ANPT, Sinait, Abrat e Fenaj postulam a pacificação e a concórdia durante o pleito eleitoral que se aproxima e após o seu desfecho
 A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juntamente com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) publicaram, nesta quinta-feira (18/10), nota conjunta em que repudiam publicamente toda e qualquer manifestação de ódio e desprezo aos direitos humanos de qualquer cidadão brasileiro, postulando a pacificação e a concórdia durante o pleito eleitoral que se aproxima e após o seu desfecho, como também pugnando pela preservação do sistema de proteção dos direitos sociais constitucionalemnte estabelecido, reconhecendo que justiça e paz devem necessariamente caminhar lado a lado, inclusive no campo social.
No texto, as entidades manifestam a defesa irrestrita e incondicional dos direitos fundamentais sociais, inclusive os trabalhistas, e da imprescindibilidade das instituições que os preservam, nomeadamente a Magistratura do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a Auditoria Fiscal do Trabalho e a advocacia trabalhista, todos cumpridores de históricos papéis na afirmação da democracia brasileira. "Não há desenvolvimento sem pacificação social, como não há boa governança sem coerência constitucional, e de que tampouco pode haver Estado Democrático de Direito sem Estado Social com liberdades públicas", ressaltam.

Confira a íntegra do documento.



terça-feira, 16 de outubro de 2018





NOTA DE DESAGRAVO

A AMATRA-10, Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10a Região, no exercício de seus objetivos estatutários, vem apresentar DESAGRAVO à MM. Juíza Titular da 5a Vara do Trabalho de Brasília/DF, Juíza Elisângela Smolareck, em razão de ofício encaminhado pela OAB/DF e AATDF à Administração do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região pelos motivos que seguem:
1. Ao contrário do que afirmam a OAB/DF e a AATDF em seu ofício, amplamente divulgado no meio jurídico, por intermédio de listas de Whastsapp e site da OAB, a MM. 5ª Vara do Trabalho não designou qualquer audiência, de qualquer natureza, para o ano de 2020, sendo que suas instruções marcadas para o ano de 2019 não destoam, em prazo, da média das varas do trabalho de Brasília/DF.
2. A remarcação de processos da manhã para a tarde do mesmo dia, citada no ofício da OAB/DF e AATDF, decorreu de fato alheio à vontade da Magistrada e objetivou evitar tão somente a remarcação para data diversa e mais distante, o que certamente levaria ao atraso na conclusão dos processos.
3. Ainda que assim não fosse, nunca é demais lembrar que a organização da pauta e designação de audiências inserem-se integralmente e são de exclusiva competência do Magistrado, dentro de sua prerrogativa de independência como gestor da Vara, notadamente porque essa designação não depende apenas da sua disponibilidade pessoal, mas também da disponibilidade do secretário de audiência, do funcionamento da internet necessário à operação do PJE, de questões afetas à tecnologia da informação, da condição da Vara para emitir notificações, intimações, e cumprir as demais determinações proferidas em audiências.
4. A OAB/DF e a AATDF se equivocam e atribuem fato grave à magistrada, ao afirmarem que as audiências iniciais são realizadas pelo diretor de secretaria. Não há de se falar em qualquer delegação de poderes ao diretor de secretaria ou servidores que atuam como mediadores, e tão somente realizam a mediação nas audiências iniciais, com a presença física da Magistrada na unidade. Registre-se, ainda, que o Diretor de Secretaria somente atuou enquanto os outros dois servidores estavam sendo capacitados pela EJUD/10 para o mister de mediadores  O referido formato é expressamente autorizado pela Resolução 125/2010 do CNJ e Resolução 174/2016 do CSJT, e não difere daquele já adotado no CEJUSC do foro de Brasília. O modelo do CEJUSC, aliás, foi por mais de uma vez elogiado pelo Presidente da AATDF.
5. Causa surpresa a conduta da OAB/DF e da AATDF, que cientes do diálogo franco que existe com a administração do e. TRT-10a Região, além do canal profícuo de comunicação com a AMATRA-10, preferiram o questionamento formal, sem transparência, e principalmente, sem compromisso com a veracidade dos fatos.
6. A AMATRA-10 reitera sua total confiança no trabalho da Juíza Titular da MM. 5ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, Elisângela Smolareck, que atua há 23 anos nesta Região, certa de sua dedicação e preparo técnico à frente da unidade jurisdicional. 
7. Por fim, e não menos importante, ao tempo que desagrava publicamente a sua associada, a AMATRA 10 ressalta que adotará toda e qualquer medida administrativa e judicial necessária para garantir o respeito das prerrogativas funcionais da associada agravada, bem como dos demais membros da magistratura trabalhista da 10ª Região.

