TUTELAS DE URGÊNCIA E SUA
IMPUGNABILIDADE NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO
Douglas Alencar Rodrigues, Magistrado em
Brasília-DF.
Na estruturação das normas
processuais trabalhistas, o legislador conferiu especial significado aos
princípios da celeridade e economia processuais, diante da natureza alimentar
dos créditos trabalhistas, que são essenciais à subsistência do trabalhador e
de sua família. Entre as muitas disposições legais voltadas a simplificar e
acelerar os procedimentos, o legislador consolidado consagrou a regra geral de
que as decisões interlocutórias não poderiam ser alvo de ataque recursal
imediato, embora pudessem ser objeto de reexame por ocasião do recurso cabível
contra as sentenças de mérito que viessem a ser proferidas[1].
Embora algumas ressalvas a esse
postulado tenham sido inscritas na própria legislação ou consagradas na via
jurisprudencial[2], a lógica da contenção
de recursos contra decisões interlocutórias tem possibilitado o trânsito
racional e regular das ações trabalhistas, sem qualquer prejuízo ao amplo
direito de defesa.
No âmbito das chamadas tutelas de
urgência, composto pelas decisões liminares e decisões de antecipação dos
efeitos da tutela, entretanto, o debate acerca da possibilidade de impugnação
imediata das decisões judiciais assumiu outro significado.
Nesse específico universo, em que
a tutela do direito lesado ou ameaçado reclama medidas rápidas, concretas e
efetivas, o controle imediato das decisões judiciais passou a ser admitido e
efetivado por meio do mandado de segurança, remédio constitucional que compõe a
chamada jurisdição constitucional das liberdades e que possibilita a
retificação de erros e decisões judiciais arbitrárias.
No exercício de sua função de
pacificar a interpretação do direito federal no âmbito dos órgãos da jurisdição
trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 414, que foi
estruturada em três itens com os seguintes conteúdos: “I - A antecipação da
tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de
segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o
meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso. II - No caso da tutela
antecipada (ou liminar) ser concedida antes da sentença, cabe a impetração do
mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio. III - A
superveniência da sentença, nos autos originários, faz perder o objeto do
mandado de segurança que impugnava a concessão da tutela antecipada (ou
liminar).”
Com base no enunciado do item II
acima transcrito, parte da jurisprudência tem sustentado que as decisões que
denegam liminares ou pedidos de antecipação de tutela não ensejariam a
impetração do mandado de segurança, seja porque tal possibilidade foi restrita
às decisões concessivas, seja porque, de acordo com a diretriz posta na Súmula
418 daquele mesmo tribunal, “A concessão de liminar ou a homologação de
acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo
tutelável pela via do mandado de segurança.”
Sem embargo das razões que tentam
explicar essa linha de compreensão, o equívoco intelectivo parece manifesto e o
resultado que produz contraria o próprio sentido da cláusula constitucional de
amplo acesso à Justiça. Afinal, de acordo com a legislação vigente, a
possibilidade de impugnação às decisões judiciais por via recursal ou autônoma
define-se em razão da natureza das decisões proferidas, e não do conteúdo que
possam assumir. Por isso, sendo irrecorríveis as interlocutórias trabalhistas
proferidas no âmbito das tutelas de urgência, a mera possibilidade de
configuração de erro ou de arbitrariedade judicial faz impositivo o cabimento
do mandado de segurança, única via cabível para reparar eventual lesão ou
ameaça a direito líquido e certo, que pode estar configurada no âmbito da
cognição cautelar ou antecipatória de efeitos da tutela.
Caso concreto recentemente
julgado no TRT da 10a Região bem permite ilustrar esse raciocínio.
Cuidava-se de um dirigente sindical cujo contrato de trabalho fora rescindido
sem a autorização constitutiva própria de inquérito judicial. Proposta a
reclamação com os pedidos de nulidade da dispensa e de reintegração ao emprego,
além do pagamento dos salários do período de afastamento, foi indeferida a
tutela antecipada em primeiro grau, sobrevindo, contra esta decisão, a
impetração de mandado de segurança pelo trabalhador vitimado. Concedida a
liminar pelo Relator, aviou a empresa agravo regimental, o qual restou provido
pelo órgão fracionário competente, com base na interpretação literal das
Súmulas 414 e 418 do TST.
Assim, o trabalhador que havia
sido reintegrado pela decisão liminar no mandado de segurança, foi, em seguida,
novamente dispensado em razão da decisão lavrada no agravo regimental. Pouco
tempo depois foi proferida sentença na reclamação trabalhista, deferindo o
julgador os direitos reclamados pelo trabalhador...
Nesse exemplo concreto, tivesse a
tutela sido concedida em primeiro grau, o mandado de segurança, segundo a tese
fundada na exegese literal das Súmulas 414 e 418, seria admitido sem qualquer
questionamento, não prevalecendo, curiosamente, a tese de que o deferimento de
liminar estaria inscrito no livre convencimento do magistrado, não violando
direito líquido e certo, na forma da Súmula 418 do TST.
O acesso amplo e igualitário à
Justiça representa uma das mais expressivas características do Estado
democrático contemporâneo. Muito além de representar a simples possibilidade de
recorrer ao Poder Judiciário para a defesa ou salvaguarda de direito ou
pretensão contra lesão ou ameaça, também alcança a possibilidade de obtenção de
decisões substancialmente justas, bem fundamentadas e em prazo razoável.
O acesso amplo à Justiça
representa uma verdadeira “idéia-força” que tem fomentado inúmeras proposições
legislativas no curso da história recente. Antes mesmo do advento da Reforma do
Poder Judiciário, entre tantos exemplos que buscaram qualificar a ação do Poder
Judiciário brasileiro, nas perspectivas da celeridade e efetividade, a Lei
8.952, de 1994, introduziu o instituto da antecipação dos efeitos da tutela,
promovendo uma verdadeira revolução no direito processual, pois permitiu a
própria satisfação do direito, em determinadas circunstâncias, antes mesmo da
própria prolação da decisão de mérito.
No âmbito da jurisdição do
trabalho, a idéia de antecipação da tutela em situações específicas já estava
consagrada, embora com terminologia imprópria (cautelar), em situações como as
das transferências abusivas e dispensas ilegais de dirigentes sindicais (CLT,
art. 659, IX e X).
Com as medidas de antecipação dos
efeitos da tutela, inscritas nos artigos 273 e 461, ambos do CPC, a lógica do
amplo e efetivo acesso à Justiça ganhou um novo significado, na medida em que
os ônus decorrentes da chamada “demora patológica” do processo, aquela
resultante das chicanas e expedientes protelatórios, da incapacidade estrutural
do Poder Judiciário de responder em tempo razoável as demandas e mesmo do
chamado “tempo neutro” (períodos em que os autos permaneciam parados, aguardando
medidas administrativas de execução, como expedição de notificações, intimações
etc), puderam ser compartilhados equitativamente entre os litigantes.
Para além do próprio é sério
debate em torno da existência de direito subjetivo à concessão de liminar ou à
antecipação da tutela, quando preenchidos os requisitos legais, não se
tratando, portanto, de matéria afeta à faculdade do julgador, é preciso que
também sejam garantidos aos litigantes iguais oportunidades de defesa de suas
pretensões e posições jurídicas, independentemente da posição que ocupem na
relação jurídica processual, cabendo ao magistrado construir interpretações que
assegurem a realização desse ideal, sob pena de inescusável
inconstitucionalidade.
[1] “Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou
Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias
somente em recursos da decisão definitiva.” (CLT, art. 893, § 1o.).
[2] DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, nos
termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam
recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do
Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior
do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo
Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos
autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo
excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT.” (Súmula 214 do TST).
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