segunda-feira, 11 de maio de 2015

PEC DA BENGALA - CASUÍSMO DE POLÍTICOS - ATÉ QUANDO?

ESTE ARTIGO FOI PUBLICADO NO BLOG DO FRED


Sob o título “A PEC da Bengala e o casuísmo reinante“, o artigo a seguir é de autoria de Maria Rita Manzarra, Juíza do Trabalho Titular da 3ª Vara do Trabalho de Mossoró, RN, Presidente da AMATRA21 e membro da Comissão Legislativa e de Prerrogativas da ANAMATRA.

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A Câmara Federal, na noite desta terça feira (5), aprovou a PEC 457/2005, denominada PEC da Bengala. Pelo texto aprovado, a idade para a aposentadoria compulsória no serviço público foi elastecida de 70 para 75 anos, com efeitos imediatos para os Tribunais Superiores e, para o restante do serviço público, a depender de lei complementar.
As associações de magistrados, de todos os segmentos da Justiça, posicionaram-se contrariamente à PEC e trabalharam seus fortes argumentos juntos aos parlamentares, todavia, de nada adiantou e com 333 votos sim, 144 votos não e 10 abstenções, a proposta foi aprovada, representando mais uma vitória pessoal do Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que empenhada e declaradamente defendia a sua aprovação.
Como a PEC veio do Senado Federal e foi aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, sem alterações em seu texto, seguiu para a promulgação, que aconteceu rapidamente, no final da manhã de quinta feira (7).
Como dito, as entidades de classe que representam a magistratura, nacionais e regionais, opuseram-se à proposta desde os primórdios de sua tramitação, em 2005, por entenderem que o aumento da idade da aposentadoria compulsória de 70 para 75 anos implicaria no engessamento da carreira jurídica; no desestímulo de permanência pela total falta de perspectiva de progressão na carreira; e na estagnação de jurisprudência dos Tribunais.
Com a aprovação da medida, no que se refere ao Judiciário, o tempo médio de permanência nos Tribunais Superiores passaria para, em média, 25 anos, asfixiando-se a necessária renovação e a salutar oxigenação. Provocar-se-ia, ainda, um efeito cascata nas instâncias inferiores, que após longos anos com a carreira imobilizada, sofreria a evasão de sua base, com aposentadorias espontâneas antecipadas, tão logo implementadas as condições exigidas.
De outro lado, os simpatizantes da proposta sustentavam, como argumento fulcral, que a expectativa de vida do brasileiro aumentou e que, por isso, restaria justificado o aumento da idade limite para se deixar o serviço público. O alegado aumento da expectativa de vida é de fato inegável, contudo, ocorreu em patamar não muito elevado, encontrando-se hoje, conforme dados do IBGE, em 74,9 anos, inferior, portanto, à nova idade de 75 anos fixada no texto da PEC 457, para a aposentadoria compulsória.
Além da evidente incoerência em se adotar como idade limite de trabalho no serviço público algo ALÉM da expectativa de vida do cidadão comum, não se pode ignorar que o texto aprovado no Congresso Nacional vai na contramão do que dispõe o Direito Comparado, que tende a fixar entre 65 e 70 anos a idade para a aposentadoria compulsória, mesmo em se tratando de países com expectativa de vida muito mais elevada que a do Brasil, como a Alemanha, Áustria, Bélgica, Rússia e Hungria. (1)
Se o debate sob este viés revela-se sobremaneira interessante e qualificado, circundando aspectos jurídicos, econômicos e sociais relevantes, não se pode afirmar, infelizmente, que foi este o cerne das discussões e da preocupação dos senhores parlamentares ao apreciarem e aprovarem a proposta de emenda ao texto constitucional.
A PEC da Bengala tramitava no Congresso Nacional há mais de dez anos sem grande interesse da classe política, ficando fora da pauta da Câmara e do foco da mídia por longo período. O cenário político atual, contudo, fez despertar enorme interesse na aprovação da proposta, ao se perceber que, com a sua aprovação, a Presidente da República ver-se-ia impedida de indicar e nomear novos ministros para o Supremo Tribunal Federal, até o final do seu mandato. Este impedimento representaria, na prática, a não nomeação de cinco novos ministros, considerando que os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Ricardo Lewandowsky, Teori Zavasky e Rosa Weber completarão 70 anos até o final de 2018. Em tempos de queda de braço entre Planalto e Parlamento, de total desarticulação da base aliada e de operações como a “Lava Jato” no centro das atenções da imprensa, sem dúvida, uma manobra política que vale ouro….
Eis, então, que toda e qualquer argumentação jurídica, ainda que construída sob os pilares mais sólidos e fundamentados, sucumbe a uma questão puramente política (partidária).
A nova legislatura, em poucos meses, sob a batuta frenética e compressora do Presidente da Câmara, aprovou a PEC 457 em dois turnos, alterando-se, enfim, o texto constitucional por questões circunstanciais e nada republicanas. É curioso observar que não houve sequer o intento de se disfarçar o casuísmo da aprovação, pois constou textualmente do artigo 2º da PEC a aplicação imediata apenas para os Tribunais Superiores, deixando evidenciado quem se pretendia atingir, isto é, quem seriam os reais destinatários da norma.  
Independente da inclinação política de cada um, do descontentamento e insatisfação com o Governo e o momento político vivenciado, é de se indagar: é correto promover alterações na Constituição Federal, nossa norma maior, com o fim de beneficiar tão reduzido grupo (ministros dos Tribunais Superiores)? É legítimo aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição que se tornaria absolutamente desnecessária e desprezada se o outro candidato à presidência da República saísse vencedor? É certo que os rumos do país sejam tomados com base no casuísmo, sem discussões qualificadas e no calor da disputa de poder entre partidos políticos?

As modificações constitucionais devem expressar comandos abstratos e gerais, jamais se prestando a atender interesses particulares e definidos. Partindo-se desta irrefutável premissa, alicerce do Estado Democrático de Direito, é fácil concluir que as indagações formuladas acima são de simples elucidação. A República não pode se guiar por vetores mesquinhos. O distanciamento dos representantes do povo do próprio povo é o começo do fim. Precisamos ser maiores que isso. E que o despertar da própria pequenez seja o primeiro passo para a mudança.

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