Francisco Fausto Eterno
Grijalbo Fernandes Coutinho
É
muito triste receber a notícia dando conta do falecimento do Ministro Francisco
Fausto Paula de Medeiros, com quem estabeleci laços de amizade após muitos
entendimentos e pequenos desentendimentos, ele na Presidência do TST e eu na da
Anamatra.
Tratava-se de um verdadeiro animal político, o juiz do trabalho que
resgatou a imagem interna e externa da Justiça do Trabalho, depois da
tempestade neoliberal que ganhou corações e mentes no TST a partir dos anos
1990, cujo ápice desse triste momento se deu sob a presidência de um certo
vaidoso tufão decididamente alucinado para acabar com o Direito do Trabalho.
Fausto fez o caminho inverso, denunciando e comandado a mudança da jurisprudência
trabalhista, ouvindo inclusive todos os graus de jurisdição e a ANAMATRA, bem
como advogados e membros do MPT, na alteração e cancelamento de seus antigos
enunciados, além de usar a comunicação externa com vigor para defender o
Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, com o auxílio do competente
jornalista Irineu Tamanini.
Foi também Fausto que recuperou a imagem externa da Justiça do Trabalho após o escândalo
envolvendo a construção do fórum trabalhista de São Paulo, não apenas por exigir transparência em todas as obras executadas pelo
Poder Judiciário, agora com o
acompanhamento rigoroso da fiscalização externa desde o início e com a sua
execução pelos bancos públicos, como também não se cansava ele de mostrar a
nobre função do Judiciário Trabalhista, ao conferir efetividade aos Direitos
Humanos da classe trabalhadora contemplados em diplomas jurídicos diversos,
nacionais e internacionais.
Fausto esteve
na linha de frente do combate ao trabalho escravo e infantil, aliando-se à OIT-
Organização Internacional do Trabalho e ao conjunto de entidades comprometidas
com a causa, incluindo a Anamatra, sempre falando em alto tom e fornecendo
dados para a adoção de políticas com o propósito de banir o trabalho
degradante. Enfim, foi o ilustre potiguar o responsável pelo início do ativismo
político no TST. Para além de dirimir conflitos, o tribunal passa a se
manifestar a partir de Fausto com autoridade a respeito dos mais diversos temas
sociais afetos às relações de trabalho, o que nem sempre é possível fazê-lo com
igual agilidade no enfrentamento judicial propriamente dito.
Francisco Fausto, juiz corajoso, desde os tempos de sua marcante atuação
em Pernambuco (TRT 6), poeta, profundamente culto, crítico político, sem
vaidades ou receios de falar a dura verdade em suas intervenções contundentes
dirigidas aos sujeitos situados no andar de cima do mundo econômico e político.
Ao
contrário do estilo light e conciliador do nosso querido amigo Faustinho, seu
filho, juiz do trabalho do TRT 10, Francisco Fausto gostava de comprar boas
brigas com os "donos do mundo", movido pelo seu aguerrido sentimento
mais pernambucano do que mesmo potiguar de Areia Branca-RN.
Sem
nenhum exagero, a história da Justiça do Trabalho, do ponto de vista
institucional, é uma antes e outra bem diferente depois da Presidência de
Francisco Fausto no TST. Essa não é
apenas a impressão de um fã ou admirador, de um amigo na hora da irreparável
perda humana. É o retrato do que está expresso em pelo menos uma dezena de
pesquisas acadêmicas no campo da sociologia, da história e da ciência política,
uma delas coordenada pelo Professor Luiz Werneck Viana do IUPERJ, destacada
autoridade acadêmica no estudo das relações de trabalho no Brasil, assim como existem
outras investigações não menos relevantes produzidas pelas brilhantes Professoras
e Pesquisadoras Ângela de Castro Gomes, Elina Pessanha e Regina Morel, da FGV,
da UFRJ e da UFF.
Realmente, ficaria o dia todo escrevendo aqui sobre a lenda da Justiça
do Trabalho Francisco Fausto Paula de Medeiros, com quem tive pequenos
desentendimentos quando presidi a ANAMATRA, tendo a honra, porém de dele
receber uma dedicatória muito especial, em sua obra clássica ("Viva
Getúlio"), com os seguintes dizeres: "Ao Grijalbo, apesar do diabo do
controle externo, com um grande abraço".