Brasília, 16 de outubro de 2018.


ROSARITA MACHADO DE BARROS CARON
PRESIDENTE DA AMATRA 10

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO - Artigo pulicado no JOTA






O STF e o mundo do trabalho: reescrevendo a Constituição

Entre 2016 e 2018, Supremo foi o tribunal do mercado


Cristiano Paixão

Ricardo Machado Lourenço



Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

  
Estamos próximos da data de aniversário dos 30 anos da Constituição. Como sempre ocorre nessas ocasiões, serão produzidas matérias em órgãos da imprensa escrita, reportagens especiais em telejornais e textos em veículos especializados. Será interessante observar se um aspecto será ressaltado: a centralidade dos direitos sociais e do mundo do trabalho na elaboração da Constituição. Não é apenas um interesse acadêmico. O sistema de proteção do trabalho humano está sendo inteiramente reescrito nos últimos dois anos. E o autor dessa narrativa é o Supremo Tribunal Federal. Por esse novo enredo, o trabalhador não é o protagonista do mundo do trabalho.

Alguns poderiam dizer que se trata de uma consequência da reforma trabalhista. Ocorre, contudo, que dois dos três casos que apresentamos abaixo sequer são regidos pela Lei nº 13.467/2017. Apenas o terceiro, com julgamento ainda inconcluso, diz respeito à reforma. Isso quer dizer que, mesmo antes do Parlamento, o STF se encarregou de modificar o elenco do mundo do trabalho no Brasil.

Como essa mudança ocorreu?
Uma decisão que revela com todas as suas tintas a postura do STF em defesa do mercado envolve o tema da terceirização.

Ao concluir o julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252-MG, no último dia 30 de agosto, o Supremo Tribunal Federal firmou, com repercussão geral, a tese de que “é licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. O resultado é a permissão, sem restrições, à utilização da terceirização de serviços como dinâmica empresarial, inclusive com relação às atividades fim do empreendimento.

Para o Supremo Tribunal Federal, o trabalhador e os direitos trabalhistas surgem como entraves ao desenvolvimento econômico, ameaçando o conjunto da sociedade.

A ameaça se volta, inclusive, ao próprio trabalhador, pois a restrição à terceirização teria por consequência a redução de empregos. E o empresário, segundo a Corte, é livre para usar a força de trabalho e contratá-la como bem entender.

A consequência é a redução do trabalho e da pessoa do trabalhador a uma mera mercadoria, a ser consumida de acordo com as necessidades econômicas do empresário (“empreendedor”) e em proveito útil à sociedade como um todo. Os desdobramentos nocivos dessa decisão já foram ressaltados em artigos publicados no JOTA por Gabriela Delgado e Renata Dutra e também por Paulo Joarês Vieira e Rodrigo Carelli.

A decisão proferida na ADPF 324 e no RE 958.252 é, no entanto, coerente com outros posicionamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal.

No dia 27 de outubro de 2016, no julgamento do RE 693.456-RJ, o STF deliberou, também com repercussão geral, que o administrador público tem o dever, e não mera faculdade, de cortar o ponto de servidores grevistas. Um dos fundamentos da decisão foi o de que, na administração pública, vigora o princípio do interesse público. Para a Corte, as regras sobre o direito de greve podem ser agravadas em atenção à necessidade de continuidade dos serviços públicos, que decorre daquele princípio. Limites e sacrifícios aos direitos trabalhistas podem ser impostos em benefício da coletividade e de um (suposto) interesse público. Em texto publicado à época, classificamos essa concepção como um “direito do trabalho do inimigo”, ou seja, uma argumentação que inverte inteiramente a lógica do sistema de proteção do trabalho, pois pressupõe, de início, que a greve é algo perigoso, que deve ser evitado de todas as formas – daí o “dever” de cortar o ponto dos grevistas.

O STF ainda não concluiu o julgamento da ADI 5766, que impugna dispositivos da “reforma trabalhista” sobre o direito à gratuidade de justiça. O relator, min. Luís Roberto Barroso, votou pela procedência parcial, propondo que o direito à gratuidade de justiça pode ser regulamentado para “desincentivar a litigância abusiva”. Entendeu possível a cobrança de honorários e de custas do hipossuficiente, mesmo se beneficiário da justiça gratuita. Justificando sua posição, o ministro sinalizou que a questão era decidir o que seria melhor para os trabalhadores, para a sociedade e para o país.

