POR FREDERICO VASCONCELOS
07/12/15 08:26
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“É preciso por fim ao imperialismo presidencialista
vigente hoje no Conselho Nacional de Justiça e em boa parte dos tribunais”.
A recomendação é do juiz do Trabalho Rubens Curado
da Silveira, ex-conselheiro do CNJ.
Ele conhece a estrutura do CNJ como poucos. Foi
juiz auxiliar da presidência, secretário-geral e membro do colegiado. Ingressou
no CNJ em 2007, na gestão da ministra Ellen Gracie, ou seja, pode avaliar o que
mudou –para melhor e para pior– na administração dos ministros Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski.
Em maio deste ano, foi Curado quem advertiu, de
forma mais contundente, com o apoio de outros conselheiros, para o risco de
retrocesso com a demora do atual presidente do CNJ em colocar em julgamento a
proposta de um grupo de trabalho sobre a regulamentação da Lei de Acesso à
Informação nos tribunais.
“É evidente que qualquer restrição ao acesso à
remuneração de magistrados e servidores representa, como alertamos à época, uma
involução se comparada à prática do próprio STF”, diz Curado, ao comentar a
decisão, a pedido do Blog.
“Mas tão importante quanto discutir esse aparente
retrocesso é refletir sobre o procedimento que o ensejou”, observa.
“Essa proposta começou a ser discutida na
composição anterior, quando ficou patente que a restrição seria rejeitada.
Depois disso, o presidente não deu mais continuidade ao julgamento, impedindo
que a vontade da maioria prevalecesse. E assim agiu mesmo alertado do
descumprimento do Regimento Interno do CNJ, que prioriza os processos com
pedido de vista e obriga a submissão do tema à deliberação do plenário em até
15 dias, se necessário em sessão extraordinária, quando requerido expressamente
por mais de 1/3 dos seus membros. É a democracia às avessas no seio do
órgão que deveria dar o exemplo”, conclui Curado.
Lewandowski não leva a julgamento alguns processos
disciplinares e outras questões tão relevantes quanto a Lei de Acesso à
Informação.
Embora o discurso do CNJ seja de valorizar a
primeira instância, permanece engavetada, por exemplo, a proposta de resolução
que estabelece critérios objetivos para distribuição de servidores, cargos em
comissão e função de confiança entre primeiro e segundo graus.
Trata-se da mais importante das resoluções da
Política de Atenção ao Primeiro Grau, pois visa a acabar com a concentração
exagerada de servidores no segundo grau, em detrimento do primeiro.
Essa resolução começou a ser votada na última
sessão presidida pelo ministro Joaquim Barbosa, em junho de 2014 e já conta com
oito votos favoráveis (maioria do plenário). Mas o julgamento foi suspenso
por um pedido de vista dos então conselheiros Deborah Ciocci e Guilherme
Calmon, que disponibilizaram seus votos divergentes já na sessão seguinte, em agosto
de 2014. O atual presidente não mais apregoou o processo, evitando assim a
consolidação do entendimento já manifestado pela maioria.
“O CNJ, em boa hora, fixou prazo limite para a
devolução dos pedidos de vista, exatamente para que um eventual pensamento
divergente não obste a vontade da maioria. Mas devolvido o processo pelo vistor
–que pelo regimento do CNJ ocorre na sessão seguinte–, o presidente não teria
obrigação de dar continuidade ao julgamento?”, indaga Curado.
Aparentemente, há grande pressão dos presidentes
dos Tribunais de Justiça –que, na atual gestão, encontraram espaço para o
exercício do lobby no gabinete presidencial, através de uma comissão
constituída sem previsão regimental ou consulta prévia ao colegiado.
Os dirigentes dos tribunais não querem perder o
“poder” de concentrar nos gabinetes de desembargadores dezenas de servidores e
cargos em comissão (nomeados sem concurso, dando azo a apadrinhamentos e
nepotismo cruzado). Enquanto isso as varas do interior funcionam, em muitos
locais, com um ou dois servidores.
Exemplo dessa distorção resultou em ato da
corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, que determinou ao
Tribunal de Justiça da Bahia o deslocamento de servidores do segundo grau para
as varas de Salvador. A resolução poderia levar a mesma determinação a outros
tribunais do país, resistentes à intervenção do CNJ.
Esses episódios evidenciam uma clara dificuldade em
se conviver com a divergência. Se o pensamento da maioria não coincide com o da
presidência, azar da maioria. E se o regimento interno atrapalha, azar do
regimento interno.
A imagem do “imperialismo presidencialista” no CNJ
e nos tribunais –manifestada por Rubens Curado– também está presente em artigo
de autoria de Flávia Santiago Lima (Doutora em Direito da UFPE e professora da
Unicap) e Louise Dantas de Andrade (Doutoranda em Ciência Política da UPFE e
mestre em Direito da Unicap), sob o título “Vossa Excelência ou Sua Majestade? O Presidente do
STF e seu poder sobre a pauta de julgamento do tribunal – e sobre a agenda
jurídica nacional“.
Eis trechos do artigo:
(…)
A
determinação da pauta do Tribunal é atribuição de seu presidente, que tem o
poder de pôr em julgamento, manter e, consequentemente, impedir que alguns
temas sejam apreciados, uma vez que a mera omissão – ou postergação da decisão
– caracteriza-se por suas consequências nos sistemas jurídico e político, no
exercício de uma autocontenção – ou, nas palavras de Alexander Bickel, “o
maravilhoso mistério do tempo”.
(…)
“Depende-se,
portanto, do perfil de cada presidente da Corte e das prioridades que julga
conveniente – vide o próprio Lewandowski, que estabeleceu um novo
padrão. Evidente, para reprisar as palavras deste em seu discurso de
posse, o papel político da jurisdição constitucional, uma vez que a escolha do
momento político adequado para decisões insere-se na esfera de
discricionariedade dos titulares dos poderes executivo e legislativo.”
(…)
“Essa
questão não passou despercebida por alguns estudiosos da jurisdição
constitucional, que alertaram para a ausência de controles. Contudo, o debate
não foi incorporado pela comunidade acadêmica, tampouco pelos atores jurídicos
e políticos, que parecem conformar-se à posição de expectadores da pauta
estabelecida por um indivíduo.”
***
Em abril, quando houve insistentes pedidos para
agilizar os julgamentos do órgão, Lewandowski fez o seguinte comentário sobre
as críticas recebidas: “Talvez se devam a fruto de incompreensões com
relação à visão que esta presidência tem do CNJ. Claramente, sempre que muda a
presidência de um órgão muda-se a perspectiva, muda-se a visão, muda-se, enfim,
a dimensão que se imprime a um órgão.”
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