Publicado
no blog do Fred
Sob o
título “Remuneração da Magistratura e os descompromissos da República“, o
artigo a seguir é de autoria de Paulo Luiz Schmidt, ex-presidente da Anamatra –
Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho. (*)
***
Está
aceso na sociedade o debate sobre a ajuda de custo para moradia dos juízes e
membros do Ministério Público, em boa medida por estímulo da mídia, que parece
ter algum interesse inconfessado quando se trata da Magistratura. Embora o
debate seja intenso, ele se mostra superficial, desfocado e nem mesmo tangencia
as razões do “estado de coisas” que vivemos.
Previsto
na Emenda Constitucional nº 19/1998, o regime de subsídios em parcela única
para o Poder Judiciário somente veio à luz em 2005, com a fixação do subsídio
de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pela Lei nº 11.143, de
26/07/2005.
Embora
fosse um regime inadequado para cargos em carreira, o apoio da Magistratura,
especialmente da União, à implementação do subsídio, tinha algumas razões
fundamentais: a transparência e a uniformização remuneratória dos juízes dos
diversos segmentos e as garantias da revisão anual do seu valor – por
imperativo constitucional (art. 37, inc. X, da Constituição Federal) – e a
promessa de reestruturação da carreira.
O
subsídio em parcela única, com as suas vantagens e desvantagens, é próprio para
remunerar membros de poder que têm, na transitoriedade do cargo, o seu traço
principal, a exemplo de chefes do Poder Executivo, deputados e senadores. Para
eles, não há carreira. Cada mandato eletivo, um novo cargo.
Mas, para
a Magistratura e para o Ministério Público – cuja peculiaridade das carreiras,
por exemplo, não admite o desempenho de outra função, além de uma de magistério
– o regime é equívoco que precisa ser corrigido. Não fosse suficiente, nem
mesmo a revisão anual constitucionalmente prevista vem sendo cumprida, pois,
quando alguma reposição houve, ficou abaixo da inflação.
Da
inadequação do regime de subsídio para a magistratura decorre a perda do
sentido de carreira para o juiz, pois não valoriza a experiência e nem o tempo
dedicado à atividade judicante.
Os
reflexos disto assistimos todos os dias: juízes desestimulados, outros que
partem para atividades profissionais mais atraentes, muitos pedidos de
aposentadoria precoces, candidatos aprovados optando por não tomar posse, sem
contar os milhares de cargos vagos que os tribunais não conseguem preencher,
porque os mais qualificados buscam e encontram outras ocupações mais atrativas.
Neste
ponto, uma alternativa objetiva e transparente seria o restabelecimento da
parcela de valorização do tempo de magistratura (também conhecido como adicional
por tempo de serviço), extinto com a implantação do subsídio, para o que já
tramita proposta legislativa, desde 2013 (PEC 63), porém sem grandes avanços.
O
Parlamento resistiu à implementação do regime de subsídio. A Magistratura da
União (trabalhista e federal), embora a necessidade de ajustes, sempre o
defendeu pela transparência e pelo seu caráter moralizador, contudo primando
por sua ideia original: a garantia de reposição anual.
Deputados
e senadores temiam que as suas inúmeras verbas indenizatórias fossem incluídas
na parcela única do subsídio. Este temor deixou de existir com a Emenda
Constitucional (EC) 47/2005, que inseriu o parágrafo 11 no art. 37 da
Constituição, deixando claro que, no cômputo do teto constitucional, as verbas
indenizatórias não estariam incluídas.
Promulgada
a referida emenda, PL nº 4.651/2004, de iniciativa do STF, que daria origem à
Lei nº 11.143/2005, tramitou sem percalços, e o regime de subsídios foi
implementado no Poder Judiciário.
De notar
que parlamentares, desde muito, tem justa preocupação em manter as “condições
materiais” sem as quais a grande maioria não teria como desempenhar o seu
mandato. Falo aqui das verbas típicas necessárias à representação popular.
