O Juiz do Trabalho da 15ª Região, Guilherme Feliciano, escreveu o texto abaixo nos chamando à reflexão.
O jurisdicionado não almeja uma sentença rápida a qualquer custo, porque é o seu futuro profissional e sua própria vida que coloca nas mãos dos magistrados.
A exigência do cumprimento de metas exacerbadas, padronização de procedimentos e a imposição de observância cega às súmulas vinculantes ferem de morte a independência dos Juizes.
Jürgen Habermas ensinou, no final do século XX, que a sociedade é dependente de uma crítica permanente às suas próprias tradições. É preciso pensar criticamente para que o agir coletivo não se limite a reproduzir, nas dimensões culturais, o movimento inercial dos corpos físicos (que, malgrado ser movimento, significa estagnação). Mas a razão, e especialmente a razão jurídica, não é uma razão abstrata, absoluta ou permanente. É uma razão dialógica; ou, na própria expressão habermasiana, o produto de uma “ação comunicativa” (“Kommunikatives Handeln”), que só se realiza plenamente na esfera pública. Nada pode ser mais verdadeiro que isso, em especial nos Estados Democráticos de Direito: agir corretamente é agir com a racionalidade dos consensos informados e inclusivos.
No seu microcosmo, a Magistratura do Trabalho cuida bienalmente de dinamizar o seu pensamento, buscando a sua própria razão comunicativa e encetando a crítica sistemática às suas tradições, sempre em busca de mudanças culturais e estruturais. Para esse mister, a sua arena pública denomina-se Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat).
Entre os dias 1º e 4 de maio p.p., realizou-se em João Pessoa, no ensolarado Estado da Paraíba, o XVI Conamat. Ali, a Magistratura do Trabalho exercitou a sua razão comunicativa. Várias de nossas “tradições” jurisprudenciais e institucionais foram postas em xeque. Muitas não resistiram. Soçobrou, p.ex., a inteligência do item n. IV da Súmula n. 331 do C.TST (já adaptada para os rigores da ADC n. 16, do STF), quanto à exigência de uma “conduta culposa” da Administração para que seja responsável por débitos trabalhistas de suas contratadas. Ora, exigir prova de “culpa” da Administração para responsabilizá-la pelas dívidas trabalhistas dos seus inadimplentes nas infindáveis terceirizações que pululam no setor público é, a uma, desguarnecer os direitos sociais e malferir indiretamente a Convenção n. 98 da OIT (arts. 2º e 3º), de que o Brasil é signatário. Afinal, a maior “culpa” institucional já se evidenciou: a licitação levou à contratação de uma empresa privada que não respeita direitos trabalhistas e não é sequer economicamente capaz de suportá-los.
A “normalização” das políticas de metas e do solapamento da independência técnica e operacional dos juízes (por meio de mecanismos diretos, como as súmulas vinculantes, e indiretos, como o art. 5º, “e”, da Resolução CNJ n. 106, que torna a observância da jurisprudência dos tribunais superiores um critério para a promoção) têm retirado do juiz, ao longo dos anos, a sensibilidade natural que o predispunha a repulsar toda e qualquer tentativa de violentar suas prerrogativas. E é a reflexão crítica em espaços públicos que nos permite afastar as cortinas de fumaça e ver como, afinal, há certos rumos que precisam ser urgentemente corrigidos. A população não quer “qualquer sentença”, desde que logo. Quer uma sentença justa e refletida, evidentemente dentro de prazos razoáveis.
Refletir para avançar. Repensar os caminhos. Sensibilizar os verdadeiros “gestores” do Judiciário (que não estão nas varas, mas nos conselhos e tribunais superiores). E esperar um porvir mais dialógico.
Guilherme Guimarães Feliciano*
*Guilherme G. Feliciano é professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté. Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV).