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Na última quinta-feira (4),
participei de debate acerca da Reforma Trabalhista, mediado pelo jornalista
Kennedy Alencar (SBT), juntamente com o relator da reforma na Câmara dos
Deputados, Rogério Marinho (PSDB-RN), com a assessora-chefe da Assessoria
Especial da Casa Civil da Presidência da República, Martha Seillier, com o
economista Helio Zylberstajn, professor da FEA/USP e conselheiro da FIESP, com
o assessor especial do Ministério do Trabalho e chefe de gabinete substituto do
Ministério, Admilson Moreira dos Santos, e com o presidente da Associação
Brasileira de Advogados Trabalhistas, Roberto Parahyba.
Sobre a Reforma Trabalhista, você
sabe, nós já tratamos por aqui. Apresentei aos telespectadores, na ocasião, as
ideias que venho há meses defendendo; e, em particular, a tese de que, por
razões óbvias ─ com as quais inclusive assentiu o Professor Zylberstajn ─, a
reforma sindical haveria de ser feita antes de qualquer reforma trabalhista que
pretendesse privilegiar o negociado sobre o legislado, como é esta que caminha
a passos largos (aprovada na Câmara dos Deputados há pouco mais de duas
semanas, já tramita no Senado da República como PLC n. 38/2017, estando desde 4
de maio com o relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos, o Senador
Ricardo Ferraço, do PSDB/ES).
Evidentemente, houve
resistências. As mais enfáticas foram exatamente as do Deputado Rogério
Marinho, que, entre outros vários argumentos, repetiu dois bem conhecidos e
perniciosos. O primeiro, de que aqueles que detratam a “sua” reforma
trabalhista não agem com a razão e são como o homem da caverna do mito de
Platão: precisam “ver a luz” (na verdade, um modo pouco sutil, irônico e
deselegante de atrelar aos seus adversos, sub-repticiamente, a imagem de
“atrasados”, “antiquados”, verdadeiros “homens das cavernas”). O segundo, de
que o PL n. 6.787/2016 ─ agora PLC n. 38/2017 ─ não reduz quaisquer direitos
trabalhistas. Você pode assistir a íntegra do debate, ou suas principais
passagens.
Pois bem. Sabem os mais atentos
que a minha intenção, nesta semana, seria tratar do temerário PLS n. 280/2016
(que, a propósito, já evoluiu positivamente). No entanto, o relator do PL n.
6.787/2016 foi tão insistente e enfático quanto àqueles dois “poderosos”
argumentos ─ o do mito da caverna e o da inocorrência de perda de quaisquer
direitos ─, que me vejo no dever de prestar a você, leitor desta coluna, alguns
esclarecimentos a respeito. E é o que farei a partir de agora.
Tal como fez no debate da última
quinta-feira, o Deputado Rogério Marinho já afirmou textualmente à comissão
especial da Câmara dos Deputados, em 14/2 último, o seguinte: “É possível dizer
que nenhum direito da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) vai ser retirado
do trabalhador” (g.n.). Pois bem. Se, em uma prova objetiva (do tipo
“verdadeiro” ou “falso”), você, leitor, se deparasse com a afirmação de que “o
PL n. 6.787/2016 não retira direitos do trabalhador”, o que caberia responder,
para se conseguir o ponto da questão? Afirmação “verdadeira” ou “falsa”?
Nem sempre as certezas, no campo
jurídico, são autoevidentes. Arthur KAUFMANN, em sua multicitada “Filosofia do
Direito”, já nos ensinava que o Direito não é substância, mas relação. Dito de
outro modo, “os conhecimentos [jurídicos] têm de se encontrar numa congruência
de fundamentos […] e […] têm de ser verificáveis (o que não significa que
tenham de ser logicamente necessários; nas ciências normativas a verificação
surge no discurso, que, por certo, nem sempre conduz ao consenso […], mas pode
pelo menos conduzir a uma validade intersubjectiva, uma susceptibilidade de
consenso)”[1].
De fato, assim é. Neste caso,
porém, nem a melhor retórica pode afastar a verificação do fato objetivo, que
nos conduz a uma única resposta possível: aquela afirmação é rigorosamente
falsa.
Pretendo demonstrá-lo a partir de
duas perspectivas, entre várias outras possíveis: a perspectiva da duração do
trabalho (com seus limites, intervalos e adicionais) e a perspectiva da
subcontratação (aqui, para simplesmente retomar as ideias da coluna anterior).
A rigor, essa demonstração poderia ser feita a partir de diversas outras
abordagens (como, p. ex., sob a perspectiva da remuneração, sob a perspectiva
da responsabilidade patrimonial do empregador, sob a perspectiva do meio
ambiente de trabalho, sob a perspectiva do direito à indenidade, sob a
perspectiva das garantias do processo do trabalho etc.). Mas, ante os próprios
limites desta coluna, ater-nos-emos àquelas duas únicas dimensões. E já terá
sido demais.
Primeiro, quanto à duração do
trabalho.
Desde logo, interessa lançar um
breve olhar sobre o penúltimo artigo do PL n. 6.787/2016, porque ali estão as
mais explícitas retiradas de direitos. O artigo 5º do projeto revoga, sem mais
─ e entre outros ─, os §§3º e 4º do artigo 58 e o artigo 384 da CLT. Com a
revogação dos primeiros, desaparece da legislação brasileira a figura das horas
“in itinere”, ou horas de trajeto, que acrescem à jornada do trabalhador,
porque representam tempo à disposição do empregador (art. 4º da CLT). Com a
revogação do segundo, desaparece o direito de toda trabalhadora descansar, por
quinze minutos, antes do início da sua jornada extraordinária.
Com efeito, pelo teor atual do
parágrafo 2º do artigo 58 da CLT, “[o]
tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno,
por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho,
salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por
transporte público, o empregador fornecer a condução” (g.n.); e é assim porque,
se o local é de difícil acesso ou não está servido por transporte público, o
fornecimento da condução interessa ao próprio empregador, para que seus
empregados cheguem aos postos de trabalho a tempo e modo. Não havendo opção,
ademais, resta claro que o empregado está à disposição do empregador, porque
não poderá “escapar” da sua imediata ingerência, a não ser que se arrisque a
perder o horário ou mesmo o dia de trabalho. Não há nisto nenhuma novidade, a
rigor. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho há muito havia
percebido esse excepcional estado de disponibilidade laboral, firmando a tese
da adução do tempo à jornada no longínquo ano de 1978, com a publicação da
Resolução Administrativa n. 80, em 10 de novembro daquele ano. Mais tarde,
diante do inescusável direito que derivava do fornecimento patronal de condução
para empregados que não pudessem acessar regularmente o transporte público, o
próprio legislador incorporou essa interpretação à lei, refazendo o parágrafo
2º do artigo 58 (Lei n. 10.243, de 19.6.2001). São, portanto, quase quarenta
anos de um direito de base legal (na origem, derivado do artigo 4º, e, agora,
textual no artigo 58, §2º, CLT), que simplesmente desaparecerá. Repito: um
direito trabalhista legalmente previsto desde 2001, e que já se reconhecia, a
partir da interpretação do artigo 4º da CLT, desde 1978, será expurgado, sem
mais, com a entrada em vigor do texto do PL n. 6.787/2016. Como, portanto,
afirmar, em sã consciência, que “não se retiram direitos”?
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O mesmo se diga do artigo 384 da
CLT, ao prever, para as mulheres, que, “[e]m caso de prorrogação do horário
normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do
início do período extraordinário do trabalho”. Sobre a bondade ou oportunidade
desse direito, poderíamos dedicar toda uma coluna. Fato é que o Tribunal
Superior do Trabalho abonou-o, para as mulheres, sem o estender aos homens
(TST, IIN-RR-1.540/2005-046-12-00, TP, j. 17.11.2008). O STF inicialmente
confirmou o entendimento do TST (RE n. 658.312-SC, rel. Min. DIAS TOFFOLI, onde
o relator ponderava que “o discrímen, na espécie, não viola a universalidade
dos direitos do homem, na medida em que o legislador vislumbrou a necessidade de
maior proteção a um grupo de trabalhadores, de forma justificada e
proporcional”); e, posteriormente, reabriu a discussão, sem a resolver até o
presente momento. Poderá ou não manter o direito; como poderemos nós, do ponto
de vista ético, sociológico ou econômico, discutir a sua pertinência. É
indiscutível, porém, que tal direito existe, para todas as trabalhadoras
regidas pela CLT, conforme decidiu o próprio TST; e, enquanto não se pronunciar
o STF, a lei obviamente gozará de presunção de constitucionalidade. Pois bem:
este direito também desaparece, a despeito do juízo que lhe reserve o STF, tão
logo se aprove o texto do PL n. 6.787/2016. E não se retiram direitos?
