domingo, 27 de janeiro de 2019

ANAMATRA MULHERES



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“OPINIÃO

Anamatra Mulheres: iniciativa em sintonia com a Agenda 2030 da ONU

Por Daniela Lustoza

O ano era 1996. O destaque da entrevista dizia “Ministro do STF quer uma mulher na suprema corte”. Em publicação do jornal Folha de S.Paulo, do dia 18/11/1996, ao ser indagado sobre a possibilidade de haver, nos dois anos seguintes, um novo movimento no Supremo em razão de nomeações, o ministro Celso de Melo, hoje decano do STF, disse: “(...) a mim me parece que chegou o momento de se abrir o tribunal e torná-lo acessível, por uma questão de direito, às mulheres”[1].

Não lhe passava despercebida, à ocasião, a resistência interna naquela corte, o que não o impediu de afirmar a existência de juristas mulheres altamente qualificadas a assumirem a função e indagar se já não vinha tarde nomeação de uma mulher para o Supremo Tribunal Federal. Somente quatro anos depois a primeira mulher a integrar a corte suprema do país, Ellen Gracie Northfleet, tomou posse, em 14/12/2000, seguida de Cármen Lúcia, em 2006, e Rosa Weber, em 2011.

Passados 18 anos da posse da primeira mulher junto ao STF, a ministra Cármen Lúcia declarou que sofre preconceito na vida e na carreira por ser mulher, destacando a necessidade de a Constituição Federal do país proteger as minorias[2]. A resistência mencionada pelo ministro Celso de Melo, por ocasião da entrevista de 1996, portanto, certamente ainda permanece também em diversas áreas profissionais e em perspectiva mundial.

Tanto o é que líderes do mundo, reunidos na sede das Organizações das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2015, firmaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O documento estabelece plano de ação para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que as pessoas encontrem paz e prosperidade, fixando 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), tendo como seu 5º objetivo a igualdade de gênero.

Em sintonia com a Agenda 2030 da ONU, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), cumprindo deliberação da Assembleia Geral do 19º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), instituiu, no final de 2018, a Comissão Anamatra Mulheres, a exemplo do que já existe na Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Seguindo, portanto, os passos da Ajufe e da AMB, os juízes do trabalho do Brasil aprovaram a necessidade de se instituir, no âmbito da associação nacional, uma comissão que pesquise, reflita, debata, capacite e se posicione propositivamente no que diz respeito, principalmente, às mulheres magistradas e às assimetrias ainda existentes em relação aos homens, tudo em sintonia ao conteúdo da Resolução 255/2018 do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.

Um dos objetivos da Comissão Anamatra Mulheres foi estabelecido em 6/12/2018. Após o 1º Encontro de Lideranças Associativas na Anamatra, que aconteceu nessa data, em Brasília, a comissão definiu a necessidade de realizar pesquisa científica para avaliar a influência da questão de gênero em promoções para juízes titulares, desembargadores e também na ocupação dos cargos de administração dos tribunais.

A preocupação é significativa, principalmente quando se observa o relatório do Perfil Sociodemográfico da Magistratura Brasileira 2018[3], divulgado em setembro pelo CNJ. O documento indica que 37% dos 11.348 juízes que participaram da pesquisa são mulheres, sendo que, no primeiro patamar da carreira, o de juiz substituto, 44% são mulheres, percentual que vai diminuindo substancialmente quando se trata de progressão, pois 39% são juízas titulares, 23%, desembargadoras, e somente 16%, ministras de tribunais superiores.

Kristalina Georgieva, diretora-geral do Banco Mundial, no relatório Mulheres, empresas e o direito 2018, afirma que “nenhuma economia pode atingir seu pleno potencial sem a plena participação de homens e mulheres. As mulheres, que representam metade da população mundial, têm um papel igual ao dos homens na promoção do crescimento econômico”[4].

Nesse panorama, cumprindo seu principal papel constitucional de pensar e instituir políticas públicas voltadas ao incremento do Poder Judiciário, e observando a assimetria na ocupação de cargos entre homens e mulheres, o CNJ editou a Resolução 255/2018 para que seja observada por todos os ramos e unidades do Poder Judiciário, bem como por associações de juízes, de forma a estimular a participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento, bancas de concurso e eventos institucionais, como estabelece o artigo 2º desse instrumento normativo.

As associações de magistrados já se encontram sintonizadas no objetivo de concretização dessa política nacional. Mas muito ainda há que se fazer. Somente a Anamatra[5] contou com presidentes mulheres à frente de sua associação nacional até o momento: Ilce Marques de Carvalho (1989-1991), Maria Helena Mallmann Sulzbach (1995-1997) e Beatriz de Lima Pereira (1997-1999). Nenhuma mulher presidiu, ainda, a Ajufe[6] e a AMB[7], e há quase 20 anos não há uma mulher na presidência da Anamatra novamente.

Virgínia Woolf disse: “(..) o que é uma mulher? Juro que não sei e duvido que vocês saibam. Duvido que alguém possa saber, enquanto ela não se expressar em todas as artes e profissões abertas à capacidade humana”[8]. Há muito a se dizer e fazer para que as assimetrias sejam corrigidas e as distâncias entre homens e mulheres sejam superadas também no Poder Judiciário. Somente mediante iniciativas voltadas à concretização desses objetivos é que se pode vislumbrar a efetiva igualdade estabelecida pela Constituição.

Não há lugar para o silêncio sobre o tema, mas, sim, voz e ação.

[1] MELLO FILHO, José Celso de. Ministro do STF quer uma mulher na suprema corte. Entrevistador: Nelson de Sá. Folha de S.Paulo, 18 nov. 1996. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaPastaMinistro&pagina=CelsoMelloEntrevistas. Acesso em 17/1/2019.
[2] NUNES, Fernanda. Cármen Lúcia diz sofrer preconceito por ser mulher e pede Constituição em defesa das minorias. Estadão, 12 nov. 2018. Disponível em <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sofro-preconceito-por-ser-mulher-afirma-ministra-carmen-lucia,70002605290>. Acesso em: 15/11/2018.
[3] Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros 2018. Disponível em: www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/49b47a6cf9185359256c22766d5076eb.pdf. Acesso em 17/1/2019.
[4] GEORGIEVA, Kristalina. Mulheres, empresas e o direito 2018: principais resultados. Disponível em: <http://pubdocs.worldbank.org/en/765311526311864489/WBL-Key-Findings-Portuguese-Print-05-10.pdf>. Acesso em 21/11/2018. p. 4. Trata-se da quinta edição de relatórios bienais que “medem diferenças de gênero no tratamento jurídico”.
[5] https://www.anamatra.org.br/anamatra/galeria-de-presidentes
[6] https://www.ajufe.org.br/ajufe/galeria-de-presidentes
[7] http://www.amb.com.br/conheca-a-amb/?doing_wp_cron=1547763318.2238020896911621093750
[8] WOOLF, Virgínia. Profissões para mulheres e outros artigos feministas. Tradução de Denise Bottmann. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2018.”

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