Vadia?
Eu? O que você faz tem nome e se chama "slutshaming"
Não sei se você gosta daquilo que denominamos palavrão ou, ainda, palavras de baixo calão. Embora pertençamos a uma cultura informal, possivelmente você veja como inadequado o uso de certas expressões em alguns ambientes, como o profissional. Ou, ainda que não seja o caso, você certamente não as dirigiria a alguém a quem respeita ou a alguém de quem gosta, não é? Ao menos, não falando sério. Por que, então, você segue me chamando de puta?
Particularmente,
não me incomodo com a expressão em si. Não há desvalor em ser profissional do
sexo propriamente dita, como não haveria em exercer nenhuma outra atividade.
Mas não é disso que se trata. Quando você me nomina puta, nada está dizendo
sobre a minha profissão. Está, sim, querendo dizer que pertenço a uma suposta
subcategoria das mulheres sem valor e que, assim sendo, não mereço ser
respeitada. Por isso, a expressão pode variar e ser outra. Posso ser vaca,
vadia, vagabunda, e o que mais a sua imaginação permitir.
E
não sou apenas eu. Somos todas. Somos a moça que traiu o namorado. A atriz que
foi no protesto político. A Presidenta da República que não pôde governar. A
vizinha que não te deu bola. A mãe que amamentou em público. A militante que
fez um discurso. A chefe que deu bronca. A atleta que não foi classificada. Em
todas as combinações e circunstâncias possíveis, havendo ou não relação com a
conduta sexual das envolvidas.
E
não sou apenas eu. Somos todas. Somos a moça que traiu o namorado. A atriz que
foi no protesto político. A Presidenta da República que não pôde governar.
Existe
um nome para a sua postura. O que você faz denomina-se slut shaming, uma
expressão de origem desconhecida cujo sentido aproxima-se de constranger uma
mulher ao qualificá-la de vadia ou congênere. E a mulher, isolada, desespera-se
ao ser assim taxada. E é dessa forma que você a controla. Controla o seu corpo,
sua roupa, sua voz, suas escolhas, seu desejo.
E
então a mulher tolhida caminha segura pelo mundo, sentindo-se absolvida pelo
tribunal do patriarcado. E para que não restem dúvidas de que ao subgrupo
indesejado ela não pertence, a mulher tolhida olha para a mulher livre e diz
ainda mais alto: “puta”. E assim obtém o seu sorriso de satisfação e a sua
anuência. Afinal, para você, nada melhor que estejamos em disputa e que sejamos
uma a algoz da outra. Mas um dia a mulher tolhida fará algo de que você não
gosta. E então, sem pestanejar, será proferida a sentença: “vadia”. E ela
restará ferida e sozinha.
Coexistindo
em sororidade, não somos tolhidas e não estamos sozinhas [1]. Juntas, é
possível redefinir nosso lugar no mundo e até mesmo a visão do mundo sobre nós.
O movimento “Marcha das Vadias”, por exemplo, surgiu no Canadá (lá batizado de
Slutwalk), em 2011, justamente após um policial ter afirmado, de forma infeliz,
que “as mulheres deveriam evitar se vestir como vadias, para não serem vítimas
de ataque”. A palavra vadia, assim, foi ressignificada pelas mulheres do
movimento, que adotaram como lema o mote “se ser livre é ser vadia, então somos
todas vadias”.
Mas
não há regras estabelecidas para a luta feminista. Podemos apropriar-nos das
suas expressões ou combatê-las. Podemos querer ser putas e vadias ou podemos
não querer. Podemos marchar, escrever textos, ocupar espaços, vestir o que
quisermos e amar sem temer. A decisão é nossa e será tomada em sororidade. O
seu olhar sobre nós não nos interessa e só espelha a sua própria pequenez.
Laura
Rodrigues Benda foi Juíza do Trabalho do TRT da 15ª Região e atualmente é Juíza
do Trabalho do TRT da 2ª Região. É diretora de assuntos legislativos e
institucionais da AMATRA 2 (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho
da 2ª Região - biênio 2016/2018) e membra da AJD (Associação Juízes para a
Democracia). Gosta de política, de cinema e de gastronomia. Acredita que a luta
é coletiva e que o amor é revolucionário.
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