POR FREDERICO VASCONCELOS
artigo publicado no site:
Sob o título “Conflitos
trabalhistas: qual conciliação?”, o artigo a seguir é de autoria de Guilherme
Guimarães Feliciano, juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté (SP) e
vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).*
*
No último dia 23 de junho, o
Conselho Nacional de Justiça realizou audiência pública para discutir o
tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito da Justiça do
Trabalho. Entre os objetivos do evento estava a definição de diretrizes para a
estipulação de uma política de conciliação na Justiça do Trabalho e o debate de
questões polêmicas como a necessidade da instalação de núcleos ou centros
específicos de conciliação/mediação no 1º e 2º graus de jurisdição da Justiça
do Trabalho e o cabimento da mediação privada e/ou pré-processual no processo
do trabalho. Vale a pena trazer ao leitor alguma notícia do que ali se debateu
e dos seus possíveis reflexos para a jurisdição trabalhista.
Para muitos entusiastas da
ampliação das políticas de soluções alternativas de conflitos trabalhistas, o
recurso intensivo às conciliações e mediações torna-se a panaceia para os
problemas atuais da Justiça do Trabalho — notadamente em tempos de carestia
orçamentária, com corte de mais de 29% em suas verbas de custeio e de 90% em
suas verbas de investimento, para 2015 (Lei 13.255/2016) —, uma vez que, sem
recursos orçamentários, conviria recorrer a instrumentos que “facilitem” a
solução dos litígios trabalhistas típicos. Além disso, ante o desemprego crescente
(taxa acumulada de 11,2% no início de junho) e o aumento vertiginoso de
demandas nos órgãos da Justiça do Trabalho, restaria à instituição antecipar-se
ao boom de litígios e servir-se de mediações e conciliações “pré-processuais”,
evitando a afluxo dessas demandas como ações judiciais.
A nosso ver, tais razões revelam
apenas o equívoco por detrás desse novo frenesi pelos métodos alternativos de
solução de conflitos trabalhistas. A jurisdição é uma função de Estado voltada
à tutela de direitos subjetivos e/ou de interesses juridicamente protegidos; e,
logo, um mecanismo para o acesso pleno à ordem jurídica justa, que é mais que a
simples “pacificação” dos conflitos.
Não se pode “conciliar” a
qualquer custo, tanto mais quando estão em jogo direitos sociais fundamentais,
de natureza alimentar, como são os salários, as horas extraordinárias, as
verbas decorrentes da rescisão contratual etc. Já por isso, devem-se evitar os
acordos ruinosos (p.ex., frações de verbas rescisórias incontroversas a se
pagar em parcelas a perder de vista), simulados (p.ex., acordos celebrados em
juízo, para pagamento integral de rescisórias, apenas para o efeito de se obter
quitações plenas em favor de empresas devedoras de outros direitos),
fraudulentos (p.ex., acordos que ocultam ou alteram naturezas jurídicas
irrevogáveis das parcelas a serem pagas, com o adrede intuito de evadir
tributação) ou temerários (p.ex., acordos que “vendam vento”, oferecendo
direito futuro, incerto e/ou litigioso).
Nenhum método alternativo de
solução de conflitos que se guie por critérios de massificação, priorização
qualitativa ou legitimação por precificação/quantificação será adequado para
esse controle. Cabe ao juiz do Trabalho zelar por essa condição de eticidade
nas conciliações; servidores judiciários ou conciliadores/mediadores privados,
no seu lugar, não terão sequer competência — no sentido técnico-processual —
para essa aferição.
Os núcleos judiciais de solução
alternativa de conflitos são evidentemente bem-vindos na Justiça do Trabalho, como
em qualquer outro ramo do Judiciário. Mas devem se balizar pela natureza
especial das pretensões que estão em disputa. E têm de ter à frente de toda e
qualquer negociação, a se encetar apenas no curso de processos judiciais já
instaurados, a figura do juiz.
Se há conjuntura de explosão da
litigiosidade, as dificuldades daí advindas precisam ser contornadas por outros
mecanismos, como a simplificação dos ritos, as tutelas provisórias de urgência
e de evidência, a racionalização dos sistemas recursais e, por que não, o
aumento dos quadros de juízes e servidores (basta lembrar que há, na França,
doze juízes por cem mil habitantes; no Brasil, na Justiça da União, há um único
magistrado para cada cem mil habitantes). Recorrer a uma lógica que busque
prioritariamente métodos de extinção/prevenção de procedimentos é, a rigor,
desconstruir o próprio conceito contemporâneo de jurisdição, que é função
estatal de tutela jurídica. Não poderá ser jamais método estatal para
“qualquer” solução de conflitos.
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(*) O autor é Doutor,
Livre-Docente e Professor Associado II da Faculdade de Direito da USP.
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