Esses talvez sejam os casos mais
explícitos, porque derivam de uma regra de revogação expressa. Há mais, porém.
Bem mais. E bem mais grave.
Falando ainda em jornada, é certo
que, atualmente, qualquer trabalhador de home office que puder ter sua jornada
controlada, seja por meio de sistemas de login/logout, seja por meio de
relatórios de atividade, seja mesmo por monitoramento eletrônico direto, tem
direito a horas extraordinárias. Sendo teletrabalhador subordinado, faz jus a
todos os direitos trabalhistas típicos, nos termos do atual artigo 6º,
parágrafo único, da CLT; e, não estando excluído do regime de limitação de
jornada, estará sujeito a uma jornada de oito horas diárias (limitadas a
quarenta e quatro horas semanais) e fará jus ao adicional de horas
extraordinárias para os excessos. Aprovado o texto do PL n. 6.787/2016, esse
direito igualmente desaparece, porque os teletrabalhadores passam a integrar,
sem mais, o rol dos empregados que não se sujeitam a qualquer limitação de
jornada (art. 62, III, da CLT, na redação do projeto).
Da mesma maneira, como dizíamos
há pouco, a Consolidação das Leis do Trabalho atualmente prevê, no seu artigo
4º, considerar-se como de serviço efetivo todo aquele período em que “o
empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens”.
Logo, se tem de aguardar ordens ─ e isso obviamente restringe as suas
possibilidades de deslocamento, a não ser que se arrisque a perder o emprego ─,
esse tempo se agrega à sua jornada, para quaisquer efeitos (inclusive
remuneratórios). O PL n. 6.787/2016 cria, no entanto, a figura do trabalhador
intermitente, assim entendido aquele cuja “prestação de serviços, com
subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de
prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses,
independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador” (art. 443, §3º, CLT, na redação do projeto).
Em tais casos, o empregado deverá ser convocado para trabalhar, mediante
“comunicação eficaz”, que lhe dirá qual será a jornada a executar (se houver
alguma) com “pelo menos” três dias de antecedência. E, nesse caso, “o período
de inatividade não poderá ser considerado tempo à disposição do empregador”
(art. 452-A, §5º, CLT, na redação do projeto).
Imagine, querido leitor, que você
celebre com seu empregador um “contrato de trabalho intermitente”; e imagine
que, em tempos de desemprego (como o atual, de 14 milhões de desempregados), já
não lhe reste nenhuma outra opção. Você sabe que, em determinada semana, devido
ao acréscimo de demanda do seu empregador (p. ex., as festas de fim de ano para
as lojas de shopping center), poderá ser chamado com “no mínimo” três dias de
antecedência, mediante “comunicação eficaz” (e-mail?), e que terá um único dia
útil para manifestar seu aceite. Você viajaria, ou visitaria algum parente
próximo, se isso lhe custasse mais que um dia de ausência? Ou você verificaria
todo dia, se não várias vezes ao dia, a sua caixa postal eletrônica, no aguardo
de “convocação” (= ordem)? Isto é algo muito semelhante ao que hoje se entende
por sobreaviso, com previsão no artigo 244, §2º, da CLT, e extensível a
qualquer trabalhador que tenha de permanecer em regime de plantão ou
equivalente, “aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço” (Súmula
n. 438 do TST). Ao fim e ao cabo, todos os trabalhadores que vierem a se sujeitar
à nova “modalidade” contratual estarão simplesmente excluídos de quaisquer
direitos remuneratórios resultantes do artigo 4º (= tempo de disponibilidade)
ou do artigo 244, §2º (= sobreaviso), ambos da Consolidação. Hoje, se
empregados forem ─ ainda que contratados como temporários, ou a tempo parcial
─, terão a possibilidade de fruir tais direitos.
