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REFORMA TRABALHISTA – 10 (NOVOS) PRINCÍPIOS DO DIREITO EMPRESARIAL DO TRABALHO
REFORMA TRABALHISTA – 10 (NOVOS) PRINCÍPIOS DO DIREITO EMPRESARIAL DO TRABALHO
Artigo de autoria do presidente da
Amatra IV, juiz Rodrigo Trindade
INTRODUÇÃO
Godzila chega a Tóquio; a Estrela da
Morte está pronta e operacional; o Inverno aporta definitivamente em Whesteros.
Não importa sua idade ou referência apocalíptica, a Reforma Trabalhista, tal
como proposta é isso: o desastre de mundo do trabalho. E fugir para as
montanhas não vai ajudar muito.
Somos uma sociedade de trabalho, em
que os indivíduos se identificam em relações de pertencimento a partir de seus
ofícios. É difícil imaginar campo da interação humana com maior dinamicidade
que o das relações laborais. A importância que possuem as estruturas produtivas
em nossa ossatura institucional faz com que sigam em permanente dinamicidade,
em um fluxo contínuo de complexidade.
Por isso, não é exagero afirmar que
novas profissões, novos modos de trabalhar e de empreender surgem e são
extintos diariamente. É não apenas natural, como esperado que a regulação
também siga esse movimento.
Alterações de regulação são
essenciais para acompanhar as tantas modificações do mundo do trabalho. Pelo
menos nos últimos duzentos anos, a trajetória de democratização e concepção de
concretude dos direitos fundamentais tem tido grande significado para o Direito
do Trabalho. Ainda que com revezes pontuais, o caminho vem sendo de
democratização do ambiente de trabalho e, principalmente, de soma de condições
laborais dignas. Em grande resumo, as novas legislações buscam o seguinte:
a) adequar tempo de trabalho a
necessidades biológicas e sociais;
b) fazer crescer a massa salarial;
c) melhorar as condições de saúde e
segurança;
d) proteger e garantir trabalho a
parcelas populacionais marginalizadas;
e) estimular a continuidade de
vínculos de trabalho;
f) incentivar contratações que
encerrem maior rol de benefícios sociais.
Por mais que insistam com
pessimismos, esses aperfeiçoamentos significaram melhora geral da condição de
vida dos trabalhadores, crescimento de mercado consumidor e estabilização
social.
O Projeto de Lei 6.787/2016,
recentemente aprovado na Câmara dos Deputados aparece como condensador de
diversas outras iniciativas de alterações legislativas, consolidando uma grande
reforma trabalhista que altera cerca de uma centena de artigos da CLT e também
avança em outras leis.
Se há certeza na necessidade de
constantes aperfeiçoamentos na legislação trabalhista, a mesma fortaleza de
convicção não alcança a identificação do PL em análise como tendo essa
finalidade. Essencialmente, há dificuldade de integrar a proposição reformista
em quaisquer dos seis elementos acima listados.
A maior parte dos dispositivos
modificados ou inseridos estabelece inovações no campo de restrição de direitos
trabalhistas. Há, no entanto, artigos objeto do projeto de lei que, ou apenas
legalizam entendimentos já ordinariamente aplicados pelos tribunais, ou
promovem atualizações de expressões e adequações ao Código de Processo Civil.
Nesse grupo estão os seguintes dispositivos, todos da CLT:
- art. 477, § 4º, II: permite
pagamento de rescisão com depósito bancário;
- art. 477, § 6º: fixa prazo de 10
dias para empregador alcançar documentos ao ex-funcionário, após encerramento
do contrato;
- art. 775: contagem de prazos
processuais em dias úteis, seguindo-se sistema do Código de Processo Civil;
- art. 791-A: fixação de honorários
de sucumbência – atende antiga e justa pretensão da advocacia.
- arts. 793-A a 793-D: utilização da
sistemática do Código de Processo Civil para definição de litigância de má-fé e
repressão de práticas indevidas no processo;
- art. 800: protocolos de exceção de
incompetência territorial;
- art. 818: regras mais claras sobre
ônus probatório, seguindo o Código de Processo Civil;
- Art. 840: redação contemporânea
para a petição inicial trabalhista;
- art. 844, § 1º: regra de estabilização
do processo, a partir da apresentação de defesa;
Art. 847, parágrafo único:
reconhecimento do processo judicial eletrônico.