Com a
publicação da Lei nº 11.143/2005, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tratou
de enfrentar a uniformização da remuneração da magistratura nacional.
Depois de
um longo trabalho de levantamento e sistematização dos dados de 96 tribunais,
em 21/03/2006 foi editada a Resolução nº 13/2006. O ato normativo definiu quais
verbas remuneratórias estavam incluídas no subsídio, quais não estavam, mas,
cuja soma com o subsídio estava limitada ao teto; e quais eram as parcelas de
natureza indenizatória que não se incluíam no subsídio e nem se limitavam ao
teto remuneratório, pois que de remuneração não trata.
Desde que
a EC 19/98 impôs o subsídio para diversos servidores e agentes políticos, tanto
na cúpula do Poder Judiciário quanto no meio político, há consenso de que o
regime de subsídios para agentes políticos organizados em carreiras (a exemplo
da Magistratura e do Ministério Público), sem um estímulo que valorize a
progressão funcional e a experiência no cargo, é um grave equívoco.
Esta
“inadequação” do regime de subsídios desde a sua implantação no Poder
Judiciário, é percebida pelo próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Antevendo essa inadequação, antes da regulamentação do teto pela Resolução nº
13/2006, o então presidente do Órgão, ministro Nelson Jobim, constituiu, por
meio da Portaria CNJ nº 14/2017, uma comissão formada pelos conselheiros
Alexandre de Moraes (hoje ministro do STF), pelo desembargador Marcus Faver e
pelo signatário, para tratar do problema que já estava no horizonte.
Nos
dizeres da Portaria CNJ nº 14 de 16/03/2006: “Instituir no âmbito do Conselho
Nacional de Justiça a Comissão de Estudos sobre a Reestruturação da Carreira da
Magistratura, com o objetivo de elaborar sugestões de medidas direcionadas ao
aperfeiçoamento da carreira da Magistratura e à valorização da função de
Magistrado”.
Na
indexação ficaram claros os objetivos da Comissão, que era realizar estudos com
vistas à reestruturação da carreira e ao seu aperfeiçoamento. O resultado do
trabalho dessa Comissão está consignado na ata da 42ª sessão ordinária do CNJ,
de 12 de junho de 2007 e aponta, exatamente, a necessidade de valorizar a
experiência e o tempo de serviço.
Quando da
fixação do regime remuneratório por subsídios – que envolveu franca e aberta
discussão sobre a necessidade de deixar clara a remuneração de todos os juízes
e sua limitação ao teto – houve o compromisso da República com seus juízes,
além da garantia das prerrogativas para o exercício da função jurisdicional
plena: incentivo e valorização da experiência e uma remuneração que fosse
revisada anualmente, na forma prevista na Constituição Federal, o que, via de
regra, deveria ocorrer com todos os segmentos do funcionalismo público.
Ao
conjunto da Magistratura sempre competiu e compete cumprir a Constituição
Federal, seu norte permanente. Assegurada na Lei Maior a revisão anual do valor
do subsídio, os juízes esperavam que os compromissos assumidos fossem cumpridos
pelos demais poderes.
O bônus
de deter o poder de repor a inflação à Magistratura traz, a reboque, o ônus de
tomar decisões que contrariem a opinião publicada. E entre o bônus e o ônus,
Legislativo e Executivo optaram pelo caminho mais fácil: o da omissão. E,
assim, a revisão anual foi, simplesmente, esquecida.
No
período entre 01/01/2006 a 01/01/2018 (doze anos), o valor do subsídio foi
corrigido em 37,81% (de R$ 24.500,00 para os atuais R$ 33.763,00) quando, na
verdade, pela variação do INPC deveria ser R$ 47.808,00 (defasagem de 41,60%),
ou, então, R$ 48.121,00 pelo IGM-M (defasagem de 42,53%). Estamos falando, apenas,
de reposição inflacionária.
É forçoso
concluir que existe um descompromisso dos demais Poderes para com a
Constituição Federal e para com o Poder Judiciário. Atualmente, inclusive, o
que deveria ser o teto remuneratório, virou o piso para um imenso conjunto de
categorias de Estado.
