Artigo
publicado no site:
“OPINIÃO
Anamatra Mulheres: iniciativa em
sintonia com a Agenda 2030 da ONU
Por Daniela Lustoza
O ano era 1996. O destaque da
entrevista dizia “Ministro do STF quer uma mulher na suprema corte”. Em
publicação do jornal Folha de S.Paulo, do dia 18/11/1996, ao ser indagado sobre
a possibilidade de haver, nos dois anos seguintes, um novo movimento no Supremo
em razão de nomeações, o ministro Celso de Melo, hoje decano do STF, disse:
“(...) a mim me parece que chegou o momento de se abrir o tribunal e torná-lo
acessível, por uma questão de direito, às mulheres”[1].
Não lhe passava despercebida, à
ocasião, a resistência interna naquela corte, o que não o impediu de afirmar a
existência de juristas mulheres altamente qualificadas a assumirem a função e
indagar se já não vinha tarde nomeação de uma mulher para o Supremo Tribunal
Federal. Somente quatro anos depois a primeira mulher a integrar a corte
suprema do país, Ellen Gracie Northfleet, tomou posse, em 14/12/2000, seguida de
Cármen Lúcia, em 2006, e Rosa Weber, em 2011.
Passados 18 anos da posse da
primeira mulher junto ao STF, a ministra Cármen Lúcia declarou que sofre
preconceito na vida e na carreira por ser mulher, destacando a necessidade de a
Constituição Federal do país proteger as minorias[2]. A resistência mencionada
pelo ministro Celso de Melo, por ocasião da entrevista de 1996, portanto,
certamente ainda permanece também em diversas áreas profissionais e em
perspectiva mundial.
Tanto o é que líderes do mundo,
reunidos na sede das Organizações das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2015,
firmaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O documento
estabelece plano de ação para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir
que as pessoas encontrem paz e prosperidade, fixando 17 objetivos de
desenvolvimento sustentável (ODS), tendo como seu 5º objetivo a igualdade de
gênero.
Em sintonia com a Agenda 2030 da
ONU, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra),
cumprindo deliberação da Assembleia Geral do 19º Congresso Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), instituiu, no final de 2018, a
Comissão Anamatra Mulheres, a exemplo do que já existe na Associação dos Juízes
Federais do Brasil (Ajufe) e na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Seguindo, portanto, os passos da
Ajufe e da AMB, os juízes do trabalho do Brasil aprovaram a necessidade de se
instituir, no âmbito da associação nacional, uma comissão que pesquise, reflita,
debata, capacite e se posicione propositivamente no que diz respeito,
principalmente, às mulheres magistradas e às assimetrias ainda existentes em
relação aos homens, tudo em sintonia ao conteúdo da Resolução 255/2018 do
Conselho Nacional de Justiça, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à
Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
Um dos objetivos da Comissão
Anamatra Mulheres foi estabelecido em 6/12/2018. Após o 1º Encontro de
Lideranças Associativas na Anamatra, que aconteceu nessa data, em Brasília, a
comissão definiu a necessidade de realizar pesquisa científica para avaliar a
influência da questão de gênero em promoções para juízes titulares,
desembargadores e também na ocupação dos cargos de administração dos tribunais.
A preocupação é significativa,
principalmente quando se observa o relatório do Perfil Sociodemográfico da
Magistratura Brasileira 2018[3], divulgado em setembro pelo CNJ. O documento
indica que 37% dos 11.348 juízes que participaram da pesquisa são mulheres,
sendo que, no primeiro patamar da carreira, o de juiz substituto, 44% são
mulheres, percentual que vai diminuindo substancialmente quando se trata de
progressão, pois 39% são juízas titulares, 23%, desembargadoras, e somente 16%,
ministras de tribunais superiores.
Kristalina Georgieva,
diretora-geral do Banco Mundial, no relatório Mulheres, empresas e o direito
2018, afirma que “nenhuma economia pode atingir seu pleno potencial sem a plena
participação de homens e mulheres. As mulheres, que representam metade da
população mundial, têm um papel igual ao dos homens na promoção do crescimento
econômico”[4].
Nesse panorama, cumprindo seu
principal papel constitucional de pensar e instituir políticas públicas
voltadas ao incremento do Poder Judiciário, e observando a assimetria na
ocupação de cargos entre homens e mulheres, o CNJ editou a Resolução 255/2018
para que seja observada por todos os ramos e unidades do Poder Judiciário, bem
como por associações de juízes, de forma a estimular a participação de mulheres
nos cargos de chefia e assessoramento, bancas de concurso e eventos
institucionais, como estabelece o artigo 2º desse instrumento normativo.
As associações de magistrados já
se encontram sintonizadas no objetivo de concretização dessa política nacional.
Mas muito ainda há que se fazer. Somente a Anamatra[5] contou com presidentes
mulheres à frente de sua associação nacional até o momento: Ilce Marques de
Carvalho (1989-1991), Maria Helena Mallmann Sulzbach (1995-1997) e Beatriz de
Lima Pereira (1997-1999). Nenhuma mulher presidiu, ainda, a Ajufe[6] e a
AMB[7], e há quase 20 anos não há uma mulher na presidência da Anamatra
novamente.
Virgínia Woolf disse: “(..) o que
é uma mulher? Juro que não sei e duvido que vocês saibam. Duvido que alguém
possa saber, enquanto ela não se expressar em todas as artes e profissões
abertas à capacidade humana”[8]. Há muito a se dizer e fazer para que as
assimetrias sejam corrigidas e as distâncias entre homens e mulheres sejam
superadas também no Poder Judiciário. Somente mediante iniciativas voltadas à
concretização desses objetivos é que se pode vislumbrar a efetiva igualdade
estabelecida pela Constituição.
Não há lugar para o silêncio
sobre o tema, mas, sim, voz e ação.
[1] MELLO FILHO, José Celso de.
Ministro do STF quer uma mulher na suprema corte. Entrevistador: Nelson de Sá.
Folha de S.Paulo, 18 nov. 1996. Disponível em
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaPastaMinistro&pagina=CelsoMelloEntrevistas.
Acesso em 17/1/2019.
[2] NUNES, Fernanda. Cármen Lúcia
diz sofrer preconceito por ser mulher e pede Constituição em defesa das
minorias. Estadão, 12 nov. 2018. Disponível em
<https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sofro-preconceito-por-ser-mulher-afirma-ministra-carmen-lucia,70002605290>.
Acesso em: 15/11/2018.
[3] Perfil Sociodemográfico dos
Magistrados Brasileiros 2018. Disponível em:
www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/49b47a6cf9185359256c22766d5076eb.pdf.
Acesso em 17/1/2019.
[4] GEORGIEVA, Kristalina.
Mulheres, empresas e o direito 2018: principais resultados. Disponível em:
<http://pubdocs.worldbank.org/en/765311526311864489/WBL-Key-Findings-Portuguese-Print-05-10.pdf>.
Acesso em 21/11/2018. p. 4. Trata-se da quinta edição de relatórios bienais que
“medem diferenças de gênero no tratamento jurídico”.
[5]
https://www.anamatra.org.br/anamatra/galeria-de-presidentes
[6]
https://www.ajufe.org.br/ajufe/galeria-de-presidentes
[7]
http://www.amb.com.br/conheca-a-amb/?doing_wp_cron=1547763318.2238020896911621093750
[8] WOOLF, Virgínia. Profissões
para mulheres e outros artigos feministas. Tradução de Denise Bottmann. – Porto
Alegre, RS: L&PM, 2018.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário