“Juiz escreve sentença-poema ao condenar
faculdade por demissão injusta
No entender do juiz, a Unip
demitiu injustamente uma funcionária ao exigir que ela comunicasse a ausência
por meios formais, como um telefonema
HL Hellen Leite
postado em 20/06/2018 13:58 /
atualizado em 20/06/2018 14:01
(foto: Thiago Fagundes/CB/D.A Press)
Um juiz do trabalho do Distrito
Federal deixou de lado a formalidade dos textos jurídicos e usou poesia para
extinguir a demissão de uma funcionária da Universidade Paulista (Unip). Em 23
estrofes, o magistrado Carlos Augusto de Lima Nobre, auxiliar da 12ª Vara do
Trabalho de Brasília, descreve a história do processo, fundamenta e decisão e
dá um "puxão de orelha" na empresa, que havia demitido Olga Rodrigues
de Lima alegando justa causa.
Segundo a empresa, a funcionária
abandonou o emprego após licença-maternidade e férias, em março deste ano. No
entanto, a mulher se defendeu e apresentou provas de que havia sido internada
compulsoriamente pelo hospital logo após o parto porque sua filha teve
paralisia cerebral em função da falta de oxigenação no cérebro e os médicos
consideraram imprescindível a presença da mãe ao lado da criança.
Impossibilitada de deixar a
unidade de saúde para trabalhar, conta o juiz nos versos, a empregada avisou os
patrões por meio de um amigo, também funcionário da faculdade. A empresa, no
entanto, a demitiu e alegou, no processo, por meio de sua defesa, que o aviso
deveria ter sido feito formalmente, por telefone, e-mail, carta ou até mesmo
por mensagem de WhatsApp.
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Nos versos, que ocupam sete das
nove páginas da sentença (leia a íntegra abaixo), o juiz Carlos Nobre, do
Tribunal Regional do Trabalho, questiona o fato de a empresar valorizar mais a
formalidade do comunicado do que o motivo do afastamento da funcionária do
trabalho: “Se é mesmo a forma que importa, / exigindo-se da reclamante a prova
de / ter observado tais formas; / por princípio de igualdade ou paridade, / há
que se exigir da reclamada, / a mesma prova. / Então, afinal, por qual forma ou
ato / fixou tal regra de WhatsApp, telefonema ou e-mail para contato?/”.
Por fim, o juiz dá uma bronca na
empresa, por não ter aceitado o comunicado feito por um colega de trabalho:
"Ah, UNIP, / havia mesmo a necessidade / desta ação? / Onde está a sua
educação? / Precisava submeter sua antes empregada / a tamanho constrangimento
e humilhação?".
Mais conteúdo, menos forma
Ao Correio, o juiz do trabalho
disse que decidiu escrever a sentença em forma de poema para marcar que mais
vale o fato, a impossibilidade da empregada sair do hospital para salvar a vida
de sua filha recém-nascida, que qualquer outro procedimento burocrático.
"Eu quis mostrar que uma sentença, mesmo sendo um poema, não deixa de ser uma
sentença”, explica.
Com a decisão, a universidade foi
condenada a pagar os direitos trabalhistas da funcionária afastada e uma
indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil. A Unip ainda pode recorrer
da decisão. Procurada pelo Correio, a universidade não havia se pronunciado até
a última atualização desta matéria.
Mais poesia
O uso da literatura para resolver
conflitos não é inédito no DF. Em 2016, o juiz federal Waldemar Cláudio de
Carvalho também usou poesia para afastar uma multa de R$ 5 mil aplicada pelo
Ibama a uma idosa que cuidava de duas araras-canindé. Em depoimento, a acusada
informou à Justiça que o pássaro pertencia ao irmão desde 1993, e foi herdado
por ela após a morte do familiar.
Leia a íntegra do poema que
integra a sentença:
UMA SENTENÇA PARA OLGA
"Quisera fosse esta
mais uma sentença;
uma única decisão que,
resolvendo o conflito posto em
juízo,
permitisse a este juiz acreditar
que, ao final,
pudesse despir-se de sua toga e
descansar,
ou que me fizesse crer, olhando
para trás,
não ter sido exatamente um
litígio,
que justificasse instar o Estado
a atuar,
ou que tudo não passara, oxalá,
de um mal entendido,
carecido de mais diálogo
ou sei lá.
Quisera fosse esse mal entendido
apenas um erro de comunicação.
Nada que pudesse impactar
a boa fé de uma relação.
Fato grave que causasse
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sua abrupta extinção.
Tão grave a ponto de polarizar
duas forças agora contrapostas,
personificadas em
"reclamante" e
"reclamado",
mas antes unidas e
reconhecidas entre si
simplesmente por
"patrão" e
"empregado".
Mas não.
Esta não é mais uma
dessas tantas histórias
que encerram o velho conflito
entre capital e trabalho.
Esta é a história de OLGA,
trabalhadora gestante,
que tendo saído de
licença-maternidade,
viveu, após o parto,
um grande tormento.
Em internação hospitalar
compulsória,
ali permaneceu para
salvar a pequena ALICE,
e ao final, quando de sua alta,
viu-se abandonada pelo então
empregador,
tendo sido ela, a mãe, acusada,
veja só,
de ter abandonado o patrão,
como se lhe sobrasse,
entre a vida de sua recém-nascida
filha e
aquele emprego,
alguma opção.
E agora me pergunta OLGA:
- "Doutor, como pode ?
Justa causa por ter abandonado o
meu patrão ?"
E ela mesma dá a solução:
- "Nunca tive a
intenção!"
Adentraram à sala de audiência
OLGA e sua pequena ALICE,
- nascida de parto cesáreo
por sofrimento fetal agudo,
reanimada pelos médicos após o
parto,
foi intubada,
traqueostomizada,
sequelada com atrofia cerebral,
internada em UTI neonatal,
com imposição, pelos médicos, de
igual internação de sua mãe,
sem previsão de alta,
registrou o relatório médico
daquele mês de março.
Adentraram à sala de audiência
para provar que,
houvesse que houvesse,
não haveria sentença que pudesse
apaziguar o coração daquela mãe
que,
desde o parto e até aquele
momento,
não tivera do que se alegrar.
Não lhe fora permitida a
estabilidade
pós-licença gozar;
não conseguira até então
descansar e,
por isso, da mesma forma,
não deixaria este juiz repousar.
Veio "incomodar",
o seu calvário apresentar,
trazê-lo às barras do Judiciário,
desafiando com a sua presença,
a prolação de uma distinta
sentença
que pudesse,
em tão curto período de vida
atribulada,
fazer alguma diferença.
Talvez tenha sido ingenuidade
imaginar
que a reclamada pudesse
comparecer em juízo
e a sua própria honra resgatar.
Justificar ter-se equivocado ao
dispensar
aquela empregada gestante que,
após o parto, e para a sua filha
salvar,
havia sido compulsoriamente
internada,
mas que se tratava de empregada
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que jamais tivera sido
minimamente apenada.
Mas, ao contrário,
e vergonhosamente,
insistiu ter a reclamante
abandonado o emprego.
Assim argumentou em sua defesa,
sem meneios nem constrangimentos.
Alegou ter a reclamante
ignorado procedimentos.
Arrematou:
não poderia ter enviado ao menos
um e-mail ?
Mas não sendo suficiente
toda a documentação apresentada
pela reclamante,
a comprovar sua internação
hospitalar compulsória,
a luta pela vida de sua ALICE,
e tamanho drama pessoal,
a impossibilitá-la,
até mesmo mentalmente,
de se preocupar em comunicar,
própria e adequadamente;
não sendo nada disso o bastante
nem o suficiente,
em sua contestação,
escreve a demandada,
literalmente,
que ao recém-nascido,
OLGA, sua mãe,
"não deu a atenção
devida",
porque não lhe comunicou da
situação,
"colocou em risco a
sobrevivência de um bebê recém-nascido,
já que por sua culpa, seu
contrato de trabalho foi rescindido".
Que absurda alegação !
Finalizou sua defesa a reclamada,
justificando que somente
por intermédio desta ação,
teve conhecimento da delicada
saúde da menina ALICE.
E nem assim, diante de tantas
evidências,
relatórios médicos,
atestados,
tudo a comprovar a internação
compulsória da mãe
para além do prazo da
licença-maternidade e férias,
a justificar cristalinamente
o caso fortuito ou força maior,
de natureza
física,
mental,
emocional
e até mesmo espiritual,
a fazer com que
aquela mãe não comunicasse o
patrão,
aquele reclamado insistiu estar
com a razão.
Mas segue que em depoimento
pessoal,
a preposta da reclamada,
funcionária do Departamento
Pessoal,
mesmo afirmando
o Direito do Trabalho conhecer,
defendeu aquela preposta que,
neste ramo do Direito,
é a forma que há de prevalecer !
- "A reclamante não nos
comunicou", justificou.
Mas então, a respeito da
formalidade
da comunicação exigida pela
reclamada,
aqui vai um pensamento:
se deveria a reclamante,
como defendeu a reclamada
na contestação à exordial,
ter cuidado de avisar
por WhatsApp,
e-mail,
ou telefonema;
se eram esses os procedimentos
referidos
pela preposta em seu depoimento;
se é mesmo a forma que importa,
exigindo-se da reclamante a prova
de
ter observado tais formas;
por princípio de igualdade ou
paridade,
há que se exigir da reclamada,
a mesma prova.
Então, afinal, por qual forma ou
ato
fixou tal regra de WhatsApp,
telefonema ou e-mail para contato ?
E por qual meio alertou seus
empregados
para esses canais como um formal
procedimento,
para resguardarem seus direitos?
