Para presidente da Associação dos Magistrados
do Trabalho da 12ª Região, “reforma trabalhista foi açodada e representa perda
de direitos”
“Não existe possibilidade de um Magistrado não
aplicar uma Lei. Isto é história. O que pode ocorrer é ela ser aplicada
mediante interpretação com todo o ordenamento jurídico, e sempre observado o
princípio da livre convicção motivada das decisões judiciais”. A afirmação é da
juíza do Trabalho Andrea Cristina de Souza Haus Bunn, titular da da 3ª Vara do
Trabalho de Lages, presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª
Região- AMATRA12 (Biênio 2017/2019) e conselheira da Associação Nacional dos Magistrados
do Trabalho – Anamatra (Biênio 2017/2019).
Nesta entrevista ao Portal
JusCatarina, a magistrada declara que a reforma trabalhista, cujas mudanças
entram em vigor no próximo dia 11 de novembro, suprimiu muitos direitos dos
trabalhadores. Na sua avaliação, o debate sobre o projeto no Congresso não
aconteceu a tempo e modo adequados, motivo pelo qual deverá suscitar inúmeras
interpretações no âmbito da Justiça do Trabalho, sobretudo em relação à
constitucionalidade das normas. Para Andrea, o argumento de que a reforma vai
contribuir para aumentar a geração de empregos não se sustenta. “Na minha
opinião, o que gera emprego é crescimento econômico. Talvez pela figura do
trabalho intermitente tenhamos daqui a algum tempo uma ideia irreal de que mais
empregos foram gerados. Porém serão apenas formalizações dos já conhecidos
“bicos”, e se tornarão vagas de emprego formal, porém precárias”, assinala.
Confira:
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Juíza do Trabalho Andrea Cristina de Souza Haus Bunn |
JusCatarina – As mudanças na
legislação trabalhista entram em vigor no próximo mês de novembro. Qual a sua
avaliação sobre a reforma? Quais as perdas e ganhos para os trabalhadores?
Andrea Bunn – Acompanhei a
tramitação do Projeto de Lei sobre a reforma trabalhista quando ainda era
Vice-Presidente da Amatra12, e posteriormente, já na Presidência, e também como
Conselheira da Anamatra. Minha opinião, assim como de diversas outras
associações representativas dos operadores do Direito do Trabalho (Anamatra,
OAB, Abrat, ANPT, Sinait) é que a tramitação do PL 6787/2-16 (Câmara dos
Deputados) e posteriormente PLC 38/2017 (Senado) foi açodada, e não houve
debates e estudos suficientes para tamanha mudança de paradigma nas relações
materiais e processuais do trabalho, tal como está ocorrendo. Da mesma forma,
entendo que a população não foi devidamente esclarecida, pois sustentava-se na
mídia e imprensa que não haveria perda de direitos aos trabalhadores. Porém,
quem opera e conhece o Direito do Trabalho, e já estudou a Lei em questão, sabe
que efetivamente ocorreu perda de direitos.
Devido a esta rápida tramitação e
falta de amadurecimento do tema, neste período que antecede a vigência da Lei,
está acontecendo uma situação inusitada. As entidades patronais, juntamente com
a mídia e a imprensa que apoia a Reforma, está bombardeando os operadores do
Direito do Trabalho, em especial o Poder Judiciário Trabalhista e suas
Associações.
O que transparece de tudo o que
aconteceu até aqui é que foi editada uma lei, e agora o temor é saber como ela
será aplicada. Obviamente, caso houvesse diálogo e amadurecimento suficiente
quando da tramitação do Projeto de Lei junto ao Congresso Nacional, nada disto
estaria acontecendo. O que houve foi imposição unilateral de uma norma, sem os
estudos aprofundados sobre o tema, e agora, com a Lei editada e no período
aguardando a entrada de sua vigência, surgem os estudos e congressos para
estudá-la e aplicá-la.
