Ativismo
judicial: esse bicho morde?
A
Magistratura precisa do ser humano? Ou, mais, ela deve precisar?
Guilherme
Guimarães Feliciano
17 de
Fevereiro de 2017 - 20h15
Na quinta-feira (16/02) realizou-se na Câmara dos Deputados a
primeira audiência pública acerca do PL n. 6.787/2016, que trata da reforma
trabalhista (já examinamos algo dela nesta coluna: “‘Novidades’ da Reforma Trabalhista”). Na presença do relator,
o Deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), o Presidente do Tribunal Superior do
Trabalho, Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, criticou acidamente a
jurisprudência “insegura” da Justiça do Trabalho, às raias da inconsequência, e
enalteceu a importância do projeto, apto, segundo S.Ex.ª, a reduzir os excessos
de “ativismo judicial”. Encerrou sintetizando o seu pensamento com a seguinte
frase: “Para um Brasil maior, um Estado
menor”. Noutra ocasião, o
Presidente do TST já havia dito, a respeito da corrente que congrega
magistrados críticos à reforma trabalhista, que “o juiz tem de ter o juízo da
consequência”; e que, sendo “ativista” – “tem muitos colegas meus que entendem
que a Justiça tem de resolver todos os problemas” −, o juiz “acaba mais
desestruturando a economia do que ajudando”.
Mas afinal, o que é esse tal de “ativismo judicial”, caro
leitor? Ele é realmente uma distorção do sistema? Um mal necessário? Ou
necessariamente um mal? Morde ou engorda?
Vamos por partes.
Leia Tudo na página: "ARTIGOS"
http://amatra10.blogspot.com.br/p/artigos.html
(...)
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Como dissemos outrora, já não se pode mais interpretar a
Constituição pelas lentes míopes das leis, como se o legislador fosse o único
intérprete autorizado do texto constitucional. Manda a boa hermenêutica
contemporânea que se interpretem as leis conforme a Constituição; não o
contrário. Eis aqui, afinal, o princípio
da supremacia da Constituição, tão referido e enaltecido desde 1803, com a
conhecida sentença do juiz MARSHALL no caso Marbury x Madison. Se a lei é
contrária à Constituição, deve ser expungida do sistema; e, se a lei admite
variadas interpretações, deve-se optar pela interpretação mais consentânea com
a vontade da Constituição; se a lei é lacunosa, enfim, deve-se completá-la com
os princípios constitucionais. Não por outra razão, aliás, todo juiz, quando
toma posse de seu cargo, jura cumprir a Constituição
e as leis. Não será à toa a precedência da lei maior…
Isso tudo é “ativismo”? Não sei. Depende do que se entenda por
ativismo. Se for, o Supremo Tribunal Federal é quem mais o pratica: basta ver
suas decisões em tema de aborto de feto anencefálico (STF, ADPF n. 54/DF),
delimitação de terras indígenas (STF, Petição n. 3.388/RR), experimentação com
células-tronco embrionárias (STF, ADI n. 3510/DF), uso de algemas (STF, Súmula Vinculante n. 11), união
homoaetiva (STF, ADI n. 4277/DF, ADPF n.132/DF), aviso prévio proporcional
(STF, MI ns. 943, 1010, 1074 e 1090 − essas interrompidas pela edição da Lei n.
12.506/2011) etc. Tudo a partir do texto constitucional, “completando” ou mesmo
“corrigindo” os textos legais. Anda mal? Penso que não.
A decisão judicial não se calcula, prolata-se. Talvez se
aproxime mais de um poema, em que se busca a melhor harmonia entre a linguagem
e o sentimento profundo que se quer expressar, do que de uma equação
aritmética, que tende a ser tão exata quanto fria. A sentença judicial exige,
por evidente, imenso domínio técnico dos pressupostos do sistema jurídico e de
todos os seus instrumentos de decisão (princípios, regras, institutos); mas
também exige elevada sensibilidade. E o que o Magistrado tem a oferecer, como
ser humano que é, é sobretudo a sua sensibilidade. O compêndio objetivo da
totalidade das informações do direito objetivo e de todas as suas combinações
possíveis poderão ser um dia – se é que já não são – operados a partir de um software. Não estamos realmente longe disto. Então, a verdadeira pergunta a
se fazer é: a Magistratura precisa do ser
humano? Ou, mais, ela deve precisar?
(...)
Guilherme
Guimarães Feliciano - Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté,
é professor associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade
Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito
Penal pela USP e em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Livre-docente em Direito do Trabalho pela USP,
diluvius@icloud.com
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