Artigo publicado na Folha de São Paulo
site: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/01/trabalho-escravo-uma-realidade-persistente.shtml
LUCIANO
FROTA
Trabalho escravo: uma realidade
persistente
Houve avanços no combate, mas
prática resiste no Brasil
Luciano Frota
Em memória dos três
auditores-fiscais assassinados em 28 de janeiro de 2004, devido a inspeções
para apurar denúncias de trabalho escravo em fazendas da região de Unaí (MG), o
Brasil consagrou a data como “Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo”.
O nosso país carrega na sua
história a mancha indelével de um longo passado de escravidão legalizada, cuja
abolição formal, ocorrida em 1888, não foi suficiente para romper os grilhões
da indignidade, da indiferença e da marginalidade social. Mais de cem anos se
passaram e ainda estamos lutando para livrar do cativeiro mulheres e homens
trabalhadores que são explorados, à luz do dia, pelos “senhores de engenho” do
século 21.
Mesmo sendo signatário das
Convenções 29 e 105 da OIT, somente em 1995 o país acordou para o problema,
forçado por pressões sociais e por denúncia formulada perante a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, em razão da morte de um trabalhador rural e
de outro ferido ao tentarem fugir da Fazenda Espírito Santo, no Pará, onde 60
pessoas foram flagradas submetidas a trabalhos forçados e em condições
desumanas (Caso 11.289).
É certo que a partir daí
muitos avanços foram alcançados, sobretudo em razão de providências efetivas
que passaram a ser adotadas pelos Ministérios do Trabalho e dos Direitos
Humanos, bem como pelos Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, que, em
parceria com diversas outras instituições, formaram uma corrente de combate a
essa chaga de indignidade, instituindo, dentre outras medidas, os chamados
Grupos Móveis de Fiscalização.
No período de 1995 a 2018,
mais de 2.000 operações de fiscalização foram realizadas, e cerca 53 mil
trabalhadores foram resgatados da condição de escravo. Ainda que retratem apenas uma amostragem do
cenário de desumanidade que ainda persiste nos campos e cidades do país, são
números que impressionam e reforçam a necessidade de se prosseguir com as ações
de combate.
Na seara legislativa, o
grande marco histórico na luta pela erradicação dessa chaga social foi a
alteração trazida pela Lei 10.803/2003 ao artigo 149 do Código Penal, que
atualizou o conceito de escravidão contemporânea, não mais limitando-o à
privação da liberdade de locomoção, mas estendendo a sua tipificação para casos
de aviltamento explícito da dignidade humana, em que trabalhadores são expostos
a condições degradantes de trabalho, com jornadas exaustivas ou mesmo forçados
por dívidas com o patrão.
Importante ressaltar que o
Brasil, além dos compromissos internacionais, tem uma Constituição pactuada sob
os pilares do respeito à dignidade da pessoa humana e ao trabalho como valor
social. É dever do Estado não se omitir quanto ao combate a todas formas de
trabalho indigno, em especial àquele tipificado como análogo à condição de
escravo. E o dia 28 de janeiro deve servir exatamente para alertar as
autoridades públicas do país que a escalada do trabalho escravo persiste,
resistente, matando e mutilando seres humanos, segregando sonhos e coisificando
pessoas.
A liberdade é direito
inalienável do ser humano; não há liberdade sem garantia de dignidade; não há
dignidade sem justiça social; e sem liberdade, sem dignidade e sem justiça
social não há democracia.
Luciano
Frota
Presidente do Comitê Nacional
Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de
Escravo e ao Tráfico de Pessoas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)
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