Ainda quanto à jornada, é direito
de todo trabalhador, à luz do próprio artigo 7º, XIII, CF, ter a duração diária
do seu trabalho limitada a oito horas. A Constituição admite a flexibilização
desse direito, mediante contrapartidas adequadas; mas, em todo caso, por meio
de negociação coletiva (i.e., acordos e convenções coletivas de trabalho). Com
a aprovação do texto do PL n. 6.787/2016, entretanto, passa a ser possível
“negociar”, no plano individual, uma jornada de doze horas de trabalho por
trinta e seis horas de descanso, sem intervalo para descanso, e sem qualquer
necessidade da intervenção do sindicato. É o que está, textualmente, no artigo
59-A do projeto. Assim, p. ex., nada impedirá que, em determinada usina
sucroalcooleira, o empregador celebre, com todos os seus cortadores de
cana-de-açúcar, jornadas de 12 x 36 sem intervalos, mediante meros acordos
individuais, à míngua dos respectivos sindicatos profissionais. Com isto,
poderá inclusive manter dois turnos de corte, sucessiva ou espaçadamente, sem o
pagamento de quaisquer horas extras. E o corte manual de cana-de-açúcar
configura uma das mais penosas atividades laborais existentes no campo, às
raias da insalubridade, como dissemos na primeira análise aqui feita ao PL n.
6.787; veja-se, p. ex., o quanto decidido pelo TRF da 3ª Região nos autos da
Apelação Cível n. 2014.03.99.012749-4/SP, ou pelo TRT da 3ª Região nos autos do
Recurso Ordinário n. 0001644-21.2010.5.03.0033, ou ainda o próprio teor do PL
n. 234/2007, que tramitava pela Câmara dos Deputados.
Vale ainda uma última
consideração quanto à dimensão da duração do trabalho. Todos nós sabemos, e é
algo que está nas próprias origens do Direito do Trabalho, que os temas da
jornada de trabalho e dos intervalos laborais entroncam-se diretamente com a
questão da saúde e da segurança do trabalhador. Não por acaso, o Peel Act
(2.6.1802), considerado pelos historiadores a primeira lei propriamente
“trabalhista” do nosso tempo, tratava basicamente de limitar o trabalho diário
dos aprendizes a doze horas diurnas, excluindo as pausas para refeições (que
não podiam ser “indenizadas” por acordo individual, como agora admitirá o
artigo 59-A do projeto); chamou-se Peel Act em
homenagem a sir Robert Peel, então primeiro-ministro da Grã-Bretanha,
mas sua real denominação histórica era “Health and Morals of Apprentices Act”
(= “Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes”), e sua propositura deveu-se ao surto
de uma “febre maligna” que vitimou diversos aprendizes no ano de 1784,
especialmente na cidade de Radcliffe. E,
com efeito, dizia o texto original:
“We
earnestly recommend a longer recess from labour at noon, and a more early
dismission from it in the evening, to all those who work in the cotton mills:
but we deem this indulgence essential to the present health, and future
capacity for labour, of those who are under the age of fourteen; for the active
recreations of childhood and youth are necessary to the growth, vigour, and the
right conformation of the human body” (g.n.).
(Em tradução livre: “Recomenda-se
seriamente um recesso laboral mais longo ao meio-dia, e uma desconexão mais
precoce, à noite, a todos aqueles que trabalham nas fábricas de algodão; mas
nós consideramos que essa tolerância é essencial para a saúde atual e a futura
capacidade de trabalho de todos aqueles que têm menos de catorze anos; pois as
recreações ativas da infância e da juventude são necessárias para o
crescimento, o vigor e a correta conformação do corpo humano”).
Indiscutível, portanto, a
correlação entre duração de jornada e saúde do trabalhador (especialmente os
mais jovens), desde os primórdios do Direito do Trabalho. Como, ademais, hoje
reconhece placidamente, fora de qualquer dúvida razoável, a própria Organização
Internacional do Trabalho, de que o Brasil é Estado-Membro desde 1919.
Vejam-se, p. ex., os artigos 4º e 5º da Convenção n. 155, promulgada no Brasil
pelo Decreto n. 1.254/1994:
Artigo 4º. 1. Todo Membro deverá,
em consulta às organizações mais representativas de empregadores e de
trabalhadores, e levando em conta as condições e a prática nacionais, formular,
por em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em
matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho.
