CARTA
ABERTA DA ABRAT AO MINISTRO IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO
A Justiça do Trabalho e o Direito
do Trabalho continuam vítimas de ataques, que são contínuos e permanentes, a
indicar que estão sintonizados. E vem por todos os lados. Executivo.
Legislativo. Mídia. Todos em orquestra. Agora, de dias para cá, também se vêm
atacados pelo próprio Judiciário.
Nesse triste contexto,
sobreleva-se a entrevista concedida ao jornal o Estado de S. Paulo nesse
domingo (30.10.2016), pelo Presidente do TST, Ives Gandra da Silva Martins, em
que este reverbera a mácula costumeiramente pespegada à Justiça do Trabalho, a
de superproteger o trabalhador. E o faz com as seguintes palavras: - "O
que eu sei é que a taxa de improcedência total é muito baixa”; - “Sempre que o
trabalhador entra na Justiça, ganha alguma coisa.”; - “Na pior das hipóteses, consegue
um acordo.”; - “Às vezes, ele não tem razão nenhuma, mas só de o empregador
pensar que vai ter de enfrentar um processo longo, que vai ter de depositar
dinheiro para recorrer, acaba fazendo um acordo quando o valor não é muito
alto. Isso acaba estimulando mais ações".
Com esses conceitos, imputou a
inconstitucional pecha de parcialidade (pelo menos, se não for algo muito mais
grave) aos magistrados trabalhistas, juízes que entendíamos e ainda entendemos
serem sérios, imparciais e honestos. Mas esse é assunto a ser debatido e
resolvido internamente.
Quanto a advocacia trabalhista, a
ABRAT está autorizada a objurgar tal pronunciamento, porque desaceita a mácula
da inescrupulosidade, a de patrocinadores de ações em que os trabalhadores “não
tem razão nenhuma”. Os advogados trabalhistas, independente da parte que
defendam, exercem patrocínio honesto, coerente com seu dever ético, mas
compromissados com sua função social, em especial o dever/prazer de defender o
estado democrático de direito. E sabemos que isso incomoda, notadamente a quem
não gosta de cumprir as leis nacionais.
Na entrevista, o eminente
Presidente do TST adota a “presunção geral da má-fé”, de que os trabalhadores
ingressam com ações trabalhistas, mesmo sem “razão nenhuma”, ou seja, para se
locupletaram ilicitamente, em destampada agressão à dignidade, à honra e à
imagem de cada trabalhador e trabalhadora desse País.
Estranhamente, o Ministro
Presidente nada disse acerca do baixo índice de cumprimento espontâneo do
direito material trabalhista pelos destinatários de seus comandos normativos. E
omitiu – embora saiba – que esse alto índice de inadimplência advém do fato de
que, absurdamente, no Brasil é mais vantajoso ser condenado na Justiça do
Trabalho do que cumprir as leis e pagar de forma espontânea. Daí surge o ditado
de que o empregador ganha mais com “ações” na Justiça do que com “ações” na
Bolsa de Valores.
O Ministro Ives destaca na
referida entrevista a atitude do empregador em celebrar acordo para deixar de
enfrentar uma demanda judicial. Entretanto, silencia a respeito do fenômeno
denominado pelos processualistas contemporâneos de litigiosidade contida, em
que os titulares dos direitos trabalhistas lesionados deixam, pura e
simplesmente, de ingressar com ações. E não revelou que, regra quase absoluta,
os acordos são danosos aos trabalhadores, que os aceita por desespero, senão
por fome, que os proíbe de suportar demanda por dezenas e dezenas de anos.
Esses acordos predatórios aos
direitos e à paz social emergem da falta de efetividade da tutela jurisdicional
trabalhista, vez que esta torna extremamente vantajoso para grande número de
empregadores, do ponto de vista econômico-financeiro, descumprir as mais
elementares obrigações trabalhistas, criando uma verdadeira "cultura do
inadimplemento", em regime de concorrência desleal com a parcela ainda
significativa dos empregadores que cumprem rigorosamente suas obrigações
trabalhistas, legais e convencionais.
A questão crucial, relacionada ao
alto número de ações trabalhistas, omitida pelo Presidente do TST, mas que não
pode deixar de ser enfrentada pela sociedade, reside na falta de efetividade ou
concretude dos direitos sociais.
Como bem dito pelo Ministro do
TST José Roberto Freire Pimenta: "Quanto mais efetiva a máquina
jurisdicional, menos ela vai ter que atuar concretamente, no futuro ou a médio
prazo. Simetricamente, quanto mais os destinatários das normas jurídicas souberem
que só lhes resta cumprir a lei, por absoluta falta de melhor alternativa,
menos será necessário o acionamento da máquina jurisdicional e maiores eficácia
e efetividade terão as normas jurídicas materiais. Quanto mais eficaz for a
jurisdição, menos ela terá que ser acionada. Enquanto o direito processual do
trabalho e o Poder Judiciário trabalhista não forem capazes de tornar
antieconômico o descumprimento rotineiro, massificado e reiterado das normas
materiais trabalhistas, os Juízes do Trabalho de todos os graus de jurisdição
continuarão sufocados e angustiados pela avalanche de processos individuais,
repetitivos e inefetivos."
Como vocifera a Juíza Valdete
Souto Severo, a Justiça do Trabalho: "E o ultimo reduto do trabalhador
despedido sem nada receber, assediado, doente, explorado em suas horas de vida,
sem qualquer contraprestação. A Justiça do Trabalho é o local em que alguns
direitos ainda se realizam, num contexto em que a ausência de proteção efetiva
contra a despedida torna o exercício dos direitos trabalhistas no ambiente de
trabalho uma mentira. Que a ataquem os civilistas, os comercialistas, os
empresários, pôde-se até compreender. É mais difícil assimilar o golpe, quando
o ataque vem do próprio TST, sob o pretexto de uma falsa modernização, na qual
a palavra de ordem e a livre negociação entre as partes e a fragilização das
entidades sindicais.”
Destarte, o caminho da
efetividade dos direitos sociais perpassa pelo fortalecimento, e não pela
degradação, da Justiça do Trabalho. E como proclamado por Paulo Bonavides:
"Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar jamais a
"sociedade livre, justa e solidária" contemplada constitucionalmente
como um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do
Brasil."
A ABRAT sabe, Ministro
Presidente, que a história é escrita pelos vencedores. Embora alguns digam que
estamos a viver um período “após o fim”, não atingimos o tempo de canícula a
ponto de tornar invisíveis os vencidos. E a Advocacia Trabalhista cuida da
emancipação, entendo-a como uma maneira de viver enquanto iguais no mundo das
desigualdades.
Por isso, o advogado age numa
perspectiva de progressividade e não na linha do absurdo e da regressão.
Essas posturas exigem condutas
dignas e honestas.
A ABRAT o afirma e pede que o
Ministro Presidente do TST tome nota: a advocacia trabalhista atua nessa faixa,
honestamente dignificando a paz social e o pratica, limpa e abertamente, no
campo próprio, o da Justiça Social cuja sede é ou deveria ser a Justiça do
Trabalho, cujos magistrados, como nós, agem com respeito, correção de caráter e
zelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário