ARTIGO
PUBLICADO NO SITE DA CONJUR
http://www.conjur.com.br/2016-mai-22/germano-siqueira-quebra-direitos-sociais-tempos-crise
OPINIÃO
Quebra de direitos sociais em tempos de crise é oportunismo político
22 de maio de 2016, 16h12
No atual e grave cenário político, temas importantes inserem-se na
discussão cotidiana com grande relevância para os destinos do país. É de se
observar com preocupação o fato de, em momentos de crise, voltarem à discussão
iniciativas voltadas para o enfraquecimento dos direitos sociais e da
independência da magistratura
Há quem entenda, por exemplo, que fases de transição seriam as mais
apropriadas para o processamento de reformas da legislação trabalhista, de modo
a aliviar custos empresariais e, assim, permitir que todos supostamente saíssem
ganhando.
Essa visão parte do recorrente equívoco de considerar que leis antigas
são necessariamente desconectadas do mundo contemporâneo e carecedoras de
permanente exercício reformador. Mais do que isso, insiste no preconceito de
que os magistrados não teriam sensibilidade para aplicá-las, adequando-as às
necessidades dos novos tempos.
É preciso então dizer que, nestes mais de 70 anos, o texto original da
CLT passou por quadras históricas diversas, por momentos promissores
economicamente e por outros de crise como o atual, mas sem nunca ter sido
idoneamente apontado como causa de reais entraves para os setores produtivos.
Do mesmo modo, já sofreu vários ajustes desde a edição do velho Decreto-Lei
5.552, de 1º de maio de 1943, sem comprometer a sua essência.
Nesse mesmo sentido, não há nenhum indicativo convincente de que
empresas “quebrem” por conta do modelo trabalhista brasileiro ou de que a
economia tenha encolhido por conta da formalização do trabalho nos limites da
CLT. Também é falso o discurso da baixa produtividade atribuindo-se essa
“fatura” à existência de um mercado de trabalho regulado, quando se sabe que
produtividade não é sinônimo de redução de custos de pessoal, mas,
fundamentalmente, de investimento em educação básica, capacitação profissional,
em rotinas de produção e em tecnologia. E, mais do que isso, resultante direta
de condições de trabalho condignas, na medida em que, inversamente, a redução
de direitos leva o trabalhador ao desestímulo e à ineficiência, jamais ao
acréscimo de produtividade.
É necessário ainda registrar que, a
rigor, o custo econômico direto do trabalho no Brasil é dos menores em
comparação com vários outros países. Tomando por base o salário mínimo (e
não é proporcionalmente distinto em outras faixas remuneratórias contratuais),
o que encontramos é a prática, no mercado de trabalho nacional, de um
salário-hora da ordem de R$ 4, enquanto, por exemplo, nos EUA paga-se pela
mesma hora mínima o equivalente a R$23,31; na Alemanha R$ 25,16; na Espanha
R$17,50; e, em Portugal, R$15,40.
Restrições de jornada e pagamento de adicionais de horas extras também
existem em outros países, inclusive com vedação de carga máxima de trabalho
anual ou trimestral. As críticas que se levantam, portanto, são impertinentes e
descabidas.
O que se pretende com o discurso de ocasião, na realidade, tirando-se
proveito da crise, é legitimar não pequenas e pontuais reformas, mas outras
cuja finalidade é colocar no centro das discussões a ideia de reduzir e
precarizar direitos como forma de atingir o coração da CLT, ou seja, o
núcleo de um instrumento normativo enraizado no sentimento e na vida de
gerações de brasileiros como um conjunto de normas que sempre presidiu a tutela
das relações de trabalho.
Importante lembrar, aliás, que a
própria Constituição de 1988 não veio para reduzir ou revisar direitos
trabalhistas, mas para reforçar a importância de garantias projetadas na
Consolidação das Leis do Trabalho, notadamente ao introduzir, no texto da Lei
Maior, o seu artigo 7º, e elevar a plano constitucional a ordem de ideias
defendidas por juristas como Americo Plá Rodriguez[1], que registrou: “O legislador não
pode mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de
trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica
desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável [já que]
o Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar as
desigualdades...” Anotação essa que se revela ainda mais importante
nos dias de hoje[2] , quando as desigualdades sociais tendem
a se tornar mais expressivas no Brasil e em todo o mundo.
O fato é que, após a promulgação da
Constituição, os direitos sociais assentaram-se com vigor incontrastável no
ordenamento jurídico nacional, lembrando José Felipe Ludur [3] as lições de Martins Catharino (“Constituição
não é programa, nem projeto e nem programa de intenções”) e de Vital
Moreira e J.J Canotilho, para quem “os direitos sociais são
autênticos direitos fundamentais dos cidadãos, a que correspondem obrigações do
Estado”.
Dessa forma, propostas como a terceirização sem limites (inclusive
mantendo a desigualdade de direitos) — à maneira do PLC 30/2015 em
tramitação no Senado —, e a prevalência (prejudicial) do negociado sobre o
legislado evidenciam inequívoca ofensa ao patrimônio histórico, cultural,
político e especialmente jurídico conquistado por nosso povo, a duras penas, e
consolidado em um repertório de garantias sociais que não podem ser
sacrificadas ou mitigadas sob o falso argumento de servirem, se reduzidos, à
solução dos problemas econômicos do Brasil.
Muito ao contrário disso é preciso alertar para o fato de que o mercado
conta, aproximadamente, com 12 milhões de trabalhadores terceirizados, contra
35 milhões de contratados diretos, sendo que a remuneração média dos
“terceirizados” fica 30% abaixo daqueles outros. Isso sem falar da preocupação
que se deveria ter com a questão da saúde e segurança laboral, já que de cada
dez acidentes de trabalho no Brasil, oito acontecem em média com empregados
terceirizados, de acordo com levantamento do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Em um panorama de aprovação do PLC
30/2015, que trata da terceirização generalizada (para atividades meio e fim),
já referido acima, a tendência é, a curto e médio prazos, que a proporção
trabalhadores diretos versusterceirizados se inverta, ou pelos
menos haja forte, ampla e majoritária migração dos contratados diretos para o
regime de terceirização. Isso sem mencionar a consequente redução sistêmica de
salários em pelo menos 30%, além do favorecimento do aumento de jornada sem
pagamento regular de horas-extras (como já ocorre hoje) e até mesmo a
quintuplicação dos acidentes laborais.
É ainda importante nesse ponto esclarecer e corrigir com veemência a
desinformação sempre repetida em matérias e informes publicitários dando conta
de que o projeto em trâmite equipara os diretos dos terceirizados aos
contratados diretamente, o que é totalmente falacioso. Ao contrário, com a
aprovação da proposta nos moldes atuais, haveria ampliação dessa desigualdade
hoje vivida pelos 12 milhões de terceirizados para um universo ainda maior de
trabalhadores.
Analisando esses fatos, firmados em números e não apenas em discurso, é
perfeitamente possível chegar-se à repercussão negativa do PLC 30/2015 na
economia na casa de bilhões de reais por ano, como decorrência da redução
global de salários circulantes, principalmente no varejo, nos pequenos núcleos
de negócios e nas pequenas e médias comunidades, sem deixar de considerar que
essa redução impactará negativamente nas contas públicas, contrariando o
discurso daqueles que defendem a reforma trabalhista nesses moldes como solução
para o crescimento econômico.
Vale lembrar também que, de 2005 a
2014 (sem considerar os precatórios), a Justiça do Trabalho pagou em todo o
Brasil, principalmente em execução, mas também por acordos, a expressiva soma
de 125 bilhões de reais aos credores, valores correspondentes a direitos não
respeitados no curso do contrato de trabalho e que foram restabelecidos[4] e voltaram a circular de forma
descentralizada no mercado consumidor.
O quadro da crise tende a se
agravar, sabendo-se que em 2015 o número de novas ações trabalhistas já subiu
de 2 milhões (média anual) para 2,6 milhões, com expectativa de que se chegue a
3 milhões, em meio tanto à crise econômica, quanto a mais grave crise
orçamentária já imposta à Justiça do Trabalho, crise construída
discriminatoriamente, por razões de ordem política, patrocinada pelo então
relator do orçamento, deputado Ricardo Barros, ao argumento de que os juízes (e
o Direito do Trabalho) são paternalistas e deveriam receber uma espécie de punição orçamentária.
Tal corte orçamentário constrange o
Poder Judiciário trabalhista e sacrifica não apenas juízes, servidores e
advogados, mas também os próprios trabalhadores e empregadores. Muitos
tribunais estão às vésperas de findar seus orçamentos (em agosto), o que merece
urgente correção jurisdicional[5], sob pena de se abrir perigoso precedente
contra a independência da magistratura e do Poder Judiciário como um todo (quais
outros órgãos judiciários mais poderiam ser “sacrificados orçamentariamente ”
em razão do que decidem?), de modo que não estariam mais a salvo de ataques
da mesma espécie nenhum outro Órgão jurisdicional, inclusive os que lidam com
crimes graves ou simplesmente decidam contra certos interesses no campo da
política.
Na verdade, os magistrados do
Trabalho têm diante de si, como sempre tiveram, uma elevada responsabilidade,
conduta essa que contraria e sempre contrariou segmentos minoritários no
Brasil. Trata-se do compromisso da Magistratura com a própria missão
institucional desse ramo Judiciário, sempre pautada no dever de decidir
conforme os princípios, a lei, a jurisprudência, a analogia, a equidade
e por normas gerais de Direito, principalmente do Direito do Trabalho e, ainda,
de acordo com os usos e costumes e o direito comparado, com prevalência do
interesse público (artigo 8º da CLT), atribuindo o mesmo Diploma
aos juízes ampla liberdade na direção do processo, sob o
compromisso de velar pelo andamento rápido das causas (artigo 765
da CLT).
Nesse contexto, dizer que juízes do Trabalho são paternalistas é um erro
primário de quem não entende o papel histórico da Justiça do Trabalho ou,
entendendo, não se identifica com a sua natureza.
E é nesse limite que se tem como de
grande importância também o livre convencimento, sobre o qual recai crítica
inimaginável atualmente, como selivre convencimento fosse
equivalente a arbítrio e não obrigatória expressão de convencimento manifestado
de forma motivada e fundamentada.
Coatar o direito de livre construção do convencimento motivado dos
juízes (especialmente de primeiro grau) seria o mesmo que amordaçá-los e
reprimir a liberdade jurisdicional dos magistrados mais próximos do
jurisdicionado, o que evidentemente não pode ser a interpretação minimamente
razoável e conforme de nenhuma norma processual, muito menos aplicável ao
processo do trabalho.
Em linhas de conclusão, parece certo
que períodos de crise e muito menos“períodos de crise econômica” não
aconselham a promoção de nenhuma reforma precarizante, especialmente quando
dizem respeito a temas que não constituem os reais motivos das dificuldades
vivenciadas pelo país. Muito ao contrário, a imensa maioria do povo brasileiro
precisa que seus direitos sejam reafirmados, dentro de um modelo que promova a
sua dignidade e segurança.
Apontar para a quebra de direitos e garantias sociais em momento como
este é oportunismo político para tirar partido da situação econômica aflitiva
e, assim, promover vantagens indevidas, para o que todos devem ficar atentos,
inclusive para endereçar as respectivas cobranças.
Nenhum modelo de crescimento pode abandonar os alicerces de um mercado
de trabalho civilizado e justo para todos ou apontar para o enfraquecimento da
Justiça do Trabalho, sendo relevante lembrar que propostas de reforma devem
observar a Constituição Federal, que prevê a construção progressiva de novos
direitos no intuito de melhorar a condição social do trabalhador e não de
reduzir as suas conquistas históricas e fundamentais.
[1] - in “Princípios de Direito do Trabalho”
– pág.30
[2] - vide THOMAS PIKETTY - “O Capital no Século XXI”
[3] - in A REALIZAÇAO DO DIREITO DO TRABALHO – 1998, Fabris Editor
[4] - Dados do http://www.tst.jus.br/documents/10157/887f0a39-0471-45da-9bd5-1fcc72ab3a
[5] - A Anamatra ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5468) para superar o entrave
[2] - vide THOMAS PIKETTY - “O Capital no Século XXI”
[3] - in A REALIZAÇAO DO DIREITO DO TRABALHO – 1998, Fabris Editor
[4] - Dados do http://www.tst.jus.br/documents/10157/887f0a39-0471-45da-9bd5-1fcc72ab3a
[5] - A Anamatra ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5468) para superar o entrave
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