NOTA
PÚBLICA
Relativamente às diversas
manifestações críticas dirigidas às propostas de veto encabeçadas pelas três
associações nacionais de Magistrados para alguns artigos do Novo Código de
Processo Civil (NCPC), todas elas publicadas no sítio eletrônico do CONJUR e em
outros órgãos de comunicação social, a Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho - ANAMATRA vem a público externar o seguinte.
1. Diversamente do que – até
levianamente – afirmaram alguns poucos dentre os muitos juristas ouvidos, os
vetos propostos não têm por finalidade "diminuir o trabalho dos juízes", mas
preservar-lhes a independência funcional e assegurar mínima concretude a um dos
princípios norteadores do NCPC e de todos os Pactos Republicanos para o
Judiciário até aqui: a duração razoável do processo. Embora esperado o ataque de
setores da advocacia, lamentavelmente ele veio antes mesmo de serem conhecidas
as razões alinhavadas por ANAMATRA, AMB e AJUFE. Preferiu-se, pois, o julgamento
às cegas.
2. No centro da polêmica, os
vetos propostos aos parágrafos do artigo 489 do NCPC guiaram-se por uma lógica
jurídica comezinha: o legislador não pode restringir desarrazoadamente o
conceito constitucional de fundamentação (art. 93/CF), como tampouco pode
obliquamente tornar "vinculantes" súmulas, teses e orientações jurisprudenciais
que constitucionalmente não o sejam. O mesmo se aplica ao artigo 927.
3. Com efeito, os parágrafos 2º e
3º do artigo 489 e os incisos III, IV e V e parágrafo 1º do artigo 927 do NCPC
exorbitam do poder de conformação legislativa do Parlamento, na medida em que
terão impactos severos, de forma negativa, na gestão do acervo de processos, na
independência pessoal e funcional dos juízes e na própria produção de decisões
judiciais em todas as esferas do país, com repercussão deletéria na razoável
duração dos feitos (artigo 5º, LXXVIII, da CRFB), que é reconhecidamente o
Leitmotiv e um dos alicerces centrais do novo Código.
4. À vista dos termos do artigo
93, IX, da Constituição da República, o legislador entendeu por bem
“regulamentar” a matéria em questão, contrariando a tradição secular do processo
civil brasileiro — que jamais se viu “condicionado” pelo legislador quanto
àquilo que seria ou não uma fundamentação sentencial suficiente —, para agora,
em pleno século XXI, tolher a construção dos tribunais e estatuir ele próprio,
Poder Legislativo, quais as hipóteses em que os tribunais devem considerar as
decisões “não fundamentadas” (e, portanto, nulas de pleno direito, aos olhos da
Constituição).
5. Ao fazê-lo, o Congresso
Nacional retira do Poder Judiciário a plena autonomia para a interpretação do
artigo 93, IX, CRFB, travestindo-se em “intérprete autêntico” de uma cláusula
constitucional de garantia que foi ditada pelo poder constituinte originário, o
que chama a atenção por afrontar a própria separação harmônica entre os Poderes
da República (artigo 2º da CRFB). O Poder Legislativo não pode ditar ao Poder
Judiciário como deve interpretar a Constituição. Esse papel cabe sumamente ao
próprio Judiciário; e, em derradeira instância, ao Supremo Tribunal Federal,
guardião constitucional da Carta Maior (artigo 102 da CRFB). O inciso IX do
artigo 93/CF jamais encerrou norma jurídica de eficácia limitada ou contida, mas
indubitável norma jurídica de eficácia plena, que agora perde plenitude por uma
interpretação legislativa enviesada.
6. Não bastasse, onde regulamenta
impropriamente, o Congresso Nacional regulamentou de modo írrito, violando
outras tantas cláusulas constitucionais. Cite-se como exemplo o inciso IV do
parágrafo 1º do artigo 486 (“não enfrentar todos os argumentos deduzidos no
processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”), que
enuncia uma utopia totalitária. Esperar que o juiz – em tempos de peticionamento
eletrônico e dos impressionantes “ctrl C” e “ctrl V” – refute um a um todos os
argumentos da petição inicial, da contestação e das várias peças recursais,
ainda quando sejam argumentos de caráter sucessivo ou mesmo contraditórios entre
si (porque será possível tê-los, p.ex., no âmbito das respostas processuais, à
vista do princípio da eventualidade da defesa), tendo o juiz caminhado por uma
linha lógica de decisão que obviamente exclui os outros argumentos, é exigir do
agente público sobretrabalho inútil e violar obliquamente o princípio da duração
razoável do processo.
7. De outra parte, quanto aos
incisos V e VI do parágrafo único do mesmo artigo 489, diga-se da sua quase
esquizofrenia. Por tais preceitos, será nula a sentença que “se limitar a
invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos”; logo, o juiz não pode simplesmente aplicar a súmula de
jurisprudência a caso que evidentemente se subsuma a ela, devendo “identificar”
(enaltecer?) seus fundamentos determinantes. Mas não é só. Assim como não pode
“simplesmente” decidir com base em súmula de jurisprudência de tribunais
superiores, também não pode deixar de decidir conforme essa mesma súmula (o que
denota, no limite, um tratamento esquizoide da matéria), porque também será nula
a sentença que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso
em julgamento ou a superação do entendimento”. No limite, restará ao juiz
reproduzir súmulas e enaltecê-las --- conquanto não sejam constitucionalmente
vinculantes.
8. Essas e outras “inovações”,
impostas a fórceps, de uma só canetada, a toda a Magistratura nacional, sem o
necessário amadurecimento de mecanismos de democratização dos procedimentos de
uniformização de jurisprudência no âmbito dos tribunais superiores, regionais e
estaduais, não colhem a simpatia da Magistratura do Trabalho, como tampouco
deveriam colhê-la de qualquer cidadão minimamente cônscio das necessárias
aptidões democráticas do Poder Judiciário. Por isso, e apenas por isso, a
ANAMATRA pediu --- e segue pedindo --- o veto aos referidos preceitos do NCPC,
já amplamente conhecido como o “Código dos advogados”. Que diga, agora, a
Presidência da República.
Paulo Luiz Schmidt
Presidente
da ANAMATRA
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário