sábado, 18 de fevereiro de 2012

ARTIGO ESCRITO PELA PRESIDENTA DA AMATRA 10 EM CONJUNTO COM A PROFESSORA ADJUNTA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, FOI PUBLICADO NO CORREIO BRASILIENSE

OPINIÃO - ARTIGO Anis Correio Braziliense Opinião Link Maternidade compartilhada
Brasília, BR - sábado, 18 de fevereiro de 2012

» JANAÍNA PENALVA
Professora adjunta da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero)







» NOEMIA PORTO
Juíza do Trabalho e presidente da Amatra 10







Um homem ganhou recentemente o direito de fruir de se afastar do trabalho para cuidar do filho recém-nascido. Sua esposa morreu, deixando um bebê de 56 dias. A Justiça Federal garantiu seu afastamento do trabalho pelo mesmo prazo da licença-maternidade. A notícia é animadora. No regime atual, ter filhos é decisão difícil para as mulheres. Significa interromper o trabalho e a carreira, suspender a vida profissional integralmente e, em muitos casos, reduzir a remuneração em futuros empregos.
Esse é um ônus injusto para alguém que decide iniciar ou aumentar a família. A extensão recém-conquistada na licença-maternidade é avanço que precisa ser acompanhado com vigilância. É inegável que um período de afastamento mais longo do trabalho ajuda a mulher, concedendo a ela maior permanência em casa com o filho. No entanto, a deixa mais tempo fora das atividades profissionais, distante das relações sociais, desatualizada, deslocada para um universo doméstico que não tem valor de mercado.
Embora a licença-maternidade funcione como garantia de continuidade no mercado assegurada às mulheres, ela é tênue, já que o retorno da mulher ao trabalho nunca ocorre em igualdade de condições com quem se manteve ativo, sem gozo de licenças. Ao retornar do período de licença-maternidade, a mulher é mãe. Tudo piora. Colegas de trabalho e chefes se colocarão em estado de espera, aguardando as notícias de febre, choros e os afastamentos para amamentação. Está fechado o ciclo: agora essa mulher é uma trabalhadora improdutiva ou, no mínimo, com dedicação inferior à esperada para o mercado.
Incomoda colocar a maternidade nesses termos. Quando novo filho é desejado, as expectativas são de alegria, realização, renovação. Todos querem, homens e mulheres, que a maternidade seja um projeto completo, que possa se realizar sem trazer prejuízos de qualquer ordem. Ocorre que as consequências vão desde a dificuldade que as mulheres em idade reprodutiva encontram na contratação até o constrangimento de contar ao chefe sobre a gravidez.
A lei, ou melhor, o direito é poderoso no apoio das mulheres no mundo do trabalho. Só garantias legais podem contrabalançar a força do status de improdutivas que as trabalhadoras ganham antes e após o parto. O compartilhamento da licença-maternidade ou a opção dada aos pais de escolha sobre quem e por quanto tempo de licença será fruído seria excelente solução. A liberdade de ajustes amenizaria os ônus e contribuiria para alterar o estigma injusto de improdutividade.
O cuidado com a criança, numa perspectiva realmente democrática, deixaria de ser atributo exclusivo da mulher. Admite-se, em claro exercício de isonomia constitucional, que a licença não tem apenas a finalidade de resguardo físico. Em vez disso, tem como foco o tempo necessário para cuidado com a criança. Tradicionalmente, a licença-maternidade era vista como direito da trabalhadora, de forma que pudesse exercer o direito à maternidade sem que isso fosse fator que a prejudicasse no mercado. A decisão judicial retira a licença do reduto de um direito trabalhista em sentido estrito e lhe confere a adequada estatura constitucional.
O compartilhamento também traz à tona a licença-paternidade. A garantia dada aos homens está atualmente prevista em "norma transitória" da Constituição (que cobre período superior a 20 anos). A licença é de apenas cinco dias, um prazo que simboliza claramente o papel diminuto dos homens na chegada de novo filho. Sua adequação tinha como pressuposto imaginar-se que competia às mães, preponderantemente, senão que exclusivamente, o trato e o cuidado com as crianças.
No caso concreto da decisão judicial referida, a extensão da licença partiu de dado específico: a morte da mãe. Todavia, mesmo considerando essa peculiaridade, avança para considerar a ausência de exclusividade, atribuível às mulheres na questão do cuidado e na responsabilidade com as novas gerações, além de inaugurar reflexão sobre a licença-paternidade. A maternidade deixa, assim, de ser exclusividade da mulher e passa a ser atributo de quem cuida.

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