Justiça do Trabalho. Não deu certo?
Os sucessivos e orquestrados ataques ao
Judiciário Trabalhista e aos seus membros, nesse crítico momento político,
econômico e social pelo qual o país vem passando, nos impele à reflexão
acerca do papel da Justiça do Trabalho e seus objetivos no futuro.
Em
visão obtusa e distorcida da realidade, alguns representantes da classe
política têm elevado bravatas contra a atuação dos membros do Judiciário
Trabalhista e suas decisões “tendenciosas” em desfavor do empresariado, destacando,
como premissa inadequada e perigosa, os elevados gastos para o regular
funcionamento da estrutura do judiciário laboral nacional, frente à parcial
arrecadação dos recursos necessários para sua autossuficiência.
Mas
tal assertiva não se sustenta a partir de um olhar mais acurado sobre a
questão.
O Judiciário Trabalhista é um dos mais
operosos segmentos da Justiça Nacional, tendo recebido, só em 2015, segundo o
“Justiça em Números”, 4.058.477 casos novos, e solucionado neste mesmo ano
4.202.528 processos.
Considerada a bipolaridade característica das
relações processuais (dado que sempre haverá, no mínimo, duas pessoas
interessadas no desfecho de cada processo), foram mais de 8.000.000 de pessoas
atendidas diretamente, sem contar o efeito que uma demanda judicial resolvida a
contento surte em relação a toda a comunidade.
No mesmo anuário constata-se que o número de
novos casos judicializados nos ramos Estadual,
Federal, Eleitoral e Militar do Poder Judiciário sofreu retração, enquanto somente no Judiciário
Trabalhista houve uma constatada elevação. Ora, em tempos de demissão em massa
de trabalhadores, efeito direto das crises econômica e social experimentada no
país espera-se, por óbvio, um número crescente de demandas ajuizadas por
trabalhadores que deixaram de gozar de direitos
previstos em lei.
O viés meramente econômico apontado
equivocadamente como justificativa para a
contestação da Justiça do Trabalho não pode ser pedra fundamental para medir a
eficiência de qualquer órgão público – cujo objetivo, por óbvio, não é “dar
lucro”. Necessário observar os resultados práticos produzidos na vida daqueles
que recorrem à proteção do Estado e se socorrem da tutela jurisdicional para
tanto, especialmente quando do outro lado da demanda há uma força desproporcionalmente superior, como a ostentada pelo Capital.
Com todo respeito aos que pensam diferente, há um grande desvio de
perspectiva levado a efeito pelos detratores da Justiça do Trabalho. Quem
considera o valor de um dos ramos do Poder Judiciário apenas pelo custo
financeiro que ele pode representar, incorre no pecado utilitarista que já foi
defendido por Jeremy Bentham, para quem aprisionar mendigos para livrar as
demais pessoas do constrangimento de vê-los em praça pública seria algo
perfeitamente aceitável, porque no final das contas haveria mais gente
satisfeita por não se deparar com famintos maltrapilhos em ambientes públicos,
do que descontentes pela injusta prisão a eles imposta.
Os que pretendem aferir a “utilidade” da Justiça do Trabalho, pelo
prisma do custo financeiro por ela representado, desconsideram o valor maior
por ela tutelado, que é a dignidade do próprio trabalhador. Assim como não é
possível monetizar a prestação jurisdicional que regula a guarda de uma criança
ou decreta a prisão de um malfeitor - porque o que importa é o bem-estar do
vulnerável e a tranquilidade da sociedade -, também o deferimento do aviso
prévio descumprido ou da indenização pela sequela acidentária não pode ser
mensurado pelo custo do serviço judiciário prestado, porque também aqui o que
se visa é a tutela do hipossuficiente, a sua dignidade em última análise.
A legislação trabalhista pátria determina, em
vários preceitos constitucionais pétreos, um tratamento não uniforme entre o
trabalhador que demanda e o detentor do poder econômico, pois o legislador há
muito percebeu a desigualdade entre as partes numa demanda trabalhista,
incluindo normas para o restabelecimento do equilíbrio jurídico entre elas.
Caso assim não ocorresse, fatalmente não se
faria justiça.
E isso não é privilégio somente da legislação
trabalhista. As normas que regulam a relação de consumo também possuem
vertentes protetivas ao consumidor hipossuficiente. O estatuto da criança e do
adolescente também atua de forma a proteger os mais vulneráveis, o mesmo
ocorrendo com outros diplomas legais que regulam relações jurídicas marcadas pela disparidade de
forças.
Já
o Judiciário Trabalhista tem demonstrado sua eficácia e eficiência quando
objetivamente é o que mais realiza justiça social, devolvendo dignidade aos
trabalhadores, provendo-os de recursos alimentares e punindo os descumpridores
da Lei de forma célere e adequada, sem se afastar dos desígnios previstos na
Carta Cidadã de 1988.
Ademais, como assim também entenderam os
parlamentares constituintes de 1988, a própria existência da Justiça do
Trabalho se faz imprescindível para a pacificação de conflitos relacionados ao
trabalho e aplicação da legislação nacional vigente, sem a qual teríamos um
retrocesso histórico de degradação do trabalho e exploração humana desmedida.
A Justiça do Trabalho, como órgão de aplicação da
legislação laboral, não pode ser taxada como vilã em um processo de retomada
econômica do país, uma vez que representa verdadeira proteção de direitos
conquistados pelos trabalhadores em décadas de luta contra abusos patronais.
Devemos, por evidente, ter uma Justiça do
Trabalho forte, moderna e apta aos novos desafios que se impõem na atualidade,
com vistas a fortalecer a democracia e a solidificar a
confiança dos jurisdicionados nesse ramo especial do judiciário; que
certamente não se furta em se modernizar, em evoluir, mas não pode aceitar os
injustos ataques de que vem sendo vítima.
Ao contrário do que pensam
alguns, o Judiciário Trabalhista não foi estruturado para atender apenas ao trabalhador,
mas à relação capital-trabalho. Sua principal função não é tutelar o
trabalhador, propriamente, mas civilizar o confronto natural entre os que
trabalham e os que precisam do trabalho de outrem, o que, ao contrário do que
proclamam os desavisados, deu e dará sempre muito
certo!
LORIVAL
FERREIRA DOS SANTOS
Desembargador
Presidente do Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho –
COLEPRECOR e do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região
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