Minha opinião sobre perdas e
ganhos tem que ser objetiva, comparando o que lhe era assegurado antes da
reforma, seja por Súmulas de Jurisprudência ou por Lei, e após a edição da Lei
13467/2017. Muitos direitos foram suprimidos, não se pode negar. Apenas aponto
alguns exemplos de supressões, sem juízo de valor: revogação do artigo 384 da
CLT (intervalo para a mulher antes de iniciar o trabalho extraordinário);
eliminação das horas in itinere (trajeto); criação da prescrição intercorrente;
retirada do caráter salarial de diversas verbas indicadas no artigo 457 da CLT;
criação do § 2º do artigo 468 da CLT que não mais prevê a incorporação de
gratificação de função a empregado que a recebe por mais de 10 anos;
desnecessidade de homologação das rescisões contratuais em sindicato da
categoria para trabalhadores com mais de um ano de serviço; quitação anual das
verbas trabalhistas; enfraquecimento financeiro dos sindicatos de
trabalhadores, porém atribuindo-lhes mais responsabilidades; restrição ao
benefício da Justiça Gratuita ao trabalhador. Estes são alguns exemplos, dentre
inúmeras outras situações havidas na Norma. Deixo de elencar a todas, devido à
extensão da Reforma.
JusCatarina – Em que pontos a
reforma contraria o que está posto na Constituição Federal e nos tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário?
Andrea Bunn – Também uma pergunta
que demandaria um livro como resposta. Tentarei ser sucinta abordando apenas
alguns temas, devido à exiguidade de tempo. Dou esta resposta baseada nos
seguintes documentos, editados durante a tramitação do Projeto de Lei,
disponibilizo os seguintes arquivos. Nota técnica da OAB, datada de 27 de junho
de 2017; nota técnica conjunta da Anamatra, Sinait, ANPT e Abrat, datada de 21
de junho de 2017; e documento assinado por 17 Ministros do TST em 18 de maio de
2017.
Estes documentos elencam inúmeras
situações de inconstitucionalidade, e também de afronta a Tratados
Internacionais os quais o Brasil é signatário. Indico alguns exemplos:
restrição de acesso ao Poder Judiciário; compensação de jornada sem negociação
coletiva; possibilidade da trabalhadora gestante ou lactante trabalhar em ambiente
insalubre, salvo quando se tratar de insalubridade de grau máximo ou de grau
médio quando inexistir atestado médico recomendando o afastamento; quitação
anual de verbas trabalhistas; limitação (tabelamento) dos valores referentes a
indenizações por danos morais; obstáculos para acesso à Justiça; diminuição e
rebaixamento da função constitucional interpretativa dos Tribunais do Trabalho.
JusCatarina – A sra. acredita que
as mudanças trazidas pela reforma terão efetivamente capacidade de aquecer o
mercado de trabalho, gerando mais emprego?
Andrea Bunn – Não. Na minha
opinião o que gera emprego é crescimento econômico. Talvez pela figura do
trabalho intermitente tenhamos daqui a algum tempo uma ideia irreal de que mais
empregos foram gerados.
Porém serão apenas formalizações
dos já conhecidos “bicos”, e se tornarão vagas de emprego formal, porém
precárias. Considero-as precárias porque um trabalhador intermitente receberá
apenas pelas horas trabalhadas com os encargos proporcionais, sem garantia de
jornada mínima, tampouco chamamento ao serviço. Ou seja, não terá como se
programar para pagar suas contas básicas de sua subsistência, quiçá assumir uma
prestação continuada.
Inúmeros textos já circularam em
especulação a uma eventual Medida Provisória a ser editada pelo Governo Federal
após a vigência da Lei 13.467/2017. Num destes textos, veiculado pelo Jornal
Valor Econômico nos dias subsequentes à aprovação do PLC no Senado, constava em
relação ao trabalho intermitente que o trabalhador deveria complementar às suas
expensas o valor da contribuição previdenciária mensal, quando em determinado
mês não tenha recebido o mínimo legal, sob pena daquele mês ser desconsiderado
como tempo de contribuição. Se isso realmente acontecer, a dita “formalização”
do mercado de trabalho servirá unicamente como arrecadação do Governo, pois
quem já recebe menos que um salário mínimo mensal não terá como arcar com a
complementação da contribuição previdenciária. E se não recolher, não estará
protegido pela Previdência, ganhando somente o Governo com estatísticas de
trabalho formal, porém precário.
JusCatarina – Como a senhora vê a
proposta de prevalência dos acordos negociados entre patrões e empregados, que
passarão a ter força de lei? Quais os reflexos desta mudança, especialmente
para os trabalhadores?
