sexta-feira, 18 de outubro de 2013

TUTELAS DE URGÊNCIA E SUA IMPUGNABILIDADE NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - DES. DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES

O Exmo. Desembargador Douglas Alencar Rodrigues, da 10ª Região,  nos deu a honra de publicar, em primeira mão, artigo de sua autoria no qual  analisa os meios de impugnação às decisões judiciais proferidas no âmbito das chamadas tutelas de urgência, discorrendo, com especial atenção, para o real significado  que deve ser atribuído à jurisprudência sumulada do TST nesse âmbito.


TUTELAS DE URGÊNCIA E SUA IMPUGNABILIDADE NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Douglas Alencar Rodrigues, Magistrado em Brasília-DF.

Na estruturação das normas processuais trabalhistas, o legislador conferiu especial significado aos princípios da celeridade e economia processuais, diante da natureza alimentar dos créditos trabalhistas, que são essenciais à subsistência do trabalhador e de sua família. Entre as muitas disposições legais voltadas a simplificar e acelerar os procedimentos, o legislador consolidado consagrou a regra geral de que as decisões interlocutórias não poderiam ser alvo de ataque recursal imediato, embora pudessem ser objeto de reexame por ocasião do recurso cabível contra as sentenças de mérito que viessem a ser proferidas[1].  
Embora algumas ressalvas a esse postulado tenham sido inscritas na própria legislação ou consagradas na via jurisprudencial[2], a lógica da contenção de recursos contra decisões interlocutórias tem possibilitado o trânsito racional e regular das ações trabalhistas, sem qualquer prejuízo ao amplo direito de defesa. 
No âmbito das chamadas tutelas de urgência, composto pelas decisões liminares e decisões de antecipação dos efeitos da tutela, entretanto, o debate acerca da possibilidade de impugnação imediata das decisões judiciais assumiu outro significado.
Nesse específico universo, em que a tutela do direito lesado ou ameaçado reclama medidas rápidas, concretas e efetivas, o controle imediato das decisões judiciais passou a ser admitido e efetivado por meio do mandado de segurança, remédio constitucional que compõe a chamada jurisdição constitucional das liberdades e que possibilita a retificação de erros e decisões judiciais arbitrárias. 
No exercício de sua função de pacificar a interpretação do direito federal no âmbito dos órgãos da jurisdição trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 414, que foi estruturada em três itens com os seguintes conteúdos: “I - A antecipação da tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso. II - No caso da tutela antecipada (ou liminar) ser concedida antes da sentença, cabe a impetração do mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio. III - A superveniência da sentença, nos autos originários, faz perder o objeto do mandado de segurança que impugnava a concessão da tutela antecipada (ou liminar).” 
Com base no enunciado do item II acima transcrito, parte da jurisprudência tem sustentado que as decisões que denegam liminares ou pedidos de antecipação de tutela não ensejariam a impetração do mandado de segurança, seja porque tal possibilidade foi restrita às decisões concessivas, seja porque, de acordo com a diretriz posta na Súmula 418 daquele mesmo tribunal, “A concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança.”  
Sem embargo das razões que tentam explicar essa linha de compreensão, o equívoco intelectivo parece manifesto e o resultado que produz contraria o próprio sentido da cláusula constitucional de amplo acesso à Justiça. Afinal, de acordo com a legislação vigente, a possibilidade de impugnação às decisões judiciais por via recursal ou autônoma define-se em razão da natureza das decisões proferidas, e não do conteúdo que possam assumir. Por isso, sendo irrecorríveis as interlocutórias trabalhistas proferidas no âmbito das tutelas de urgência, a mera possibilidade de configuração de erro ou de arbitrariedade judicial faz impositivo o cabimento do mandado de segurança, única via cabível para reparar eventual lesão ou ameaça a direito líquido e certo, que pode estar configurada no âmbito da cognição cautelar ou antecipatória de efeitos da tutela. 
