TOP FIVE: AS PÉROLAS DA REFORMA TRABALHISTA
Rodrigo Trindade*
Nos
últimos meses, dezenas de artigos vêm sendo escritos relatando os tantos
problemas da Lei 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista.
Impertinências, inconstitucionalidades, inconvencionalidades, ilegalidades e
toda sorte de subversões jurídicas e econômicas são indicadas e esmiuçadas.
Além de
trazer grotescas construções jurídicas (que vão da perda de autonomia
científica do Direito do Trabalho ao brutal tarifamento da dor a partir do
salário – e em valores ridículos), a atecnia de diversos dispositivos dói. E
machuca mesmo aqueles que podem escarafunchar algum valor positivo no conteúdo.
Entre redundâncias, contradições e desconhecimento de conceitos jurídicos
elementares, selecionei cinco pérolas. Vamos a elas e – por enquanto – são
apenas as de direito material.
Vão na
ordem em que foram cometidas publicadas.
Art. 2º,
§ 3º. Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo
necessárias, para configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado,
a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas nele
integrantes.
Nesse
parágrafo do art. 2º, a alteração na disciplina do conceito trabalhista de
grupo econômico serve a simples dificuldade de sua comprovação. Em suma, retira
a presunção de que duas empresas com mesmos sócios e idêntica atividade formam
grupo econômico. O empregado reclamante passa a ter ônus processual de –
sabe-se lá como – também demonstrar atuação mercadológica conjunta das
empresas.
Qual
seria a diferença entre “interesse integrado” e “efetiva comunhão de
interesses”? O dispositivo legal indica as expressões como requisitos
diferentes, apesar dos significados de dicionários não oferecem resultados
minimamente divergentes. Se o interesse entre as empresas é integrado
(compartilhado), efetiva-se a comunhão de interesses. E se há comunhão
(efetiva) de interesses, ambas integram-se em seus objetivos. Parece claro
mesmo a quem nunca pisou em Faculdade de Direito.
Ou talvez
não precisemos quebrar a cabeça e o objetivo deva ser esse mesmo: criar dúvidas
e ônus impossível ao trabalhador litigante para, finalmente, esvaziar o
instituto e as chances de cobrar o devido.
Art.
59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às
partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo
coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas
por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os
intervalos para repouso e alimentação.
A
Constituição Federal (sim, ela ainda está vigente), estabelece jornada máxima
de 8 horas, mas excetua possibilidade de compensação e redução mediante
negociação coletiva. O novo dispositivo celetista alarga a hipótese de fuga do
módulo constitucional e permite também por acordo individual escrito.
Apesar da
inconstitucionalidade evidente, chama atenção a falta de cuidado com a
expressão “observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação”.
Em suma, quer-se permitir que haja trabalho por 12 horas seguidas, com 36
subsequentes de descanso, mas os intervalos podem ser indenizados.
Os
períodos de descanso são relacionados entre os arts. 66 e 72 da CLT. Nos arts.
66 e 70 estão os intervalos entre as jornadas: 11 horas entre cada dia de
trabalho e 24 horas uma vez por semana. Os intervalos intrajornada estão nos
arts. 71 e 72 e o mais comum é a hora de almoço para quem tem jornada superior
a 6 horas.
O art.
59-A não faz qualquer diferenciação de intervalos e, ainda por cima, permite
que sejam ordinariamente indenizados. Ou seja, pela literalidade e
indefinidamente, pode-se trabalhar 12 horas seguidas, sem comer, sem descansar,
bastando pagamento como hora extra. E, pior, também se poderia exigir o período
subsequente de descanso (as 11 horas diárias ou 24 semanais) como trabalho em horas
extras, desde que indenizado. Ou há equívoco grotesco ou patrão logo voltará a
ser chamado de feitor e seu gerente, de capitão do mato.
443. O
contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente,
verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para
prestação de trabalho intermitente.
Trabalho
intermitente (ou zero hora) é o do salário surpresinha: o funcionário não sabe
nem quando, nem quantas vezes será chamado. E para ser mais preciso, não sabe
nem se algum dia será. O resultado é que também não tem a mínima ideia de
quanto será o salário no final do mês porque o Kinder Ovo pode vir com qualquer
valor, inclusive nenhum.
Regras de
condução do novo pacto vem no art. 452-A e a catástrofe podia ter parado ali.
Mas resolveram injetá-lo também no art. 443, o qual fixa regra geral
trabalhista para forma constitutiva do contrato e modo temporal de vigência. Na
sistematicidade da CLT, o dispositivo foi pensado para referir, de forma ampla,
que contrato de emprego independe de formalidades e pode ter prazo
indeterminado ou determinado. Nos artigos que seguem, estabelecem-se condições
de ocorrência e suas exceções.
A nova
redação acrescentou no final “ou para prestação de trabalho intermitente”. Ou
seja, de um lado, o coloca como exceção às formas tácita ou expressa, verbal ou
por escrito. De outro, também faz com que seja exceção ao prazo determinado ou
indeterminado. O problema é que o contrato de trabalho intermitente não faz
exceção a nada disso.
A nova
modalidade contratual estabelece modelo diferenciado de módulo de cálculo
salarial e de contagem de jornada, subvertendo a concepção de tempo à
disposição. Há rompimento do conceito de comutatividade contratual, o período
de espera ao acionamento não é remunerado e o salário guarda exata proporção
com as exatas horas trabalhadas.
Contrato
intermitente não é exceção para contrato escrito, ao contrário, a forma escrita
é obrigatória, conforme art. 452-A, caput.
E se ele
não pode ser nem a prazo determinado, nem indeterminado vai ser o quê? Prazo
aleatório, metafísico, sabor baunilha?
Art. 457,
§ 1º. Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais
e as comissões pagas pelo empregador.
O
objetivo do dispositivo é solar: limitar o rol de parcelas salariais,
permitindo pagamento de verbas mascaradas. Com isso, frauda-se o efeito
expansionista circular do salário, a garantia de integração no complexo
salarial e a salvaguarda de irredutibilidade de rendimentos. De brinde,
ultrapassa catástrofe trabalhista e alcança também a previdenciária.
Lembra a
brincadeira do “subir pra cima e descer pra baixo”? Também é de redundância que
trata o dispositivo. Comissão é modalidade de salário calculado por unidade de
obra. Não há salário que não seja pago pelo empregador, de modo que toda
comissão é alcançada pelo empregador. Simplesmente, não existe comissão paga
por outro ente que não seja o empregador. É feio repetir “empregador” três
vezes na mesma frase, mas é para ficar claro.
Há
parcelas remuneratórias (ou seja, não meramente salariais) variáveis pagas no
curso do contrato de emprego. Gorjetas, gueltas (e suas equivalentes, como
pontos hoteleiros, e retorno financeiro) são alcançadas ou por clientes do
empregador ou seus parceiros comerciais e, portanto, não se confundem com
comissão. Mas só sabe isso quem não faltou à disciplina de Direito do Trabalho
na Faculdade.
Art. 461,
§ 5º. A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos
no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda
que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria.
O art.
461 estabelece para o instituto trabalhista da equiparação salarial as
condições restritivas de aplicação da ampla regra constitucional impeditiva de
discriminação salarial (art. 7º, XXX). Essencialmente, a lei serve para
estabelecer critérios não fixados na Constituição.
Outras
regras para equiparação são estabelecidas pela jurisprudência, notadamente com
a extensa Súmula n. 6 do TST, a qual em seu inciso VI explica efeitos para a
chamada “equiparação em cadeia”. Em resumo, com exceções expressas, comina de
irrelevante a circunstância da diferença salarial com o paradigma ter origem em
decisão judicial que o beneficiou. Ou seja, o colega paradigma pode ter salário
maior que o reclamante em razão de decisão judicial benéfica, mas isso – de
regra – não impede a equiparação. O paradigma do reclamante é chamado de
paradigma próximo e o antigo paradigma do agora paradigma próximo recebe o
apelido de paradigma remoto.
O
reclamante jamais indica paradigma remoto porque, afinal, o que a lei e a
súmula apenas admitem é a equiparação com o paradigma próximo, jamais com o
remoto. E não faria o menor sentido indicar, pois condições pessoais do
paradigma remoto servem de impedimento ao pedido de equiparação. É a empresa
demandada quem apresenta circunstâncias especiais do paradigma remoto como
razão impeditiva ao pleito.
Como no
restante da lei, o novo dispositivo pretende fixar novo impedimento para
equiparação, extirpando a equiparação em cadeia. Mas parece não compreender o
mecanismo, pois impede a indicação de paradigma remoto. Se o reclamante quer
êxito no pleito de equiparação, não tem porque indicar paradigma remoto e pelo
jeito, agora também o réu não pode para fazer sua defesa.
Foram só
cinco as pérolas, mas são tantas, que dava um colar de algumas voltas. E nada
elegante.
*Presidente
da AMATRA IV – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região
(Rio Grande do Sul).
Nenhum comentário:
Postar um comentário