Andrea Bunn – Não existe
igualdade de forças entre o capital e o trabalho. Nunca existiu. Não será uma
Lei editada quem a criará. O trabalhador
precisa do emprego para sua dignidade e subsistência. Crer que ele questionará,
proporá e será ouvido pelo seu patrão é uma falácia. A história da humanidade
demonstra que esta relação sempre foi e continua sendo desigual. Várias
hipóteses foram criadas possibilitando a negociação individual em detrimento da
negociação coletiva, por exemplo, banco de horas individual com período de
compensação de até seis meses; negociação direta entre empregada lactante e
empregador sobre o intervalo para amamentação; sistema de jornada 12×36.
Os reflexos desta mudança,
especialmente para os trabalhadores será muitas vezes perda ou redução de
direito, para que possa garantir ao menos seu emprego. Ainda, a figura criada pelo artigo 444 §
único da CLT, que é o empregado portador de diploma de nível superior e que
perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos
benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Nestes casos, o acordado
entre empregado e empregador prevalecerá sobre as disposições de instrumentos
coletivos de trabalho.
Pela experiência que tenho nestes
casos, considero que nem estes empregados possuem força suficiente para
negociar em posição de igualdade com seus patrões. A negociação entre sindicatos de
trabalhadores e patronais, ou ainda entre sindicatos de trabalhadores e
empresas sempre será o melhor caminho.
JusCatarina – Há no imaginário
popular a ideia de que a Justiça do Trabalho é sempre pró-empregado e,
portanto, contra os patrões. E que esse posicionamento é prejudicial ao desenvolvimento
do país. Qual a sua opinião sobre a crítica?
Andrea Bunn- Depende de que tipo
de sociedade e povo você imagina para o nosso país. A Constituição Federal de
1988 prevê no seu artigo 3º:
Constituem objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento
nacional;
III – erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação).
Eu acredito neste tipo de
sociedade. Não é a Justiça do Trabalho quem protege o empregado. É a Lei. É a
Constituição Federal. E não pode ser diferente, pois as forças são desiguais. A
Justiça do Trabalho aplica a Lei, a Constituição Federal e os Tratados
Internacionais os quais o Brasil é signatário. Mesmo com o advento da Lei
13467/2017, a proteção ao trabalhador e os princípios aplicáveis ao direito do
trabalho não se extinguiram.
Não é possível que não haja outra
solução ao crescimento do país que não seja a precarização dos direitos
sociais. Há outras alternativas. Menos
burocracia. Menos impostos. Menos corrupção. Com estas reduções o Brasil
deslanchará, sem qualquer necessidade de precarização.
JusCatarina – Há um movimento que
envolve Magistrados do Trabalho, membros do Ministério Público do Trabalho e
Auditores Fiscais do Trabalho, no sentido de não cumprir os principais pontos
da reforma trabalhista. Há de fato esta movimentação? E como os Magistrados do
Trabalho aqui de Santa Catarina pretendem se posicionar a respeito? Existe a
possibilidade de os Juízes Catarinenses não cumprirem as novas regras?
Andrea Bunn – Esta pergunta tem
que ser respondida em partes.
a) Esta história de “movimento”
surgiu com um evento nacional para estudo sobre a Lei 13467/2017, organizado
pela Anamatra, em parceria com a ANPT, Sinait e Abrat. Ou seja: com TODOS os
operadores do Direito do Trabalho. Trata-se da 2ª Jornada Nacional de Direito e
de Processo do Trabalho, da qual eu participei. Ocorreu nos dias 09 e 10 de
outubro, em Brasília, e dela participaram Magistrados do Trabalho (Juízes de 1º
grau, Desembargadores e Ministros do TST), Procuradores do Trabalho, Auditores
Fiscais do Trabalho e Advogados Trabalhistas. Foram mais de 600 (seiscentos)
participantes. Todos foram convidados, inclusive as entidades patronais
nacionais, as quais recusaram participação. Tenho cópia dos convites e dos
ofícios das entidades com suas respostas de que não compareceriam. Daí pode-se
perceber que em nenhum momento “tramou-se” um evento para “sabotar” a Lei da
Reforma Trabalhista. Foi um evento aberto e gratuito, pois sequer houve taxa de
inscrição. A imprensa teve livre acesso, tanto às Comissões Temáticas, quanto na
Plenária. Não houve um momento sequer onde se barrou a entrada e participação
da imprensa. Acontece que neste evento muitas teses foram aprovadas no sentido
de inconvencionalidade ou inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei
13467/2017, o que desagradou boa parte das forças patronais do país, e também a
ala mais conservadora do próprio Poder Judiciário e Imprensa. Porém o que posso
afirmar é que dali surgiu um material riquíssimo para estudo. E afirmo.