Advogados
públicos, procuradores e outras categorias passaram a receber honorários de
sucumbência ou outras formas de adicionais que lhes aumentam os ganhos. Tudo
isso torna pouco atrativa a Magistratura, que já não consegue recrutar os
melhores profissionais.
A simples
observância da Constituição Federal, com a correção anual do subsídio pela
inflação (como qualquer categoria profissional privada obtém), teria evitado a
adoção de “saídas heterodoxas”. O valor atualizado do subsídio supera a soma
das parcelas indenizatórias que hoje são o foco desse debate.
A
propósito, se Saulo Ramos tinha razão, há mais de 20 anos, quando escreveu que
se do juiz “Exigiu-se exclusividade. Em contrapartida, a sociedade deve
remunerá-lo à altura da situação que lhe impôs”
(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz300910.htm), é de se perguntar a
quem interessa colocar um torniquete na remuneração dos juízes, submetendo-os
ao regime impróprio do subsídio, sem estímulo na carreira e, ainda, com
remuneração corroída pelo longo tempo sem a devida correção.
Sem
esquecer que a carreira precisa de valorização, é certo que com a correção
anual pela inflação, em atenção à imposição constitucional, o valor corrigido
do subsídio inibiria a procura por essas saídas “heterodoxas” circunstância
que, inclusive, contaria com a magistratura atenta, tal como em 2005, na defesa
da transparência remuneratória dos agentes públicos, em todos os níveis, e pela
observância do teto remuneratório.
—–
(*) O
autor é juiz do trabalho aposentado, ex-presidente da Anamatra (2013 /2015) e
membro do Conselho Nacional de Justiça em sua primeira composição (2005/2007)OMUNICADO:
O Egrégio Tribunal Pleno do TRT da 23ª Região, em sessão histórica realizada na
data de hoje, atendendo pedido formal da AMATRA 23 (PROAD 2352-2018), decidiu, por
maioria, adiar a realização da Sessão Judicial e Administrativa para amanhã,
dia 16.03.2018, tendo Suas Excelências, sem exceção, manifestado apoio e
aderência à mobilização democraticamente decidida em nossos meios associativos
próprios, bem como solidarizaram-se e cerraram-se fileiras com os magistrado de
primeiro grau de jurisdição. O Presidente da AMATRA, André Molina, falou em
nome da entidade e o Procurador-Chefe, Marcel Trentin, falando em nome do MPT,
também aderiu à mobilização. Lavrou-se certidão para registro histórico.
Orgulho da magistratura do trabalho, da AMATRA 23 e dos magistrados, de
primeiro e segundo graus, do TRT da 23ª região.
COLEPRECOR SOLTA NOTA DE APOIO AO MOVIMENTO
NOTA DO
COLEPRECOR SOBRE O MOVIMENTO:
O Colégio
de Presidentes e Corregedores de Tribunais Regionais do Trabalho – COLEPRECOR
vem a público, à vista do anunciado movimento de paralisação dos juízes em
favor da melhoria de sua remuneração, esclarecer: 1) que a liberdade de
pensamento e de manifestação garantida a todo cidadão pela Constituição da
República não exclui os magistrados; 2) que a Remuneração da magistratura é
tema de relevância para a sociedade que necessita do Poder Judiciário atuante e
independente; 3) que a atualização anual dos subsídios dos juízes, para
assegurar seu valor real, está prevista na Constituição e não é atendida pelo
Estado há vários anos, impondo perdas Superiores a 40% a vencimentos e
aposentadorias; 4) que o debate sobre a remuneração dos juízes é indispensável e
se amplia para muito além do auxílio-moradia; 5) que os magistrados são órgãos
do Poder Judiciário e, como tais, em face do alto grau de sua responsabilidade,
não necessitam de esclarecimento, admoestação, tutela ou qualquer ato
preventivo por parte das administrações dos tribunais em relação à maneira com
que se organizam e se Manifestam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário