NOTA PÚBLICA EM DEFESA DA INDEPENDÊNCIA
TÉCNICA DA MAGISTRATURA DO TRABALHO E DA DIGNIDADE DA JUSTIÇA DO TRABALHO
A
ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, entidade
representativa de mais de 4 mil juízes do Trabalho de todo o Brasil, tendo em
conta os vários editoriais recentemente publicados nos maiores veículos de
comunicação do país ─ e entre todos, notadamente, o editorial de 29/10/2017 do
jornal “O Estado de S. Paulo”, intitulado “A sensatez do presidente do TST”,
referenciando falas do Exm.º presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
perante a Confederação Nacional da Indústria ─, todos relativos à aplicação,
pela Justiça do Trabalho, da chamada Lei da Reforma Trabalhista, vem a público
esclarecer e externar o seguinte:
1. A Lei
nº 13.467/2017 entrará em vigência no próximo dia 11 de novembro, ainda envolta
em ambiente de acirrada controvérsia, em todos os nichos sociais e
especialmente no âmbito jurídico, mercê dos inúmeros preceitos que suscitam
dúvidas de convencionalidade e de constitucionalidade. Tais vícios vêm sendo
apontados pela ANAMATRA e por outras entidades, desde o início da tramitação do
PL nº 6.787/2016 no Congresso Nacional. Em 10/7/2017, na iminência da aprovação
da nova lei, alguns desses vícios foram denunciados publicamente não apenas
pela ANAMATRA, mas também pela Ordem dos Advogados do Brasil, pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, pelo Ministério Público do Trabalho e por
praticamente todas as entidades nacionais representativas da Magistratura, do
Ministério Público e de auditores fiscais do Trabalho. A discussão que se
seguirá nas varas e nos tribunais do trabalho, a partir de 13 de novembro p.f.,
não será caudatária, portanto, de mobilizações quaisquer da sociedade civil
organizada, mas dos próprios defeitos e imprecisões inerentes à lei aprovada.
Os resultados da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho,
organizada pela ANAMATRA, pela ANPT, pela ABRAT e pelo SINAIT, e realizada nos
últimos dias 9 e 10/10, simplesmente refletem essa realidade. Não a criam, em
absoluto.
2. A
ANAMATRA reitera que, não obstante as suas ressalvas ao conteúdo da lei ─ de
conhecimento geral ─, em momento algum sugeriu, propôs ou incentivou os juízes
associados a, sem mais, deixarem de aplicá-la. Tanto menos propôs
"boicotes", "sabotagens" ou "guerrilhas" de
qualquer ordem, para empregar algumas das infelizes designações veiculadas por
setores diversos da mídia escrita. Houvesse tal intuito, sequer faria sentido a
realização da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, evento
científico aberto e democrático, coroado de pleno êxito, do qual participaram
mais de 600 operadores de Direito de todo o país, dentre Magistrados (cerca de
350, incluídos dez Ministros do Tribunal Superior do Trabalho), advogados trabalhistas, procuradores do
Trabalho, auditores fiscais do Trabalho e professores universitários, com
convites encaminhados às assessorias das principais entidades nacionais
representativas de trabalhadores e empregadores. Não se foi além pela
incapacidade física do espaço. Partiram desses participantes, e não da
Anamatra, os 125 enunciados propostos, debatidos e aprovados durante o evento.
3. Falta
com a verdade o presidente do TST ao afirmar, perante plateia de empresários ─
se de fato o afirmou, como sugere o editorial do Estadão ─, que a 2ª Jornada
reuniu “grupo de juízes e procuradores” atados à “promessa” de deixar de
aplicar a Lei nº 13.467/2017, “a pretexto” de violar a Constituição e/ou
convenções internacionais. Com efeito:
(a) a 2ª
Jornada consistiu em um evento jurídico-científico de amplo espectro, com claro
perfil acadêmico, e não em concílio político ou ato de fé de qualquer ordem;
(b) a 2ª
Jornada não implicou em qualquer tomada de posição política por parte da
ANAMATRA ou de qualquer entidade organizadora, cujas instâncias deliberativas
estatutárias são necessariamente outras;
(c) os
enunciados da 2ª Jornada têm caráter doutrinário-científico e assim têm sido
divulgados, para a livre reflexão de todos os operadores do Direito Material e
Processual do Trabalho;
(d) a
ANAMATRA é a maior entidade associativa de juízes do Trabalho de todo o
planeta, enquanto a 2ª Jornada reuniu mais juízes do Trabalho do que qualquer
outro evento nacional, até o momento, sobre a Lei nº 13.467/2017 (praticamente
dobrando as presenças da 1ª Jornada, organizada entre 21 e 23/11/2007), o que
torna pouco crível a alegação de “perda de prestígio” irrogada por S. Ex.ª; e,
por fim,
(e) a
violação da Constituição ou dos tratados internacionais em vigor não é, em
absoluto, reles “pretexto” para não se aplicar leis. Bem ao contrário, em tais
hipóteses, é dever primeiro da autoridade judiciária proceder ao controle
difuso de constitucionalidade e de convencionalidade das leis; e, queremos
crer, esse dever legal não passa despercebido ao DD. Ministro.
