CAFÉ DA MANHÃ
O hotel de Taguatinga é um grande corredor com 18 aposentos; piso de
cimento queimado; portas de alumínio; ouvimos tudo o que se passa nos quartos
vizinhos; sabem até a hora que o juiz apaga a luz ou desliga a TV; privacidade zero; hora do café da manhã; a equipe já
acordou mais cedo e foi preparar a sala no foro onde serão realizadas as
audiências; neste intervalo, tomo café-da-manhã numa das quatro mesas do
refeitório; tudo lotado; é necessário compartilhar a mesma mesa com outros
hóspedes; uns puxam conversa; prefiro dizer apenas um “bom dia”; quem está de
terno provavelmente é advogado; outros podem ser litigantes; não posso
demonstrar uma intimidade que não existe; minha imparcialidade poderia ser
injustamente questionada por quem assistisse à cena; a equipe chega para me buscar;
já no estacionamento, todos os que estavam no refeitório entram em seus
veículos e fazem o mesmo percurso em direção ao foro; um comboio de
“reclamados” e “advogados”; sentaríamos novamente à mesma mesa, agora da sala
de audiência, já constrangidos a ultrapassar aquele “bom dia” matinal para
então discutirmos as causas postas a julgamento; a partir da viagem seguinte,
quando chego ao hotel, já sou cumprimentado pelos hóspedes que agora me
conhecem; “olá doutor, fez boa viagem?”; ali convivemos muito de perto com o
nosso público; compartilhamos os mesmos obstáculos; dividimos o mesmo espaço;
aprendi naquela experiência que juiz e sociedade são entes verdadeiramente
indissociáveis;
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