Mas os dispositivos realmente
importantes são outros. Em artigo anterior, tratei sobre conveniência,
legitimidade e oportunidade da proposta reformista (http://www.conjur.com.br/2017-mar-22/rodrigo-souza-conveniencia-legitimidade-reforma-trabalhista), buscando desmistificar fantasias que costumam permear os arroubos
precarizantes. Em outro, busquei tratar em específico os efeitos do negociado
sobre o legislado no tempo de trabalho (http://www.conjur.com.br/2017-abr-01/rodrigo-trindade-negociacao-livre-esculhambara-ambiente-trabalho). Neste, gostaria de analisar o Projeto a partir de 10 grandes
princípios e suas instrumentalizações.
1. ALTERAÇÃO DA MATRIZ
PRINCIPIOLÓGICA DO DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO
a) Direito Comum como fonte absoluta
subsidiária
A redação vigente do Parágrafo Único
do art. 8º da CLT prevê que o direito comum é fonte subsidiária do Direito do
Trabalho, naquilo que em que não for incompatível com os princípios fundantes
deste.
Na proposta de redação do art. 8º, §
1º, o PL exclui a condicionante de compatibilidade ideológica. A amputação é a
mais transcendente do Projeto porque tende a lançar orientações para toda
matéria que não for expressa e integralmente prevista na legislação
trabalhista.
Referir a “direito comum” é tratar de
direito civil, especialmente o obrigacional. Desde pelo menos o início do
século XX, o Direito do Trabalho é ramo autônomo dentro da Ciência Jurídica,
possuidor, por conseguinte, de princípios próprios. A regra hermenêutica
universal é de que, tratando-se de caso difícil a ser interpretado, sem solução
evidente no regramento específico, a regra a ser construída no caso concreto deve
observar a principiologia própria. Assim, a regra do “direito mãe”, o Direito
Civil, deve observar condicionante de aplicação em compatibilidade com os
princípios da ciência próxima.
O Direito Civil Obrigacional possui
orientações principiológicas diversas, dada a evidência de – tal como o Direito
do Trabalho – ser ciência jurídica autônoma. A regra proposta nega autonomia do
Direito do Trabalho, exclui a força jurígena de seus princípios e tende a
divorciar concepções imanentes da relação obrigacional de emprego. Orientações
típicas do direito comum, como visão majoritariamente economicista, prevalência
da autonomia da vontade, e ausência de transcendência social passam a ser as
determinantes hermenêuticas, pois animadoras das regras.
Mas há uma seletividade no rol de
regramento civilista que pode ser aplicado nas relações trabalhistas. A
proposta de texto para o art. 223-A determina que para reparações de danos de
natureza extrapatrimonial decorrentes de relações de trabalho, as regras
aplicáveis são exclusivamente as do Título II-A da CLT. Eventuais aportes de
outros diplomas normativos que promovam avanços no campo da identificação de
danos e potencial de reparação não podem ser utilizados.
b) Negociado sobre
Legislado
Em uma sociedade democrática, espera-se
que sindicatos tenham plena liberdade de negociar condições de trabalho com
empresas. Mas há limites ao magnetismo da autocomposição. Nossa
construção histórica é de que a lei e a Constituição fixam elementos mínimos de
condições de trabalho. Não há previsão de “gorduras”, mas o estabelecimento de
regras de salário, jornada e condições de saúde que são apenas básicas. Sair
delas é abandonar a civilização.
Por evidente, estimulam-se sindicatos
a avançar, passando do mínimo de existência. Mas veda-se que ingressem no
subterrâneo de dignidade e permitam condições ainda piores que o mínimo legal.
Há isso dá-se o nome de “progressividade” e “vedação de retrocesso social”.
Uma das mais importantes propostas de
Reforma Trabalhista do Governo Federal envolve o desamarrar do mastro, permitir
que sindicatos e empresários fiquem “livres” para fixar condições de trabalho
piores que as da lei. Em poucas palavras, que as relações de trabalho possam
regredir, retroceder.