4. A
ANAMATRA recorda ainda que toda e qualquer lei, a versar sobre qualquer
matéria, está sujeita à interpretação das cortes judiciais, como pressuposto
inafastável para a sua aplicação aos casos “sub judice”. Da mesma forma, no
atual modelo constitucional brasileiro, toda e qualquer lei, a versar sobre
qualquer matéria, está sujeita a duas espécies de controle de
constitucionalidade: o controle concentrado de constitucionalidade, exercido
exclusivamente pelo E. Supremo Tribunal Federal, com efeitos de vinculação
geral, e o controle difuso de constitucionalidade, a se realizar
incidentalmente por qualquer juiz brasileiro, em qualquer grau de jurisdição,
com efeitos restritos ao caso concreto. E é assim, no ideário jurídico
americano, desde o julgamento do caso Marbury vs. Madison pela Suprema Corte estadunidense
(1803). Isto decerto não é tampouco ignorado por S. Ex.ª, até porque de sabença
geral.
5. De
outro turno, em relação à reportagem da "Folha de S. Paulo" de
30/10/2017 ("Justiça do Trabalho é lenta e pouco efetiva para o
empregado"), cabe esclarecer ao jornal e ao grande público que, de acordo
com o Relatório "Justiça em Números" de 2017, do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), o número de processos em
todos os ramos do Judiciário cresceu 5,6%, sendo que 11,9% dos novos processos
em todo o Poder Judiciário versam sobre o inadimplemento de verbas rescisórias
(o que configura, registre-se, o mais óbvio e salutar direito do trabalhador
quando é demitido). Já por isto se vê que a existência da Justiça do Trabalho
ainda se justifica, entre outras razões, pelo elevado nível de descumprimento
das obrigações trabalhistas no Brasil, incluindo os direitos laborais mais
básicos. Também decorre desse quadro de inadimplência difusa a sua condição
sobrecarregada: a Justiça do Trabalho recebeu, em 2016, 4,2 milhões de ações, e
mesmo assim julgou 4,3 milhões, respondendo positivamente ao acréscimo
decorrente da aguda crise econômica. Para tanto, contou com o dedicado esforço
de seus Magistrados e servidores, como também com o fato de ser o mais
informatizado dentre todos os ramos do Poder Judiciário. Se, por fim, são
percentualmente poucos os casos de total procedência das ações a ela
submetidas, tal se deve precisamente à imparcialidade de seus juízes, não a uma
suposta ineficiência.
6. Por
fim, a ANAMATRA repudia, com veemência, todos os discursos que, a qualquer
pretexto ou por quaisquer interesses, pretendam inibir, “enquadrar” ou impedir
o livre exercício da função constitucional afeta a todos os juízes do Trabalho
brasileiros, em quaisquer de suas facetas (o que inclui, por evidente, o
exercício do controle difuso de constitucionalidade, caso assim compreendam). A
imparcialidade e a independência técnica dos juízes trabalhistas, a salvo de
quaisquer influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou intromissões, são a
garantia primeira dos cidadãos brasileiros, quer sejam reclamantes, reclamados
ou terceiros intervenientes. Eis porque qualquer iniciativa tendente à
mitigação ou à supressão de tal garantia deve ser denunciada como autoritária,
antirrepublicana e incompatível com o Estado Democrático de Direito. Como já
reconheceu a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, “a
independência da Magistratura será garantida pelo Estado”; e, já por isso, “é
dever de todas as instituições, governamentais e outras, respeitar e acatar a
independência da Magistratura”. É pelo que pugna, agora e doravante, a Magistratura
do Trabalho.
Brasília,
30 de outubro de 2017
Guilherme
Guimarães Feliciano
Presidente
da Anamatra
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