[…]
Artigo 5º. A política à qual se
faz referencia no artigo 4 da presente Convenção deverá levar em consideração
as grandes esferas de ação que se seguem, na medida em que possam afetar a
segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho: […] b)
relações existentes entre os componentes materiais do trabalho e as pessoas que
o executam ou supervisionam, e adaptação do maquinário, dos equipamentos, do
tempo de trabalho, da organização do trabalho e das operações e processos às
capacidades físicas e mentais dos trabalhadores; […] (g.n.).
Não é assim, porém, na “moderna”
visão do PL n. 6.787/2016. Pelo seu texto para o artigo 611-B, parágrafo único,
da CLT, estará dito que “[r]egras sobre duração do trabalho e intervalos não
são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os
fins do disposto neste artigo” (i.e., para fins de vedação da prevalência do
negociado sobre o legislado). E, já por isso, na linha mestra do negociado
sobre o legislado, o futuro artigo 611-A da CLT permitirá, entre outras coisas,
que, sem a necessidade de qualquer aval técnico do Ministério do Trabalho, de
auditores-fiscais do trabalho e/ou de médicos e engenheiros do trabalho, os
sindicatos profissionais “negociem”, com sindicatos patronais ou com empresas,
a piora das condições de trabalho em temas como intervalo intrajornada,
“respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis
horas” (inciso III), ou como enquadramento do grau de insalubridade, ou ainda
como prorrogação de jornada em ambientes insalubres, “sem licença prévia das
autoridades competentes do Ministério do Trabalho” (inciso XIII)…
Sinceramente, nada mais absurdo.
Diria, talvez, nada mais “cavernoso”. Retrocede-se em mais de duzentos anos.
E quanto à subcontratação de
serviços?
A esse respeito, vale tudo o que
antecipei na coluna anterior. Com a aprovação do texto atual do PL n. 6.787 ─
e, com ele, o do novel artigo 4º-A da Lei n. 6.019/1974, alterando a redação
que a Lei n. 13.429/2017 recentemente lhe atribuiu ─, a terceirização de
atividades-fim passa a estar legalmente autorizada, em qualquer hipótese (o
que, vimos, a Lei n. 13.429/2017 não conseguiu fazer). Nos termos do projeto,
admitir-se-á, como objeto lícito de qualquer empresa de prestação de serviços a
terceiros, “a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de
suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de
direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica
compatível com a sua execução” (g.n.). Como já demonstramos, tal modelo de
terceirização ampla e irrestrita fere de morte garantias constitucionais como a
isonomia (art. 5º, caput, CF), porque autoriza que, em uma mesma linha de
produção, haja trabalhadores desempenhando idênticas funções, mas percebendo
diferentes salários (afinal, poderão ter diferentes empregadores, entre os
quais não será possível estabelecer qualquer liame de equiparação salarial).
Também haverá burla à garantia constitucional da irredutibilidade de salários
(art. 7º, VI, CF), na medida em que um trabalhador poderá ser demitido da
empresa tomadora e recontratado, para as mesmas funções, por intermédio da
prestadora, mas com salário menor; e a garantia de dezoito meses de vedação à
recontratação, como inserida no PL n. 6.787/2016, é um lenitivo insuficiente
para alterar esse estado de coisas. Ademais, o novo modelo de
terceirização violentará, direta ou
obliquamente, diversas convenções internacionais das quais o Brasil é parte,
como, p.ex., a Convenção 111, que trata da “discriminação em matéria de emprego
e profissão” (já que trabalhadores ativados nas mesmas funções poderão receber
salários significativamente discrepantes) e as Convenções 98 e 151 da OIT, que
tratam da proteção contra atos antissindicais e da sindicalização no serviço
público (porque a contratação de terceirizados enfraquece os sindicatos, porque
deixamos de ter bancários, metalúrgicos, aeronautas, marítimos, comerciários…
passam a ser, todos, elementos da amorfa categoria dos trabalhadores em
empresas de fornecimento de mão-de-obra).
Eis aí, Deputado Rogério Marinho,
os fatos. Vamos reconsiderar a sua resposta? O PL n. 6.787/2016 ─ agora PLC n.
38/2017 ─ retira, sim, direitos trabalhistas. E como. Defenda as suas posições,
porque isto é legítimo. Mas não com argumentos irreais (ou, ainda pior,
surreais).
