40 dias de Reforma Trabalhista e suas sete
promessas descumpridas
Rodrigo Trindade*
Alimentar-se saudavelmente, frequentar a
academia, trocar a TV por literatura. De todas as promessas de final de ano, a
mais sincera é a de cumprir as esquecidas intenções do ano anterior. Porque
final de dezembro é momento de relembrar, refletir e, acima de tudo, aceitar
que promessas foram descumpridas.
Se não é fácil escolher os momentos mais
marcantes dos doze meses anteriores, mais simples é recapitular os efeitos
recentes da mais importante alteração legislativa nacional, desde 1988. Após
tempo recorde de tramitação no Congresso Nacional e com repetidas nulidades de
aperfeiçoamentos e discussões, em onze de novembro foi promulgada a Lei 13.467,
também conhecida como Reforma Trabalhista. Tais como os comprometimentos de
Reveillon que, no fundo, sabemos serão ignorados, a nova lei vai passando ao
longe de seus afirmados compromissos.
Chamando à necessária sorte a 2018, vamos
às sete mais evidentes quebras de promessas.
1.
A lei não trouxe regras definitivas
Que tipo de lei já nasce com medida
provisória para consertar defeitos mais óbvios, ganha centenas de emendas e já
tem diversas ações de insconstitucionalidades engatilhadas?
Os então projetos de Códigos Civil e de
Processo Civil – apenas para citar os mais recentes – passaram anos em
discussão no Congresso Nacional e foram redigidos por comissões de notáveis.
Nosso novo código do trabalho teve praticamente nula discussão, careceu de
especialistas envolvidos na elaboração de texto e foi promulgado sem qualquer
aperfeiçoamento. Não há como se esperar um topo de linha.
A auto crítica das inconsistências já
começou com a Medida Provisória n. 808, publicada poucos dias após a lei
13.467. Mais que ajudar a esclarecer, aprofundou precarização e gerou novas
discussões. Em março, a MP para reformar a reforma expira ou é confirmada pelo
Congresso. Mas também a MP pode ser reformada, afinal já conta com quase mil
emendas. Com tantos puxadinhos, já ninguém sabe bem o que pode sair.
2.
Não há segurança jurídica
Autoridades universitárias, associações de
juízes, de procuradores e de advogados alertaram para dezenas de
inconsistências e foram solenemente ignoradas. Não se trata de dificuldade de
acolher o novo, mas obrigação de não aceitar o que é muito ruim e dever de
compatibilizar com ordens valorativas permanentes. O resultado é de ambiente
com gigantesca incerteza normativa e absoluta imprevisibilidade de decisões em
eventuais litígios.
Por enquanto, “representação e contribuição
sindical” formam o tema preferido, com seis ADIs manejadas por federações e
confederações de trabalhadores. As demais tratam de terceirização, assistência
judiciária gratuita e trabalho intermitente.
O STF já tem onze ações diretas de
inconstitucionalidade, em que se apontam incompatibilidades gerais de
dispositivos da nova lei com a Constituição Federal. Gilmar Mendes e Roberto
Barroso ganharam uma cada e as demais demandas foram para relatoria do Ministro
Edson Fachin. Não se sabe como serão os
julgamentos, mas a grande certeza é que a família de ADIs deve crescer em 2018.
3.
Aumento do desemprego
Todos ouvimos defesas exaltadas que a
reforma retiraria milhares de trabalhadores da informalidade e teria notável
valor de diminuição do desemprego.
Conforme divulgado pelo Ministério do Trabalho
(http://trabalho.gov.br/component/content/article?id=5356), nesse primeiro mês
de reforma trabalhista, houve fechamento de 12.292 vagas de emprego formal. São
dados do CAGED, de modo que, comparando contratações com dispensas, entramos no
negativo.
O comércio foi o único setor positivo,
puxado por vendas de final de ano. Mas a indústria reduziu 29.006 postos e a
construção civil enviou novas 22.826 almas ao desemprego.
O resultado mostra interrupção de sequência
de sete meses de criação de novas vagas. Ou seja, no período de 2017, em que se
manteve vigente a CLT fascista-anacrônica, houve crescimento dos postos de
trabalho com CTPS; já no primeiro mês de reforma-moderninha-salvadora
interrompeu-se o ciclo e produziu-se desemprego.
Estranho? Se as promessas não fossem
totalmente o contrário das experiências internacionais recentes, até soaria
inusitado. Mas vamos seguindo os exemplos dos países que, recentemente,
implementaram reformas trabalhistas parecidas, tais como Espanha, Grécia e México.
Dali não saiu coisa boa e, por aqui, não tem nada de diferente aparecendo.
4.
Substituição por contratos precários
Apenas o aumento do desemprego já seria
bastante ruim, mas os mesmos dados divulgados pelo Ministério do Trabalho
demonstram que seguimos outra regra de países que amargam experiências de
precarização do trabalho: a substituição por contratos precários.
No mês de novembro, foram criados 231
postos de trabalho a tempo parcial (serviço de meio período). O número é
resultado de 744 admissões contra 513 desligamentos.
A substituição por contratações
precarizadas fica mais evidente no trabalho intermitente, caracterizado pela
incerteza de horários e rendimentos. Nessa inovação da reforma, o número
explode, com 3.067 novos postos.
Também conforme o CAGED, foram contratados
3.120 trabalhadores, com 53 dispensas.
Ao final, ao lado de aumento de desemprego,
as vagas que tendem a serem mantidas e criadas para os novos desempregados são
as que pagam menos e afetam condições básicas de sobrevivência.
5.
Desmobilização sindical
Para diversos itens da reforma, seus idealizadores defenderam a
necessidade de dotar sindicatos de maior poder de decisão. Com a ampliação da
negociação coletiva, as entidades sindicais sairiam fortalecidas e valorizadas.
Banco de horas é modalidade de
compensação de jornada que foi ampliado, mas que depende de acerto entre
empresas e sindicatos.
Em reportagem da Folha
(http://m.folha.uol.com.br/mercado/2017/12/1942949-eurofarma-forca-trabalhador-a-aceitar-banco-de-horas-diz-sindicato.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfbapurou-),
grande empresa teve a proposta de implementação de banco de horas rejeitada em
votação de assembleia do sindicato. Vencida, ignorou a negociação coletiva e
chamou os funcionários para, individualmente, aderirem ao formato pretendido.
Aqui – e esse parece ser o paradigma em
formação –, a livre negociação sindical tem vez se segue a proposta da empresa.
Se o sindicato não carimba, dispensa-se o sindicato.
6.
Dispensas coletivas
A restrição a dispensas coletivas é
realidade de praticamente toda a Europa Ocidental. Parte-se da óbvia construção
de que, sem subverter o direito do empregador de mandar embora seus
funcionários, submete o ato a certos requisitos, sempre que a dispensa for
massiva e afetar grandes comunidades ou setores econômicos. Por aqui, estabelecemos
a necessidade de acordo prévio com o sindicato.
Nesse tema, os reformistas nem mesmo
justificaram com valores bonitos; em exercício de geração espontânea,
simplesmente criaram a equiparação absoluta entre dispensa individual e
despedida de centenas de trabalhadores. Negociação coletiva? Valorização do
sindicato? É simples: para despedir nada disso vale.
Livres para despedir, despediram. E foram
às centenas. Pelo menos três grandes grupos educacionais aproveitaram-se da
nova regra e mandaram embora, de uma única vez, diversos professores. Mas
espera aí, justificaram: os despedidos voltariam, mas em outras formas de
contratação. Horistas? Intermitentes? Terceirizados? Menores salários? Nesse
novo mundo, tudo pode.
7.
Pejotização, proletarização e catástrofe previdenciária
“A Reforma não mexe no 13º salário, nem
diminui o valor das horas extras”. Sem dúvida, afinal são direitos previstos na
Constituição. Faltou dizer que só vale para quem continua empregado. Tão clara
como a roupa do Reveillon, percebe-se que a nova lei incentiva a substituição
de postos de emprego por trabalhos precarizados – sejam os plenamente
desabrigados do Direito do Trabalho, sejam na moda de contratação intermitente
e terceirização.
Em reportagem de Le Monde Diplomatique
(https://diplomatique.org.br/o-medico-e-o-monstro-a-reforma-trabalhista-e-o-exercicio-da-medicina-no-brasil/)
alerta-se que uma das alterações mais prejudiciais da reforma trabalhista
brasileira é a uberização de profissões de saúde. Permite que médicos fiquem
disponíveis 24 horas por dia e apenas sejam chamados a prestar seus serviços
conforme demandas específicas da empresa, hospital ou clínica a que se
vinculam. Conforme o Le Monde, ao criar a figura do médico just in time, o contrato intermitente desvaloriza o ofício, rebaixa
suas condições de remuneração e degrada o exercício da medicina no Brasil.
No Rio e em São Paulo, o Ministério Público
investiga grandes grupos de saúde que teriam despedido centenas de médicos e
fisioterapeutas, mas buscaram manter o trabalho, na forma de intermitentes e
terceirizados
(https://extra.globo.com/noticias/economia/aplicacao-da-reforma-trabalhista-na-area-da-saude-causa-polemica-no-rio-em-sp-22142202.html?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=Extra).
Estudo do Centro de Estudos Sindicais e de
Economia do Trabalho da Unicamp
(http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/3d19e5a3-0f81-4be6-aaf7-95e39015a34f/Texto+de+discuss%C3%A3o+7+-+Financiamento+da+Previdencia+e+Reforma+Trabalhista.pdf?MOD=AJPERES)
aponta que a perda de contratos de emprego não é “apenas” diminuição de renda,
mas catástrofe para a Previdência Social.
São R$ 3.727 ao ano de perda para a
Previdência por cada trabalhador que deixa de ser assalariado e passa a
trabalhar como PJ. Se alcançar 10% da força de trabalho assalariada,
abandona-se R$ 15 bilhões por ano.
Conclusões
Nos próximos meses – ou anos, caso a
reforma resista – conheceremos efeitos mais precisos e permanentes. Mas nesses
40 dias de vida, as percepções mais evidentes são os sinceros descumprimentos
de promessas.
Com o argumento de modernizar leis, as
modificações introduzidas vão aprofundando o desemprego, diminuindo renda,
desvalorizando sindicatos, ampliando dispensas coletivas e arrasando a
Previdência.
Vem, 2018. Urgente.
(*) Rodrigo Trindade é presidente
da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande
do Sul).
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