Dotado de um humor refinado, não consigo me
esquecer que ao adentrar ao gabinete do Presidente Fausto na companhia dos colegas
Tadeu Alkmim e Hugo Melo, ele olhou fixamente para mim e soltou: "para
sindicalista, comunista e jornalista nunca se deve contar nada, muito menos
segredo". Completou:
"Grijalbo, estou em dúvida se você se inclui em uma das categorias
ou é integrante das três ao mesmo tempo", com uma gargalhada profunda,
informando, então, que o ataque ao projeto do negociado sobre o legislado
precisava passar antes por uma construção interna no âmbito do TST para depois
ser divulgado amplamente. Respondi: "Ministro, falei em nome da Anamatra e
isso, por enquanto, com todo o respeito, o associado me deu o direito de
fazê-lo, além de ter esclarecido que acreditava não ser outra a posição do TST
diante da gravidade da proposta nefasta do Poder Executivo".
Outro
pequeno desencontro aconteceu quando a Anamatra, sob a minha presidência, em
dezembro de 2003, aprovou proposta favorável à criação do controle externo do
Poder Judiciário, no bojo do debate sobre a Reforma do Poder Judiciário em
curso, tudo com ampla divulgação pelos meios de comunicação. O Presidente do
TST, Ministro Fausto, me liga e reclama da deliberação, com toda a sua veia
firme, educada e respeitosa. Respondi a ele que o CNJ era o caminho último para
debelar mazelas internas por ele próprio combatidas, mas que respeitava demais
a sua opinião em sentido contrário. E ainda acrescentei a necessidade
primordial da ANAMATRA e do TST manterem os seus pontos de vista e as suas
diferenças de forma respeitosa, ou seja, a convivência fraterna nas
adversidades.
Finalmente, em setembro de 2004, quando a Anamatra emitiu nota
condenando os abusos na utilização dos interditos proibitórios para coibir a greve nacional dos bancários e
enfatizando a necessidade de reposição salarial justa frente aos lucros
obtidos pelo sistema financeiro, o Presidente Francisco Fausto também não
gostou porque o dissídio de greve ainda não havia sido julgado pelo TST, quando
mais uma vez travamos salutar discussão, sem quaisquer agressões, até porque o
perfil humanista de Francisco Fausto Paula de Medeiros não lhe permitia agredir
as pessoas, muito menos os sujeitos dotados de poderes menores do que os seus.
Com todo
o respeito aos demais, Francisco Fausto não foi apenas o maior Presidente do
TST de todos os tempos, senão, talvez, o mais rico, destemido e importante
personagem integrante da Justiça do
Trabalho em sua história quase centenária, tão
grandioso foi o seu papel em momentos decisivos, entre outros, i)na participação decisiva para o fim da representação
classista(ele ainda não era o presidente do TST em 1999, mas liderou a
elaboração de uma carta pelo então Presidente Wagner Pimenta dirigida aos
deputados defendendo o fim da sinecura); ii)no resgate dos cargos de juiz do
tribunal para a carreira(foram 148 em todo o Brasil); iii) na extirpação da era
neoliberal no TST; iv)na retomada do papel histórico e razão de ser da Justiça
do Trabalho, no sentido de resgatar a principiologia protetiva trabalhista,
para tanto, promovendo o início da guinada no TST, inclusive com o cancelamento
de alteração de muitos enunciados no ano 2004, em sua primeira fase ;v) na
denúncia pública e no engajamento do TST na luta contra o trabalho escrevo e
infantil; vi) na recuperação da imagem da Justiça do Trabalho após escândalos
diversos; vii)no restabelecimento do diálogo franco e aberto com o movimento
associativo de juízes, especialmente com a ANAMATRA; viii) na defesa de um
serviço público de qualidade; ix)no fortalecimento da Justiça do Trabalho, com
a criação de novas varas e fomento à Justiça itinerante para chegar aos mais distantes locais; x) na intolerância
contra a formação das denominadas "listas negras" criadas por
entidades empresariais para discriminar empregados que demandavam na Justiça do
Trabalho, inclusive determinando ele a retirada de dados das páginas dos
tribunais que permitiam a pesquisa
movida por interesses mesquinhos
e xi) na denúncia externa contra as famigeradas
comissões de conciliação prévia, que depois resultou em importante decisão do
Supremo Tribunal consagradora da inconstitucionalidade, por violação ao
princípio da inafastabilidade da jurisdição, dos dispositivos legais que
cuidavam da passagem obrigatória das demandas pelo filtro administrativo
solapador de direitos sociais.
