A Contabilidade Judicial Daquilo
que o Dinheiro Não Compra
Rodrigo
Trindade & Daniel Nonohay 1
Na
última cena do filme Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood, um velho pistoleiro
pisa em cima do xerife, um homem honesto, de uma cidade antes pacata, que
lamenta não ser aquilo justo. O pistoleiro redarguiu que justiça não tem nada a
ver com aquilo.
Há
poucos dias, esta tomada foi reencenada. Em outro tempo. Em outro cenário. Com
outras palavras. O terno substituiu o colete de couro. A gravata substituiu o
lenço. A palavra substituiu o revólver.
Em
um inflamado pronunciamento na Câmara, certo deputado gritou à extinção da
Justiça do Trabalho. A fim de justificar a sua posição, utilizou o argumento
“definitivo”, o contábil: se ela possui custo de funcionamento maior do que os
valores distribuídos aos reclamantes, seria mais fácil passar o dinheiro direto
para os próprios trabalhadores.
A
verdade dos simplórios; como são fáceis as soluções que propõem.
Resumir
jurisdição em termos financeiros é uma tripla incoerência: histórica, política
e social.
Seguindo
a lógica do deputado, o monopólio estatal de jurisdição nos conflitos do
trabalho deve seguir o caminho do diabo da Tasmânia, a extinção. Não que a
Teoria do Estado tenha mudado, mas porque a matemática que costumamos aprender
com a alfabetização serve melhor. E, mantendo-se as fantasias da mesma
infância, os conflitos entre capital e trabalho também desmoronariam junto à
demolição do último dos fóruns trabalhistas.
Como
lembra o juiz Jorge Araújo, quem afirma que extinguir a JT vai acabar com os
conflitos trabalhistas, está raciocinando como o marido traído que resolveu
vender o sofá no qual ocorreu a traição. O mesmo magistrado pergunta-se se,
antes de embarcar em uma cruzada contra uma Justiça que aplica a ideia de
desigualdade econômica das partes, não seria melhor refletir sobre práticas empresariais
que corroboram estado de coisas que produz tantas demandas judiciais (http://direitoetrabalho.com/2016/08/e-se-justica-do-trabalho-acabar-2/).
O
monopólio da jurisdição é uma das maiores conquistas da humanidade, responsável
pelo afastamento das ordens decisórias privadas e semi-estatais (senhor feudal,
Igreja, Corporações de Ofício). Hoje, O Poder Judiciário é a maior, senão o
único, abrigo que se interpõe entre o poder do capital ou do Estado e o
cidadão, esteja este no papel de trabalhador, de consumidor, de alguém que
necessita o acesso a um tratamento médico, entre outras muitas hipóteses.
Processo
judicial? Ampla defesa? Análise do justo? Todos luxos desnecessários.
Mas,
e a matemática? Voltemos a ela.
Vamos
perguntar às crianças com infâncias abreviadas nas carvoarias de Mato Grosso
quanto elas acham que deve custar impedir, reprovar e condenar exploração de
trabalho infantil.
Vamos
perguntar aos escravos contemporâneos das confecções terceirizadas de São Paulo
qual valor que acham que deve ser investido no resgate de suas famílias da
escravidão.
Vamos
perguntar aos mutilados das indústrias moveleiras do sul do Brasil quanto eles
acreditam que o Estado deveria ter gasto para evitar o corte da sua mão.
A
Justiça não é uma empresa. Não estamos falando de serviços empresariais;
tratamos aqui de pessoas e valores de convivência, como polícia, vacinação
pública, assistência a menores abandonados.
Não
há sociedade organizada sem jurisdição. Assim como não há democracia sem
políticos. Se a moda do pensamento meramente contábil pegar, seria bastante
justo perguntar quanto o Parlamento custa aos contribuintes e quanto retorna
aos cofres da União. Esta conta fica no azul?
Podíamos
parar por aqui. O texto já está longo. Não podemos deixar de mostrar, contudo,
que nem na matemática o discurso economicista passa. Os cálculos a seguir não
são tão simplórios quanto o parlamentar, ou melhor, quanto os do parlamentar,
mas acreditamos que dê para acompanhar.
Receitas
da Justiça do Trabalho:
Recolhimentos
Valor R$
Custas
400.781.600,56
Emolumentos
11.002.870,24
Créditos
previdenciários 2.014.614.050,78
Imposto
de renda 356.367932,67
Multas
20.629.660,00
Recolhimentos
sobre a própria folha de pagamento 2.100.000.000,00 (aproximado)
Total
arrecadado à União 4.803.394.994,97
Custo
contábil da Justiça do Trabalho:
Executado
R$ 17.167.341.575,61
Recolhido
R$ 4.803.394.994,97
Diferença
R$ 12.363.946.580,64
Valores
pagos aos reclamantes em 2015: R$ 17.445.000.000,00
É
interessante notar que esses R$ 17 bilhões consideram, apenas, os pedidos
julgados procedentes
e com conteúdo econômico. Ou seja, desconsidera todas
as postulações improcedentes e que são a maior parte dos apreciados pela
Justiça do Trabalho.
Também,
e mais importante, não “entram na conta” as ações sem conteúdo econômico e que
visam, por exemplo, à salvaguarda dos direitos de menores e incapazes, à
promoção a segurança do trabalho, ao impedimento do trabalho escravo, à
garantia dos direitos sindicais, entre outras.
A
contabilidade criativa do nobre deputado, ao querer matar a Justiça,
desconsidera todas as demandas que envolvam essa espécie de direito. Nada mais
normal, conclui-se, considerando-se a fonte de onde provêm a proposta,
Podemos,
ainda, propor uma matemática “menos simples”:
Eficácia
da Justiça do Trabalho – ano de 2015:
-
R$ 17.445.000.000,00 (pago aos trabalhadores)
-
R$ 4.803.394.994,97 (pago à União)
Total
de recolhimentos: R$ 22.248.394.994,97
Custo
da Justiça do Trabalho: R$ 17.167.341.575,61
Diferença
entre recolhimentos e custo = R$ 5.081.053.419,36.
Sim,
a Justiça do Trabalho “dá um lucro" à sociedade brasileira de mais de R$ 5
bilhões por ano, afora a promoção daqueles direitos que não podem ser
quantificados economicamente e afora todos os pedidos que não acolheu, mas
onde, igualmente, resolveu a lide entre as partes.
Sabemos
que é duro de admitir, deputado, mas essa é verdade.
Ao
final, devemos deixar claro que a reconstituição completa dos números é
importante, mas o argumento contábil é míope. Deve ser utilizado, no máximo, de
forma subsidiária. A importância da Justiça do Trabalho não se presta à
quantificação por meio de planilha. Ela é medida pela influência da qualidade
de vida dos cidadãos e da estabilidade decorrentes da efetivação do direito
social. O discurso utilitarista-economicista pode servir para definir rotinas
de produção de parafusos e hambúrgueres, mas é absolutamente inadequado para
medir a distribuição de justiça e a garantia de patamares civilizatórios.
1
Juízes do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Presidente e
diretor da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região
(AMATRA IV).
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