******
Enfim, estimado leitor, considere
o seguinte.
A respeito das supostas
“benesses” da Reforma Trabalhista (desta Reforma Trabalhista, como está
proposta pela base do Governo e é por ele apoiada), já se pronunciaram algumas
entidades.
As principais associações
nacionais de magistrados e membros do Ministério Público do Brasil ─ a saber, a
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), a Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), a Associação
Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação dos Juízes Federais
do Brasil (AJUFE), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR),
a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional do
Ministério Público Militar (ANMPM), a Associação dos Membros do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT) e a Associação dos
Magistrados do Distrito Federal e Territórios (AMAGIS-DF), ─ pronunciaram-se no
sentido de que o PL n. 6.787, na versão de Rogério Marinho, representa “um
ataque que passa pela supressão de direitos materiais e processuais hoje
constantes de lei (CLT) e até mesmo no que deixa de ser aplicado do Código
Civil na análise da responsabilidade acidentária, optando-se pela tarifação do
valor da vida humana, em vários pontos passando também pela evidente agressão à
jurisprudência consolidada dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do
Trabalho”; e, veja, não eram apenas os juízes do Trabalho a dizê-lo, mas também
os juízes estaduais e federais, além de todo o Ministério Público do país, nas
suas representações mais legítimas.
Da mesma maneira, a Ordem dos
Advogados do Brasil, pelo seu conselho federal, publicou nota na qual ponderava
que “[m]odernizar a legislação trabalhista não pode, sob hipótese alguma, ser
pretexto para que se imponham prejuízos irreparáveis aos trabalhadores e
trabalhadoras de nosso país. […] A OAB, que nunca deixou de se posicionar em
defesa da sociedade, acompanha vigilante cada movimento do Congresso Nacional e
não poupará esforços para evitar retrocessos sociais”. E, bem sabemos, a OAB
tanto representa advogados de trabalhadores como também advogados de
empregadores.
Mais recentemente, a própria
Igreja Católica brasileira, por meio da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, declarou publicamente que “[o] dia do trabalhador e da trabalhadora é
celebrado, neste ano de 2017, em meio a um ataque sistemático e ostensivo aos
direitos conquistados, precarizando as condições de vida, enfraquecendo o
Estado e absolutizando o Mercado. Diante disso, dizemos não ao ‘conceito
economicista da sociedade, que procura o lucro egoísta, fora dos parâmetros da
justiça social’ (Papa Francisco, Audiência Geral, 1º. de maio de 2013)“.
As igrejas evangélicas não
tardaram a seguir direção semelhante, embora mais restritamente (Reforma da
Previdência). E não são, convenhamos, instituições de feitio “comunista”,
“petista”, “sindicalista” ou análogos, como costumam vociferar os
desqualificadores.
Mas são, quase todas elas,
instituições progressistas. E são, todas, instituições ciosas da preservação do
Estado social (e, portanto, dos direitos sociais historicamente construídos). A
História do Brasil ─ ao menos a História mais recente ─ pode bem abonar esta
minha afirmação.
Se são assim, e se são todas
refratárias ao teor do substitutivo do relatório Rogério Marinho (agora PLC n.
38/2017), resta a você, prezado leitor, responder a esta fatídica pergunta:
quem, afinal, está voltando às cavernas? Quem refuta esta reforma? Ou quem a
apoia?
Na guerra da informação, somos
comumente desorientados; e, por isso mesmo, é preciso ter cuidado para não
confundir a visão do parabrisa com a do retrovisor. Pense. Você é réu do seu
juízo.
*******
O e-mail segue à sua disposição
para sugestão de temas, caro leitor. Sigo alimentando a expectativa de poder
tratar, na próxima quinzena, do abuso de autoridade, o que já estou a dever.
————————————-
[1] V. KAUFMANN, Arthur.
Filosofia do Direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2004. pp.99-100 (g.n.).
Guilherme
Guimarães Feliciano - juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté,
é professor associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade
Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito
Penal pela USP e em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Livre-docente em Direito do Trabalho pela USP. E-mail:
diluvius@icloud.com
Os artigos publicados pelo JOTA
não refletem necessariamente a opinião do site. Os textos buscam estimular o
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