Inúmeros enunciados aprovados não eram pela não aplicação da Lei, e sim, pela
interpretação dos dispositivos legais. E também refletiu o quão delicado é o
assunto, e que esta Lei não poderia, realmente, ter tramitado em regime de
urgência como ocorreu.
Não existe possibilidade de um
Magistrado não aplicar uma Lei. Isto é história. O que pode ocorrer é ela ser
aplicada mediante interpretação com todo o ordenamento jurídico, e sempre
observado o princípio da livre convicção motivada das decisões judiciais.
Em Santa Catarina os Juízes do
Trabalho reuniram-se em Florianópolis num evento no dia 26 de outubro de 2017,
chamado “Debates Institucionais na Justiça do Trabalho de Santa Catarina – 3ª
edição”, promovido pela Escola Judicial do TRT da 12ª Região em parceria com a
AMATRA12, e teve sua estrutura baseada em quatro eixos:
Eixo 1 – Gestão das Unidades
Judiciárias e política de valorização do 1º grau;
Eixo 2 – Medidas de enfrentamento
ao excesso de litigiosidade;
Eixo 3 – Alterações da Lei
13.467/2017 no campo do Direito Individual e Coletivo do Trabalho;
Eixo 4 – Alterações da Lei
13.467/2017 no campo do Direito Processual do Trabalho.
Foram debatidas e votadas mais de
50 (cinquenta) teses sobre direito material e processual do trabalho,
referentes à Reforma Trabalhista. Do que se votou e estudou neste evento, posso
afirmar que a tendência de grande parte dos Magistrados do Trabalho de Santa
Catarina é pela aplicação a Lei 13467/2017 sem muitas restrições.
JusCatarina – Na sua opinião,
existe de fato um movimento no sentido de enfraquecer – e até extinguir – a
Justiça do Trabalho? De que forma a Magistratura Trabalhista pretende reagir a
estes ataques?
Andrea Bunn – Esta tentativa de
extinguir a Justiça do Trabalho não é nova, e ressurge de tempos em tempos.
Desde que estou na Carreira (1999), esta é a segunda vez que este movimento
surge com alguma força. Tal como já relatei anteriormente, a tramitação do
Projeto de Lei foi açodada, e em regime de urgência, o que impossibilitou os
amplos debates necessários para o amadurecimento de questão social tão
importante. Agora, aprovada a Lei 13467/2017, e no período anterior à sua
vigência, é natural acontecerem críticas, até porque não oportunizadas no
momento certo. Isto acarreta a ira daqueles que conduziram o processo
legislativo, e também das entidades que o apoiaram. Mas não se pode evitar,
pois vivemos numa sociedade democrática, onde o pensamento é livre e não existe
censura. Cabe a cada Juiz do Trabalho respeitar, cumprir e fazer cumprir as
leis. E é em cada caso concreto, trazido ao Judiciário, que a lei é aplicada.
Não somos apenas a boca da lei. Somos intérpretes. E para tanto, atuamos
considerando todo um sistema jurídico vigente, e não somente uma lei
específica. A Justiça do Trabalho não vai se intimidar pelas falas hostis de
parte da imprensa ou de certos elementos do Parlamento. Juízes são
independentes para proferir suas sentenças. Não seremos amordaçados. Temos
assegurado o livre convencimento motivado de nossas decisões, e a independência
é nossa garantia constitucional. A ideia de extinção da Justiça do Trabalho
caso não haja aplicação integral e literal da Lei 13467/2017 é chantagem
institucional. Cada Magistrado deste país, independentemente do grau de
jurisdição, tem o dever constitucional de julgar os litígios que lhe são
trazidos com isenção, autonomia, sem se deixar atingir por pressões externas.