Após o voto do relator e do min. Edson Fachin (esse último julgando procedente o pedido), o processo foi suspenso em razão de pedido de vista. Caso prevaleça a posição do ministro relator, o STF dará mais um passo no sentido de se impor limites a direitos trabalhistas – dessa vez com relação ao acesso à justiça – em prol da sociedade.

Nos três processos aqui referidos, é possível identificar uma linha argumentativa coesa: as proteções que o ordenamento jurídico destina aos trabalhadores são aplicadas de acordo com seu potencial de ameaça ou não à sociedade e às demandas e necessidades do mercado. Há, no pano de fundo, uma redução da sociedade ao mercado: o que interessa à sociedade, e, curiosamente, aos próprios trabalhadores, é tão somente o que interessa ao mercado, nada mais.

A Constituição e o lugar dos direitos sociais

As decisões do STF significam uma reescrita da Constituição de 1988. É necessário compreender o alcance desse ato radical de ressignificação do texto.

Um dado muito importante no estudo do constitucionalismo contemporâneo está ligado ao que se pode chamar de “topografia constitucional”. Qual é o lugar dos direitos na arquitetura do texto? Que tipo de sequência ordenada caracteriza a narrativa constitucional? Já no art. 1º da Constituição, para além da presença da expressão “trabalho” (que vem acompanhado da “livre iniciativa”, numa típica solução de compromisso de uma Assembleia composta por representantes com interesses bastante distintos), é possível aferir a presença do trabalho humano (e da necessidade de sua proteção) no inciso III, referente à dignidade da pessoa humana, assim como no art. 3º, inciso I, voltado à construção de uma “sociedade livre, justa e solidária” e também no inciso III, cujo objetivo é o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Logo adiante, no art. 6º, o direito ao trabalho é apresentado como um dos direitos sociais, sendo que o art. 7º enumera o catálogo dos direitos de todos os trabalhadores urbanos e rurais. O art. 8º cuida da organização sindical e o art. 9º estabelece, de forma clara e insofismável, o direito de greve. Todos esses dispositivos estão inseridos no Título II da Constituição, destinado aos direitos e garantias fundamentais.

Essa centralidade da proteção ao trabalho humano modifica substancialmente o tratamento do tema na história constitucional brasileira. Os direitos conectados ao mundo do trabalho vinham sendo apresentados, nas constituições anteriores, na seção destinada à ordem econômica, da qual eram parte indispensável. Essa transformação, contudo, não chega a ser inédita. Ela está inserida num contexto internacional do constitucionalismo pós-1945, que se manifestou especialmente em países europeus que ressurgiam da experiência da guerra (Itália e França) ou que lograram superar regimes ditatoriais (Espanha e Portugal). As constituições desses países – em pleno vigor nos dias atuais – se caracterizam pelo protagonismo da proteção ao trabalho humano.

Todos esses países têm constituições mais antigas do que a brasileira. E neles não se manifestou a necessidade, ou o desejo, de ressignificar a opção pelo mundo do trabalho. Essa tarefa, no Brasil, foi assumida pelo STF, antes mesmo da reforma trabalhista, como pudemos observar. Por razões que ainda precisam ser estudadas, o STF passou a se ocupar, de modo ativo, do mundo do trabalho, sempre com o fundamento da valorização da livre iniciativa, sem consideração efetiva do valor social do trabalho. Quando a história desse turbulento período compreendido entre 2016 e 2018 for escrita, uma designação será a mais apropriada para descrever a atuação do órgão de cúpula do Judiciário brasileiro. Entre 2016 e 2018, o STF foi o tribunal do mercado.

CRISTIANO PAIXÃO – Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UnB. Procurador Regional do Trabalho em Brasília. Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UFSC). Doutor em Direito Constitucional (UFMG). Estágios pós-doutorais em História Moderna na Scuola Normale Superiore di Pisa e em Teoria da História na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris). Coordenador dos grupos de pesquisa “Percursos, Narrativas, Fragmentos: História do Direito e do Constitucionalismo” e “Direito, História e Literatura: tempos e linguagens” (CNPq/UnB). Foi Conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (2012-2016) e Coordenador de Relações Institucionais da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB

RICARDO LOURENÇO FILHO – Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região; Doutor e Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB; Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP; Integrante do grupo de pesquisa “Percursos, Narrativas, Fragmentos: História do Direito e do Constitucionalismo” (CNPq/UnB)