Notícia publicada no site da Anamatra https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/26043-artigo-do-presidente-da-anamatra-e-destaque-no-blog-do-fred-folha-de-s-paulo
Magistrado fala das incertezas para a Justiça
do Trabalho em 2018
Em artigo
publicado no último dia 7/1, no Blog do Frederico Vasconcelos (Folha de S.
Paulo), o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, fala sobre os horizontes
de incertezas que aguardam a Justiça do Trabalho em 2018. O magistrado também
faz uma avaliação sobre o ano de 2017, destacando as dificuldades já
enfrentadas no campo do trabalho. Para Feliciano, 2017 foi "um ano de
escombros" para o mundo do trabalho. Em relação a 2018, a perspectiva é de
"um horizonte de névoas". Confira abaixo o artigo ou clique aqui e
acesse.
***
Horizonte de incertezas para a Justiça do
Trabalho
O ano de
2017 não foi exatamente animador para a Justiça do Trabalho. E, digo por mim,
tanto menos para o Direito do Trabalho.
Com
efeito, o Tribunal Superior do Trabalho esteve sob a presidência de quem ─
digo-o com todo respeito ─ houve por bem afirmar, em audiência pública no
Senado da República, que “o melhor Estado é um Estado menor”, após fazer
severas críticas à jurisprudência consolidada do próprio tribunal que preside
(sabendo ser, no particular, uma voz minoritária).
Nada
contra convicções ultraliberais, que francamente estão na moda.
Mas, na
perspectiva de um ramo judiciário cuja função constitucional é justamente
interferir em relações contratuais privadas (e, notadamente, nas relações de
emprego), buscando equalizar as tensões entre o capital e o trabalho e fazer
valer a letra ─ e a semântica ─ da Constituição-cidadã, defender o “Estado
mínimo” é nada menos que preordenar a autoextinção, evocando todo um ideário
político setecentista que a civilização superou com o alvorecer do
constitucionalismo social (que se inaugurava justamente em 1917, sob o pálio da
Constituição mexicana ─ há um século, portanto).
Não por
outra razão, aliás, a Lei nº 13.467/2017 quis acorrentar a “criatividade” dos
tribunais do trabalho com um novo princípio legal, desses que se rivalizam com
o melhor do “non-sense” jurídico mundial: o art. 8º, §3º, da CLT passa a
enunciar um “princípio da intervenção mínima”, a reger apenas a Magistratura do
Trabalho, qual voto de desconfiança velado do legislador brasileiro. O que isto
insinua, caro leitor?…
Além
disso, com a perigosa associação entre as reações conservadoras à 2ª Jornada de
Direito Material e Processual do Trabalho (realizada pela ANAMATRA em Brasília,
nos dias 9 e 10 de outubro de 2017, para debater a mesma lei, dita da “reforma
trabalhista”) e os fortes ventos liberais que ainda sopram do leste (e o leste,
para nós, sempre foi a Europa ocidental), o mês de outubro ressuscitou a
cantilena da extinção da Justiça do Trabalho, a reboque de uma proposta de
emenda constitucional que, a rigor, nunca existiu formalmente nesta
legislatura.
Aliás, a
ideia da “absorção” da Justiça do Trabalho pela Justiça Federal da União é tão
engenhosa quanto seria a de despejar todo o Oceano Atlântico sobre o Mar
Mediterrâneo. Águas diversas, espaços e tamanhos gritantemente díspares. No
entanto, a bravata animou muita gente que, ao fitar o retrovisor da História,
pensa sempre estar fitando o para-brisa.
Supor que
a ordem social brasileira possa prescindir do Direito do Trabalho, e que o
Poder Judiciário nacional possa prescindir da Justiça do Trabalho, é quase o
mesmo que supor que a Humanidade possa prescindir do século XX.
Já
tínhamos, há duzentos anos, contratos de trabalho celebrados com plena
liberdade, sem a intervenção do Estado. Não resultou bem: seu legado foi um
legado de ignomínias humanitárias (a que denomino, em aulas, de “horrores das revoluções
industriais”). E, para que nunca mais fossem vistas, os Estados passaram a
legislar a respeito ─ sob genuína vocação universal, como atestaria a criação
da Organização Internacional do Trabalho (1919) ─, estabelecendo, para a
posteridade, o “minimum minimorum” da cidadania social.
Poderíamos
retroceder? Estou convicto de que não. A civilização não retrograda. Evolui,
preservando suas conquistas. Ou nosso fim seria o retorno à barbárie.
Aliás, o
caso da reforma trabalhista é, a propósito, emblemático: O Peel’s Act de 1802
(ou“Health and Moral’s of Apprentices Act”), considerado a primeira lei
trabalhista da contemporaneidade, foi editado precisamente para fazer frente ao
adoecimento de jovens trabalhadores na indústria têxtil algodoeira da Inglaterra
oitocentista. Entre as suas várias medidas de prevenção, encontrava-se
justamente a limitação da jornada dos trabalhadores daquele segmento, como
forma de amenizar o problema (que, à altura, já era percebido como uma crise de
saúde pública).
Duzentos
e quinze anos depois, o gênio legislativo brasileiro vem declarar, no “novo”
art. 611-B da CLT (em seu parágrafo único), que “regras sobre duração do
trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e
segurança do trabalho”… E, não bastasse, reservam à novidade a eufemística
expressão “modernização trabalhista”! Piada histórica de mau gosto. Não fosse
trágica.
E o que
esperar de 2018?
De
seguro, névoas. Um nebuloso horizonte de incertezas.
No STF,
já passam de dez ações diretas de inconstitucionalidade, que põem em xeque
diversos pontos da reforma trabalhista (terceirização de atividade-fim,
contrato de trabalho intermitente, novas condições da assistência judiciária
gratuita [?] na Justiça do Trabalho, novo regime legal do depósito recursal
trabalhista, tarifação das indenizações por danos extrapatrimoniais, extinção
da compulsoriedade da contribuição sindical legal etc.). No TST, nas primícias
de fevereiro, far-se-á um esforço de ampla revisão das súmulas de jurisprudência,
em razão da própria Lei n. 13.467/2017 (conquanto ainda subsistam, em relação a
quase todos os novos temas que agora se tornam polêmicos, imensas dúvidas
jurídicas de interpretação).
E, para
mais, o mercado de trabalho não reagiu como se cogitava (ou como esperavam os
próceres da reforma): no primeiro mês subsequente à profunda alteração
legislativa, não se criou uma única vaga nova de emprego; ao contrário,
fecharam-se 12,3 mil vagas formais.
Por outro
lado, houve na Justiça do Trabalho, de imediato, vertiginosa queda do número de
novas ações, exponencial o suficiente para levantar suspeitas em torno de sua
suposta “bondade”.
No TRT da
4ª Região (RS), p. ex., a média de novos processos trabalhistas entre 11 e 17
de novembro foi de 173, enquanto na semana imediatamente anterior (a reforma
entrou em vigor no dia 11/11) a média foi de 2.613. Isto parece revelar que,
afinal, a litigiosidade não caiu propriamente; foi, sim, antecipada. E, naquilo
em que acaso venha a se reduzir, reduzir-se-á sobretudo pelo receio de litigar
sob as novas regras dos tribunais trabalhistas. Incutir temor em
jurisdicionados é uma boa maneira de assegurar o acesso à justiça (art. 5º,
XXXV, CF)?
Mas há,
no final de 2018, uma centelha de inflexão. O Brasil ─ e, como ele, a própria
Magistratura laboral ─ dividiu-se esquizofrenicamente após dezembro de 2015.
Tornou-se
quase impossível defender o Estado social sem atrair a pecha de “bolivariano”
(ou quiçá “mortadela”); ou, ao revés, reconhecer boas coisas no liberalismo
político (porque há, sim, boas coisas, notavelmente reveladas nas liberdades
públicas dos novecentos) sem merecer a alcunha de “tatcherista” (ou quem sabe
“coxinha”).
Mas já se
aproximam, a largos passos, as eleições nacionais de 2018. Quando outubro
chegar, a população brasileira ─ e não, por ela, o Parlamento ─ poderá
finalmente dizer, de própria voz, qual projeto de país quer para si. Com que
tônicas, com quais sacrifícios e sob quais prioridades. Quando a esse respeito
houver mais certezas, essas tantas névoas começarão a se dissipar. No mundo do
trabalho, seguramente. E, estou certo, não apenas nele.
*Guilherme
Guimarães Feliciano é juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté (SP). É
Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
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