E que se fixe esta lição,
para um reclamado que sobre o
ensino alicerçou toda a sua
instituição:
nesta seara, prevalece um
princípio,
uma regra de ouro,
de que mais vale o fato
do que um simples formato,
um papel, uma forma que se
pretenda dar
a qualquer ato ou
meio outro.
Para caracterização do abandono,
não é suficiente o elemento
objetivo
- um prazo decorrido, e
um telegrama de convocação
enviado -;
necessário também
o elemento subjetivo,
na intenção consubstanciado.
Então, é bom que se diga,
a bem da Justiça,
e do quanto há no autos,
que apesar de a reclamada
alegar que aquela empregada
poderia ter "solicitado que
algum parente ou amigo trouxesse notícia sua",
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como se vê no último parágrafo da
página três da defesa,
nada fala contra a imagem do
celular apresentado pela
reclamante,
que em conversa de WhatsApp,
OLGA pediu ao colega de ofício,
de nome Ildo,
que levasse ao patrão
o relatório médico de sua
internação,
e explicasse sua situação,
ao que o colega responde que,
infelizmente, na empresa não
aceitaram
por que faltava anotar no
documento,
o prazo daquela internação.
Mas ora, para os próprios
médicos,
não havia previsão de duração !
E escreveu aquele amigo a OLGA,
ter sido orientado para dizer a
ela
que conseguisse outro atestado.
Inegavelmente, restou provado
o fato indigitado:
a reclamante envidou esforços
para comunicar a reclamada de seu
infortúnio.
Mas a justa causa a ser aplicada
já estava definida pela
reclamada,
era esse o seu desígnio.
E o que dizer dos telegramas
enviados pela reclamada,
para supostamente convocar
a reclamante de volta ao
trabalho?
Foram todos devolvidos sem
cumprimento,
por insuficiência do endereço
do destinatário - da reclamante -
neles informados !
Não poderia a reclamada
ter enviado à reclamante
um e-mail,
uma mensagem de WhatsApp,
dado um telefonema,
ou ainda,
enviado um funcionário amigo
para levar a ela tal convocação ?
Talvez assim, esse mesmo funcionário
amigo
pudesse igualmente servir de
veículo
da notícia daquela situação de
que a reclamada
tanto se queixava
e uma suposta falta,
de que tanto se ressentiu.
Ante todo o conjunto
de fatos demonstrados e
aqui já referenciados,
restou claro que a reclamante
tentou a comunicação,
e se não logrou êxito no seu
intento,
foi porque acreditou tê-lo feito,
porque assim o Ildo a informou.
Então, e afinal, em quem
acreditar?
E para além da forma,
conforme já explicado,
abandonar o emprego
jamais foi desejado;
nunca houve a intenção.
A reclamante ainda pediu,
quanto à sua demissão,
que a reclamada procedesse à
reversão.
De toda sorte,
ainda que por preciosismo,
ou apenas exercício de
imaginação,
vai aqui uma provocação:
ainda que a reclamante não
tivesse
logrado demonstrar,
ter tentado comunicar,
poderia a justa causa a ela,
nessa situação, se aplicar ?
Também não !
Se estava ela impossibilitada de
deixar o hospital,
deveria a reclamada aguardar
a reclamante reaparecer para
esclarecer
aquele impedimento;
deixá-la comprovar toda aquela
situação,
e a justa causa afastar.
Continuando aquela provocação
inicial,
é coerente e lógico pensar que,
se é verdade que a uma gestante
se lhe garante o direito à
estabilidade
sem qualquer necessidade de
ciência ao empregador ou sua
comunicação;
se também a ausência do preposto
à audiência é justificável,
comprovada sua impossibilidade de
locomoção,
após sua ausência àquele ato;
então, pela mesma razão,
princípio, ou inspiração de
Direito,
por certo estaria plenamente
justificada,
que referida comunicação pela
reclamante, somente
viesse a efeito após sua alta
hospitalar
- cuja internação representou,
até então,
igual impossibilidade de
locomoção.
E formulada idêntica provocação
à preposta da reclamada em
audiência,
e demonstrando ela conhecer a
resposta,
mas sem responder à pergunta,
talvez por desconcerto ou
nervosismo,
ou por não haver mesmo outra
resposta,
nada mais lhe restando,
sem nenhum outro artifício,
mexeu em sua bolsa, balançou a
cabeça e riu.
E já encerrando todo esse debate
a respeito de fato e forma,
justifico aqui a forma deste ato,
escrito assim, como um poema,
que se presta a reafirmar que,
mesmo neste formato,
não se engane o mais desatento
nem o desavisado:
não há diferença:
sua natureza não é distinta
de nenhuma outra Sentença.
Ah, UNIP, /
havia mesmo a necessidade
desta ação?
Onde está a sua educação?
Precisava submeter sua antes
empregada
a tamanho constrangimento e
humilhação?
Que esta sentença para OLGA
lhe sirva de lição."
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