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Juíza do
trabalho narra o caso de Dona Zefa, trabalhadora terceirizada da limpeza. Com
delicadeza, a magistrada retrata um cenário cruel e perverso de trabalhadores
que são invisíveis e desvalorizados no empurra-empurra da terceirização trabalhadora
terceirizada limpeza.
Em artigo
para o Justificando, a juíza do trabalho Juliana Ribeiro Castello Branco conta
o caso de Dona Zefa, trabalhadora terceirizada da limpeza na Justiça do
Trabalho. “Dona Zefa é a que limpa o banheiro, que pede licença para tirar o
lixo do gabinete, varre, espana, lava, e também é aquela que, de quando em
quando, senta-se à mesa de audiência, na condição de reclamante”.
A história
dela é de superação, trabalho duro, crescimento pessoal e profissional. Mas a
realidade do trabalhador terceirizado é difícil. “A terceirização esfacela as
relações pessoais, enfraquece o associativismo, impede a organização de pleitos
coletivos e cria castas entre empregados e terceirizados, com direitos,
salários e tratamento diferenciados. Este instituto, que os defensores afirmam
ser imprescindível do ponto de vista econômico, é nefasto sob o aspecto
social”.
Por Juliana
Ribeiro Castello Branco*
Dona Zefa
chegou para trabalhar na vara, em substituição a outra, outra igual à Dona
Zefa, “terceirizada da limpeza”, que por um motivo qualquer “não foi
aproveitada pela firma que ganhou a licitação”.
É assim, e
tem sido assim desde os idos de 1993, quando a Súmula 331 do TST consolidou a
jurisprudência sobre a matéria e estabeleceu, para aplausos da maioria, que a
terceirização gerava responsabilidade subsidiária do tomador. Em tese, Dona
Zefa e as iguais, estavam garantidas. Qualquer problema com seu empregador, não
as impediria de ter acesso aos seus direitos constitucionais trabalhistas.
Aquele que se beneficiou de sua força de trabalho, deveria assumir a
responsabilidade pelo pagamento dos seus direitos.
Isso
amenizava os efeitos da terceirização, que vinha para ficar, e até hoje anda
rondando, pronta para nos engolir. Como um leão[1].
A
terceirização esfacela as relações pessoais, enfraquece o associativismo,
impede a organização de pleitos coletivos e cria castas entre empregados e
terceirizados, com direitos, salários e tratamento diferenciados.
Este
instituto, que os defensores afirmam ser imprescindível do ponto de vista
econômico, é nefasto sob o aspecto social.
O trabalho
nessa condição atinge a autoestima do empregado, que nunca terá capacitação
para fazer parte da empresa na qual presta seus serviços, uma vez que sua
atividade é meio e não está incluída na finalidade da empresa. Normalmente ele
não entende bem isso. Mas o lugar que o colocam, isso ele entende. E esse lugar
não tem nenhum destaque. É um trabalhador de segunda classe. Ali o colocam, ali
ele fica. Fazem a limpeza, enquanto os intelectuais decidem o futuro do país.
Faz tempo
que isso começou. Vinte anos depois, da teoria comemorada à prática vivenciada,
constata-se que D. Zefa, não só não teve seus direitos garantidos como, após
sucessivas transferências de empresa, assumiu a condição de empregada e cliente
da Justiça do Trabalho, invisível nas duas situações.
Dona Zefa é
a que limpa o banheiro, que pede licença para tirar o lixo do gabinete, varre,
espana, lava, e também é aquela que, de quando em quando, senta-se à mesa de
audiência, na condição de reclamante.
Entra muda,
sai calada, cumprindo a formalidade que a lei determina de comparecer em juízo
para tentar o tão esperado acordo. No caso da D. Zefa, a conciliação nunca vem.
No máximo um alvará para levantamento do seu FGTS – o que estiver depositado.
No mais, esperar. O ente público, sem rosto, recorre, recorre e recorre. E
depois da alteração da já referida Súmula 331, na qual foi acrescentado o item
V, relativizando a responsabilidade do tomador, até consegue se isentar da
responsabilidade subsidiária, caso se entenda que fiscalizou o contrato.
D. Zefa não
entende. Seu patrão não é a própria Justiça do Trabalho? Não é ali que
trabalha, na vara? E não é lá que as pessoas vão buscar solução para os seus
problemas trabalhistas? Não é lá que os juízes condenam quem está errado a
pagar o que deve? Mas quem é seu patrão
afinal de contas? Esse patrão tão poderoso e tão omisso. Ele é invisível para
Dona Zefa, como Dona Zefa é invisível para a Justiça do Trabalho.
