PEC 55 e a Justiça do Trabalho: escolha seu
apelido
Por
Rodrigo Trindade
Apelido é
coisa séria no Brasil. Não tem país que dê mais importância para alcunhas que o
nosso. E não só para pessoas, também acontecimentos: golpe de 64 ou redentora,
Revolução Federalista ou Revolta da Degola, apelidamos fatos históricos
conforme nossa interpretação de causas e, principalmente, das consequências.
A gente
acompanha meio de longe manifestações pro e contra a PEC 55 (PEC 241 na Câmara
dos Deputados), mas alguns cognomes já aparecem: PEC do Fim do Mundo, PEC do
Teto, PEC da Salvação, PEC da Maldade. Em alguns anos estará batido o martelo
para o melhor apelido, mas por enquanto podemos pensar nas atuais causas das
opções de nomes.
A medida,
planejada pelo atual governo, limita o aumento das despesas federais à inflação
apurada pelo IPCA. Os ministros do Planejamento e Casa Civil — bem apoiados no
Congresso — falam de agudo desequilíbrio fiscal, com efeito de déficit de até
R$ 170 bilhões anuais. De fato, a dívida pública já alcança quase 80% do PIB e
só a PEC para oferecer “salvação” a tamanho descontrole.
Os
movimentos sociais argumentam que o projeto privilegia pagamento de dívidas,
achata salário mínimo e benefícios previdenciários, condena os serviços
públicos ao sucateamento e pode extinguir saúde e educação pública da forma
como as conhecemos hoje. Daí que carrega todos para o “Fim do Mundo”.
Amplas
análises conjunturais são tarefas para políticos, economistas e palpiteiros de
egos bem mais inflados. Mas podemos fazer pequena reflexão sobre os efeitos no
"mundinho” da Justiça do Trabalho, caso a PEC (recorte e cole aqui sua
alcunha preferida) seja aprovada.
O momento
de referência de orçamento da Justiça do Trabalho é o pior da história. No
começo do ano, tivemos demolidor corte na peça orçamentária. Um deputado muy
amigo achou que cumpríamos bem demais nossas tarefas e, para estrangular e
mandar repensar, decepou vários milhões de reais. Só não fechamos as portas, em
razão de aporte emergencial no segundo semestre. Na forma como está a proposta,
o orçamento “congelado” é o do começo do ano, sem nem mesmo a complementação
que nos permitiu encerrar o ano respirando.
A
restrição geral de despesas primárias usa chicotinho e roupa de vinil. A PEC 55
estabelece limitação de todos os gastos do Judiciário Trabalhista e impõe
concorrência entre diversas rubricas do orçamento. Algo do tipo “quem corta
mais”. Chegará um tempo em se que haverá de optar entre pagar a conta de luz ou
os contratos dos terceirizados.
Todos
sabemos do permanente crescimento de ajuizamentos de ações trabalhistas. Só em
Porto Alegre, a cada ano há 5% a mais de processos e faz muito tempo que não
vemos criação de varas e cargos de juízes. O congelamento orçamentário impede
que estrutura minimamente acompanhe demanda. Ou seja, os processos ficarão mais
longos, capengas e ineficazes.
Cumprir a
Constituição devia ser coisa séria. O comprometimento geral dos direitos
sociais previstos no artigo 6º é difícil de ser cogitado, não só porque pagar
tanto imposto, e ter menos retorno a cada ano, é duro de engolir, como em razão
de afrontar objetivos fundamentais da República. Ocupamos um vergonhoso 75º
lugar no ranking de desenvolvimento humano da ONU e a tendência é ir ladeira
abaixo. Chegar em 2036 com dívida zerada e população miserável é — como disse
Leandro Karnal — salvar o Titanic apenas para aportar em Nova Iorque com todos
os passageiros mortos.
Esse
mecanismo de compensação de gastos tem outras perversidades. Com a limitação
geral de despesas, e para suportar demandas urgentes, gera-se opção de cortes
em outros setores, como previdência pública. A Reforma Previdenciária que se
aproxima (qual será o apelido?), com seus novos instrumentos precarizantes,
gera tendência de agravamento para os funcionários públicos.
Especialmente
preocupa essa monologia utilitarista. A Justiça do Trabalho é instrumento de
civilização, cumpre função de distribuição de direitos fundamentais, injeta
recursos na microeconomia, segura a onda de conflitos entre capital e trabalho
e restringe a marginalização. Nada disso é coisa para ser medida em planilhas
de fluxo de caixa.
Mas se o
economicismo financista é como o anel de Sauron do Senhor dos Aneis (my
precious!), o corte de estrutura é ainda um baita erro. Em artigo recente, o
juiz Daniel Nonohay e eu mostramos como a Justiça do Trabalho Brasileira dá
lucro para todo o país (leia aqui), mas aí vai um dado de paróquia: o orçamento
do TRT do Rio Grande do Sul em 2015 foi de R$ 1,46 bilhão. Os valores pagos em
condenações e acordos foi maior: R$ 1,77 bilhão. A isso somam-se R$ 297,7
milhões em arrecadações e outros muitos milhões em imposto de renda e
contribuições previdenciárias sobre salários de funcionários e magistrados. Não
há sentido — nem mesmo financeiro — em cortar estrutura de órgão que arrecada e
enche os cofres da União.
Berthold
Brecht, o dramaturgo alemão, já disse que há nada mais simplista e errado para
fugir de uma discussão que dizer que algo é indeclinável, inexorável. Muita
gente séria cita medidas substitutivas à PEC, a partir da ideia de preservar
não apenas o navio, mas essencialmente os passageiros. Fala-se de restringir
excessivas benesses ao capital financeiro, repensar renúncias fiscais,
estabelecer teto para pagamento de juros, aumentar o número de faixas-alíquota
de imposto de renda, combater efetivamente corrupção e sonegação de impostos,
taxar dividendos remuneratórios de sócios de empresas, auditar a dívida
pública. Enfim, há diversas alternativas à sedução simplista da guilhotina
decepatória de quem já recebe tão pouco do Estado.
Em 30
anos, a PEC 55 terá seu apelido consolidado. Mas, é claro, para isso, teremos
de estar por aqui. E respirando.
Rodrigo Trindade é Juiz
do Trabalho da 4ª Região – Rio Grande do Sul e presidente da Associação dos
Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (AMATRA IV).
O artigo também foi publicado no CONJUR: http://www.conjur.com.br/2016-nov-16/rodrigo-trindade-pec-55-justica-trabalho-escolha-apelido?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook
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