Caso concreto recentemente julgado no TRT da 10a Região bem permite ilustrar esse raciocínio. Cuidava-se de um dirigente sindical cujo contrato de trabalho fora rescindido sem a autorização constitutiva própria de inquérito judicial. Proposta a reclamação com os pedidos de nulidade da dispensa e de reintegração ao emprego, além do pagamento dos salários do período de afastamento, foi indeferida a tutela antecipada em primeiro grau, sobrevindo, contra esta decisão, a impetração de mandado de segurança pelo trabalhador vitimado. Concedida a liminar pelo Relator, aviou a empresa agravo regimental, o qual restou provido pelo órgão fracionário competente, com base na interpretação literal das Súmulas 414 e 418 do TST.  
Assim, o trabalhador que havia sido reintegrado pela decisão liminar no mandado de segurança, foi, em seguida, novamente dispensado em razão da decisão lavrada no agravo regimental. Pouco tempo depois foi proferida sentença na reclamação trabalhista, deferindo o julgador os direitos reclamados pelo trabalhador...  
Nesse exemplo concreto, tivesse a tutela sido concedida em primeiro grau, o mandado de segurança, segundo a tese fundada na exegese literal das Súmulas 414 e 418, seria admitido sem qualquer questionamento, não prevalecendo, curiosamente, a tese de que o deferimento de liminar estaria inscrito no livre convencimento do magistrado, não violando direito líquido e certo, na forma da Súmula 418 do TST. 
O acesso amplo e igualitário à Justiça representa uma das mais expressivas características do Estado democrático contemporâneo. Muito além de representar a simples possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário para a defesa ou salvaguarda de direito ou pretensão contra lesão ou ameaça, também alcança a possibilidade de obtenção de decisões substancialmente justas, bem fundamentadas e em prazo razoável.
O acesso amplo à Justiça representa uma verdadeira “idéia-força” que tem fomentado inúmeras proposições legislativas no curso da história recente. Antes mesmo do advento da Reforma do Poder Judiciário, entre tantos exemplos que buscaram qualificar a ação do Poder Judiciário brasileiro, nas perspectivas da celeridade e efetividade, a Lei 8.952, de 1994, introduziu o instituto da antecipação dos efeitos da tutela, promovendo uma verdadeira revolução no direito processual, pois permitiu a própria satisfação do direito, em determinadas circunstâncias, antes mesmo da própria prolação da decisão de mérito.  
No âmbito da jurisdição do trabalho, a idéia de antecipação da tutela em situações específicas já estava consagrada, embora com terminologia imprópria (cautelar), em situações como as das transferências abusivas e dispensas ilegais de dirigentes sindicais (CLT, art. 659, IX e X). 
Com as medidas de antecipação dos efeitos da tutela, inscritas nos artigos 273 e 461, ambos do CPC, a lógica do amplo e efetivo acesso à Justiça ganhou um novo significado, na medida em que os ônus decorrentes da chamada “demora patológica” do processo, aquela resultante das chicanas e expedientes protelatórios, da incapacidade estrutural do Poder Judiciário de responder em tempo razoável as demandas e mesmo do chamado “tempo neutro” (períodos em que os autos permaneciam parados, aguardando medidas administrativas de execução, como expedição de notificações, intimações etc), puderam ser compartilhados equitativamente entre os litigantes.  
Para além do próprio é sério debate em torno da existência de direito subjetivo à concessão de liminar ou à antecipação da tutela, quando preenchidos os requisitos legais, não se tratando, portanto, de matéria afeta à faculdade do julgador, é preciso que também sejam garantidos aos litigantes iguais oportunidades de defesa de suas pretensões e posições jurídicas, independentemente da posição que ocupem na relação jurídica processual, cabendo ao magistrado construir interpretações que assegurem a realização desse ideal, sob pena de inescusável inconstitucionalidade.

[1] “Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.” (CLT, art. 893, § 1o.).

[2] DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT.(Súmula 214 do TST).


O artigo está publicado na página: ARTIGOS

Nenhum comentário:

Postar um comentário