Mas Dona
Zefa trabalha, não desiste. Teve filho cedo, vai ser avó, embora não tenha 50
anos. E sua filha segue seus passos, também vai ter filho cedo. Filho é uma
alegria, neto, melhor ainda. Dona Zefa não reclama, não pensa na crise.
Chega
sorrindo, vai tentando estabelecer vínculos que tornem aquele trabalho mais
suportável. A saída pelos afetos, o que nos preenche. E assim, passa a ir bem
cedinho à vara e se oferece para fazer o café, e passa a tomar o café com a
gente, conversa, mostra fotos, conta da família, dos seus problemas, passa a
limpar nossos banheiros duas vezes por dia. Quando falta material, nos
recompensa dando prioridade na distribuição do papel higiênico. Ganha carinho,
retribui com trabalho. Afinal, nada é de graça, muito menos para ela. E não
pensa na crise, Dona Zefa trabalha.
Dona Zefa
não é mais Dona Zefa, agora é Zefinha e, com o tempo participa das comemorações
dos aniversários e das festinhas que fazemos na vara no Natal. Em vez de só
mostrar suas fotos, passa a sair nas fotos.
Sorridente,
alegre, finalmente tem colegas de trabalho. Nunca soube o que era isso. Como
cada “terceirizada da limpeza” cuida de um andar do prédio, não se falam
durante o expediente. Na hora do almoço, descansam e fumam em pé, no
estacionamento. É nessa hora e nesse local, que se relaciona com suas iguais.
Mesmo assim, nada fala do patrão, já que não o conhece. Na verdade, nem sabe
bem o nome dele, nunca viu ninguém que se apresentasse como tal. Só pegaram sua
carteira de trabalho, deram baixa no contrato e assinaram de novo. As empresas
prestadoras de serviço contratadas pelo Tribunal se sucedem. Mas Zefinha não as
conhece, nem sabe onde ficam. Tudo foi feito nas dependências da Justiça do
Trabalho, mas “tudo dentro da Lei”.
Até que ele
aparece, seu empregador aparece nos noticiários. Seu empregador era uma empresa
de fachada, ligada a políticos corruptos de Duque de Caxias. Fraude, desvio de
dinheiro e toda essa sujeira. De novo Zefinha não entende nada, mas o que dizem
seus pares, é que se deram mal. Isso ela já tinha concluído. Outra vez. Só o
FGTS, pelo que está depositado.
E Zefinha
sente o quanto o sistema a considera, substituível e descartável.
Um dia, ao
chegar ao trabalho, sinto falta da Zefinha. Não veio? Está doente? Não, Zefinha
arrumou um emprego, foi ser doméstica na casa de uma funcionária do TRT. Está
contente. A funcionária é uma pessoa legal e estava precisando de empregada
doméstica. Zefinha tem referência, trabalha bem, é de confiança.
Zefinha
subiu um degrau. Virou doméstica. Seu empregador agora tem nome, tem endereço e
tem rosto.
E Zefinha?
Zefinha não fala da crise, trabalha. Zefinha é uma leoa. E mata um leão por
dia, mas é presa fácil para quem acha que o máximo que ela deve ter é um
emprego de doméstica.
Não houve
despedida. É uma pena. Também não sei se haveria algo a dizer, diante da perplexidade que essa
situação me causa.
Mas hoje,
tenho a oportunidade de dar à Zefinha um lugar de destaque: o protagonismo
desse texto.
E vamos
pautando a sororidade.
*Juliana
Castello Branco é mulher, mãe, foi juíza do trabalho da 12ª Região (Santa
Catarina) e atualmente é juíza do trabalho da 53ª Vara do Trabalho do Rio de
Janeiro. Associada à AMATRA1 (Associação dos Magistrados da 1ª Região), à
ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho) e
membra da AJD (Associação Juízes para a Democracia). Adora programar e
fazer viagens, ler poesias e ouvir MPB. Entusiasta do pensar e fazer coletivos,
acredita que a sororidade não vai mais sair de pauta.
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[1] Tramita
no Congresso, desde 2004, o PL 4330 que amplia o alcance da terceirização. Sem
falar fazer distinção entre atividade-meio e atividade-fim, o texto permite a
terceirização sem restrições. Em abril de 2015, foi aprovado na Câmara e
atualmente aguarda julgamento pelo Senado Federal.
A aprovação
desse projeto importa em colocar milhões de trabalhadores na mesma condição da
D. Zefa. Não se trata somente de uma questão econômica. É a dignidade do
trabalhador que está em jogo.
Maravilhoso e emocionante texto, retrata a realidade, que agora é vivida por mais e mais funcionários, visto ter sido aprovada a terceirização (quase) sem restrições. Agora ainda temos mais um "frankstein" desse tipo, a pejotização, mas infelizmente os legisladores não estão preocupados com os direitos do "chão de fábrica", somente se preocupam com os próprios umbigos.
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