Fausto mudou a cara do TST, de um
tribunal odiado pelos movimentos sociais mais à esquerda, especialmente depois
da fatídica decisão contra a greve dos petroleiros em 1995. Com a sua postura
corajosa, Fausto foi ovacionado em congresso nacional da CUT por mais de mil
sindicalistas de todo o Brasil, ao defender o Direito do Trabalho. As propostas
que pretendiam acabar ou mitigar a Justiça do Trabalho foram se esvaindo a
partir de cada intervenção de Fausto. O resultado foi o seu fortalecimento com
a EC 45/04. Os Congressos internacionais por ele organizados (nas instalações
do TST), com a participação de juristas e cientistas sociais nacionais e
estrangeiros, tiveram também essa tônica, no sentido de demonstrar aos próprios
ministros a razão de ser da diminuição do Direito do Trabalho.
Francisco
Fausto pode não ter sido o maior jurista integrante dos quadros do Tribunal
Superior do Trabalho, tipo de avaliação por demais guardada de subjetividade,
natural e evidentemente. Contudo, foi o personagem que, a partir de sua rasgada
atuação como presidente do TST, mais influenciou o órgão de cúpula da Justiça
do Trabalho a cumprir a verdadeira missão da Justiça do Trabalho, sempre focada
na sua razão de ser e do próprio Direito do Trabalho. Ninguém mais do que ele
provocou reviravolta tão significativa no âmbito do TST, mudando
definitivamente a história de um órgão do Poder Judiciário acostumado com o
figurino do juiz introspectivo e conservador. Como ele costumava dizer, citando
cientista político francês, o que foi repetido no seu discurso de
posse na Academia Nacional de Direito do Trabalho, em 2004, na cidade de
Brasília-DF, os maiores juízes do
trabalho não são necessariamente os mais refinados juristas senão aqueles
capazes de captar de forma inteligente e dialógica, do ponto de vista
sociológico e histórico, as injustiças e as desigualdades ainda presentes na relação entre capital e trabalho
na sociedade de mercado globalizada tecnológica atual. Fausto, com certeza, era
um desses cientistas imprescindíveis a qualquer instituição pública preocupada com
a justiça social e o destino da humanidade.
Saudades, saudades para valer do Ministro Fausto, cuja obra política e
jurídica em defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho será
eternizada para sempre, cujo destemor talvez fosse a face mais visível desse
singular e rico personagem da Justiça do Trabalho.
Meus
sentimentos ao amigo Luiz Fausto, aos demais familiares e à sua legião de
admiradores espalhados pelo Brasil.
É
evidente que não é possível contar a história de Francisco Fausto Paula de
Medeiros em rápidas palavras. Aos mais novos apenas digo, meninos, eu vi
Francisco Fausto, para mim, com certeza, o maior personagem da História da
Justiça do Trabalho de todos os tempos.
Sai de
cena o maestro vigoroso da Justiça do Trabalho. Fica a sua trajetória de luta e
o seu exemplo para serem imortalizados, uma memória integrante do que há de
mais grandioso na história da Justiça do Trabalho, na sua fase mais
comprometida com a efetividade dos Direitos Humanos da massa de explorados e
excluídos da sociedade moderna.
Descanse
em paz, Ministro Fausto, grande humanista!
Lutaremos bravamente contra os coveiros do Direito e da Justiça do
Trabalho, assim o fazendo também em nome do que o senhor e o seu espírito de
luta aguerrida significaram concretamente para instituições fundamentais ao
Estado Democrático Direito e Social.
Com
profundo pesar,
Grijalbo
Fernandes Coutinho
Ex
presidente da Anamatra (maio de 2003 a maio de 2005)