O Projeto original previa que as
normas coletivas poderiam estabelecer acesso ao subterrâneo em 13 itens. O substitutivo
em análise colocou mais três andares no subsolo.
Além de significar subversão a regra
de dignidade de trabalho, a proposta impede ambiente leal de concorrência entre
as empresas. A opção brasileira de ter um Direito do Trabalho federal — aplicado
de modo uniforme por todo território nacional — serve a objetivos importantes
da República: garantir os primados de redução de desigualdades regionais e de
condições justas de concorrência.
Permitir acordos coletivos
restritivos de direitos legais tende a gerar graves comprometimentos no
esperado equilíbrio de acesso ao mercado. Pela proposta, os pactos podem ser
feitos por empresa e, se uma consegue precarizar o trabalho — e, por
conseguinte, reduzir custos — e outra não, forma-se situação de concorrência
desleal. Nesse cenário, os lucros de quem mais precariza são privativos, mas os
custos ficam socializados.
c) Prevalência da Proteção ao
Empregador
O Princípio da Proteção está atado ao
Direito do Trabalho e reconhece o empregado como o ente da relação de emprego
que demanda cuidado especial, frente à sua menor capacidade econômica. Em
poucas palavras, compensa-se a desigualdade econômica com proteção jurídica.
A própria razão de ser do Direito do
trabalho é reequilibrar a desigualdade, a partir da proteção estatal.
Constata-se a aparente unilateralidade do Direito do Trabalho, expresso na
intenção deliberada de tutelar o hipossuficiente na relação com o Capital. A
idéia é de compensação: como forma de contrabalançar a desigualdade econômica
existente entre as partes, a lei trata desigualmente os desiguais. Não existe,
portanto, igualdade jurídica no Direito do Trabalho. Outros ramos da Ciência
Jurídica vêm seguindo essa fórmula, como Direito do Consumidor e Direito
Agrário.
O PL 6787 tende a remodelar o
Princípio da Proteção, não apenas para estabelecer aparência de igualdade, mas
por virar o fio. Há um direcionamento de uma série de regras orientadas para
oferecer maiores benefícios à parte que já tem maior capacidade econômica, o
empregador.
Praticamente todo o Projeto visa
dilatar o rol de benefícios e facilidades ao empregador, e não foram fixadas
regras de contrapartida efetivas de consagração do Princípio da Proteção ao
empregado.
Um exemplo de Direito Material e
outro de Direito Processual:
Há anos doutrina séria e
jurisprudência trabalhista responsável esforçam-se para o reconhecimento da
eficácia de direitos fundamentais nas relações de emprego, estabelecendo que o
contrato não pode restringir aportes próprios da condição humana. Os pactos
devem, portanto, respeitar valores como privacidade, imagem e intimidade. A
pretensão de redação do art. 223-D, todavia, determina que “imagem, marca,
nome, segredo e sigilo de correspondência” são bens juridicamente tutelados
“inerentes à pessoa jurídica”. Ou seja, fixa que direitos fundamentais próprios
da pessoa natural (o empregado) são exigíveis unicamente para a pessoa jurídica
(o empregador). Abre-se odioso campo interpretativo de retrocesso de décadas na
concepção de limitações de interferências do empregador no campo de direitos
fundamentais do funcionário.
No campo do direito processual, o
844, § 4º estabelece diversas situações em que réu revel não recebe a pena de
confissão sobre matéria de fato. O mesmo não ocorre com o empregado que não vai
à audiência.
Se Direito do Trabalho tem como
característica fundamental a proteção ao empregado, o novo regramento das
relações trabalhistas que pode se inaugurar com o PL 6787 estabelece nascimento
no Brasil de um substituto Direito Empresarial das Relações de Trabalho.
d) Fim da Execução de Ofício
A regra do art. 878 da CLT é de
execução de ofício, exatamente em promoção do compromisso do Direito Processual
do Trabalho com Celeridade. Essa concepção foi reforçada com a Emenda
Constitucional n. 45/2004, a qual elevou razoável duração do processo à
condição de direito fundamental (art. 5º, LXXVIII). A partir disso,
estabelece-se dever funcional do magistrado de impulsionar a efetividade do
processo de conhecimento e garantia última de utilidade da demanda judicial e
respeito ao monopólio estatal de jurisdição.
A proposta de redação do art. 878,
com revogação de seu Parágrafo Único, acaba com o instituto da execução de
ofício, nega efetividade ao Princípio da Celeridade e restringe tremendamente
um expresso direito fundamental.
2. CONTRATOS DE TRABALHO PRECARIZADOS
O PL 6787 promove notável ampliação
em diversas modalidades de contratos de emprego precarizados.
O padrão da relação de emprego no
Brasil – como em grande parte do mundo ocidental – segue algumas
características: a) a relação econômica corresponde à de emprego, de modo que o
recebedor do serviço do empregado é seu empregador, com quem firma contrato de
emprego; b) os pactos são firmados por prazo indeterminado; c) as contratações
ocorrem com previsão de tempo integral, seguindo os módulos de 8 horas diárias
e 44 horas semanais.
Relações de emprego que não seguem
esses elementos tendem a produzir desemprego, achatamento salarial e danos à
economia nacional. O Projeto de Reforma Trabalhista cria ou amplia pelo menos
quatro desses contratos.
a) Trabalho intermitente
Não há obrigação na lei brasileira
que empregados recebam salário a partir da contagem de horas de serviço. A
maioria é mensalista, mas nada impede remuneração contada por quinzena, semana
ou dia de trabalho. A limitação está no tempo contratado: para que haja
expectativa mínima de salário com que se pode contar para viver, deve-se saber
o número de horas que se trabalhará.
As propostas de redação dos art. 443,
caput e § 3º e art. 452-A criam modalidade de contrato que permite a convocação
do funcionário para trabalho, em jornada a ser determinada em momento próximo.
Chamado, receberá apenas o salário das horas efetivamente trabalhadas e nada
ganha pelo período em que aguarda. O texto pretendido para o inciso VIII do
art. 611-A permite que a regulação venha apenas da negociação coletiva.
O que se pretende é criar o
“salário-surpresinha”. O empregador poderá ter o poder de acionar o funcionário
a qualquer momento da semana. Se for convocado, ganha; se o telefone não tocar,
fica sem nada. Nos meses bons, o salário será suficiente para comer nos 30
dias; nos demais, vive-se de luz.
A ideia não é nova e já estava no
Projeto de Lei n º 218/2016, do senador Ricardo Ferraço.
Empregado não é motorista de Uber,
que pode ter vários clientes, escolher horário que está a fim de trabalhar e
quem deseja atender. Estar no tempo de espera não é ter efetiva liberdade, não
dá para manter outro emprego decente, matricular-se em qualquer curso ou ficar
cuidando do filho pequeno.
Coloquemo-nos, com sinceridade, na
posição do empresário: surgiu a demanda urgente, preciso do empregado agora,
ligo para o “jornada-flexível” e ele responde que não pode vir. Fico pendurado
no pincel e penso “esse é o cara que não dá para contar, não ligo mais, tá na
rua, vou procurar um mais comprometido com a firma”.
Ninguém sério pode acreditar que haja
benefício ao funcionário e que o contrato não será utilizado em larguíssima
escala, em substituição ao que já existe.
b)Trabalho a tempo parcial
Hoje, apenas pode haver contratação
por tempo parcial em relações com jornada não excedente a 25 horas semanais.
Trata-se do chamado trabalho de meio expediente. Com modificação de texto do
art. 58-A da CLT, busca-se ampliar esse tipo de contrato, com pagamento de
salários menores em jornadas de até 30 horas por semana ou 26 horas semanais,
com possibilidade de mais 6 horas extras.
Há diversos estudos internacionais
que mostram a inadequação dos contratos a tempo parcial para criação de novos
postos de trabalho. Ao contrário, estudos da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
demonstram que as experiências na Europa e EUA com esse tipo de contratação
significou aumento de desemprego e redução geral de salários.
c) Terceirização
A Terceirização já foi objeto de lei
recente, a de n. 13.429/2017, publicada no último dia 31 de março. O projeto de
lei aprofunda ainda mais as possibilidades de repasse de parte das atividades
produtivas, permitindo transferências para “quaisquer de suas atividades,
inclusive sua atividade principal” (proposta de redação para o art. 4º-A da Lei
n. 6.019/1974).
No Brasil, terceirização, tal como
está hoje, mata oito em cada 10 trabalhadores acidentados, é campeã absoluta de
inadimplemento de verbas rescisórias, paga salário achatados (quando paga) e
tem amizade íntima com trabalho análogo ao escravo. Ampliar hipóteses de
terceirização é o que pior se pode pensar para o mercado de trabalho nacional.
Para uma análise mais apurada da Lei
n. 13.429/2017, recomendamos a leitura de nosso artigo específico: http://www.amatra4.org.br/publicacoes/artigos/1235-lei-13-429-de-2017-e-a-intermediacao-de-trabalho-no-brasil-perspectivas-politicas-e-hermeneuticas
A
pretensão do projeto é regulamentar o chamado trabalho a distância, realizado
por meios tecnológicos, estabelecendo que não gera horas extras. Entre os
arts. 75-A e 75-E cria-se novo Título da CLT apenas para essa modalidade de
contratação. Soma-se novo inciso ao art. 62, também da Consolidação, para
excluir os empregados em regime de teletrabalho de controle de jornada e, por
conseguinte, de pagamento de horas extras.
O trabalho remoto já é previsto na
CLT (art. 6º), permitindo-se ao juiz reconhecer vínculo de emprego e condenar
ao pagamento de horas extras, sempre que for exigido serviço em excesso ou
houver efetivo controle de horário, ainda que a distância.
Não há dúvidas que o avanço das
tecnologias de comunicação tendem a dilatar consideravelmente o número de
trabalhadores em domicílio. Não significa, todavia, que circunstâncias
geográficas devam levar ao simples abandono de regras tutelares elementares. Se
aprovado, o PL significará tendência de aumento das fraudes e notável ampliação
de condições precárias e abusivas.
3. RESTRIÇÃO AO VÍNCULO DE EMPREGO
Desde pelo menos a segunda metade do
século XIX, o modelo organizacional do mundo do trabalho é baseado na relação
de emprego. Trata-se de relação jurídica instrumentalizada em contrato animado
por amplo rol de benefícios garantidores de cidadania, especialmente a partir
da condição salarial. Outras formas de relações de trabalho sempre estiveram
presentes nos processos produtivos, mas tratadas como exceção.
Ao sabotar a relação de emprego, o PL
6787 aprofunda a desmontagem do sistema regulatório e estimula a precarização
das relações entre capital e trabalho.
a) Trabalhador autônomo
exclusivo
Por definição, trabalhador autônomo é
o que conduz sua atividade em conta própria, de forma independente e sem
subordinação. É natural, portanto, que atue de forma ocasional, fortuita,
esporádica e para diversos tomadores.
A Reforma Trabalhista cria o art.
442-B da CLT, definindo sem maiores critérios a figura do trabalhador autônomo
exclusivo e contínuo – e que não pode ser considerado empregado. Parece
evidente o convite à fraude ao vínculo de emprego.
Pela proposta, o art. 843, § 3º da
CLT permitirá que qualquer empresa seja representada em juízo por preposto não
empregado. Instrumentaliza a compreensão de descomprometimento com a relação de
emprego e com a integração pessoalizada de pessoas no empreendimento.
c) Desvinculação de cadeia produtiva
O vínculo de emprego é elemento
fático, que independe de formalidades de constituição do tomador do serviço.
Reconhecida a correspondência do trabalho com os elementos da relação de
emprego (conforme artigos 2º e 3º da CLT), empregador é aquele que se beneficia
do trabalho.
A pretensão de redação do art. 3º, §
2º, da CLT busca excluir a possibilidade reconhecimento de vínculo de emprego a
partir de negócio jurídico entre empregadores da mesma cadeia produtiva, ainda
que em regime de exclusividade. Há um rompimento com uma das mais importantes
características do Direito do Trabalho: a força jurígena dos fatos, com o
contrato formado a partir da realização de atos próprios do tipo.
4. ACHATAMENTO SALARIAL
Desde 2003, há forte tendência de
crescimento da participação do salário na formação do PIB nacional. Hoje, passa
de 50% e a tendência é de seguir ganhando força. Ou seja, cada vez mais o
salário recebido pelos trabalhadores tem um peso maior na produção de riquezas
do país. Qualquer política pública séria deveria buscar o fortalecimento do
salário, mas o PL 6787 segue em direção oposta e tende a produzir redução geral
dos rendimentos assalariados e aprofundar a crise econômica.
Em artigo recente, o juiz Guilherme
Zambrano alerta que o Projeto busca confundir reajustes salariais com ganhos
reais (http://www.conjur.com.br/2017-abr-23/guilherme-zambrano-reforma-desequilibra-negociacao-coletiva). A partir disso, irá empurrar os trabalhadores
para uma negociação coletiva absolutamente desequilibrada, em que se verão
obrigados a fazer grandes concessões, unicamente em troca da preservação do
valor real dos seus salários – ou nem mesmo isso, pois em alguns casos os
reajustes salariais já são negociados abaixo da inflação do período.
A negociação coletiva sobreposta à
lei somente servirá para a diminuição de benefícios e, apenas isso, já seria
bastante catastrófico. Mas o PL indica ainda diversas outras modalidades de
restrição de salários.
a) Fim da estabilidade
econômica decenal
Desde 2005, o entendimento
consolidado do TST é de que, após 10 anos de exercício de cargo em comissão, o
empregador pode reverter o funcionário do cargo. O que não pode é suprimir o
valor da respectiva gratificação. Prestigia-se, assim, a estabilidade financeira
e impedem-se rupturas de expectativa remuneratória há muito tempo integradas na
vida das famílias.
A proposta de redação do art. 468, §
2º é de livremente permitir a perda da gratificação, como resultado da reversão
ao cargo efetivo, anteriormente ocupado.
b) Perda do caráter salarial de
importâncias pagas pelo empregador
Há muito tempo, salário deixou de ser
uma única rubrica remuneratória alcançada por empregador a empregado, em função
do contrato de emprego. Quanto maior a complexidade do trabalho, somam-se
diversas parcelas de natureza salarial, como comissões, adicionais e
gratificações. Em razão de todas comporem o salário em sentido amplo, servem
para formar base de cálculo de outras parcelas trabalhistas e previdenciárias,
tais como férias, 13º, FGTS e contribuições previdenciárias.
Para restringir o valor desses
reflexos, é bastante comum empregadores buscarem mascaramentos das parcelas,
abusando da criatividade semântica. É por isso que, em grande parte, vida de
juiz do trabalho é parecida com fiscalização de doping, identificando tentativas
de fraude para obtenção de pequenas vantagens. Cumpre, portanto, rejeitar a
simplicidade da escolha do nome e reconhecer a natureza da parcela a partir de
critérios de cientificidade um pouco mais complexa.
Os pretendidos parágrafos 2º e 4º do
art. 457 da CLT intentam estabelecer valor absoluto para a semântica. A escolha
das palavras “prêmio”, “ajuda de custo”, “vale refeição”, “diária” e “abono”,
faz suficiente para excluir o caráter de salário e consequente integração no
complexo salarial para base de cálculo própria e reflexos consequentes. Os
prejuízos previdenciários são igualmente catastróficos.
c) Prevalência do Acordo
Coletivo sobre Convenção Coletiva
Todo estudante de Direito conhece a
regra da pirâmide normativa trabalhista: há uma axiologia móvel, identificada
no caso concreto, de modo a aplicar a disposição que encerrar maiores
benefícios ao empregado.
A pretensão de texto para o art. 620
da CLT aleija o Princípio da Norma mais Favorável, dispondo que as condições
fixadas em acordo coletivo prevalecerão sobre as estipuladas em convenção
coletiva.
Além de abrir as comportas para ampla
diminuição de benefícios e piora de vida de trabalhadores, amplia-se o problema
da concorrência desleal. Pactos por empresa, que aumentam lucratividade a partir
da precarização de direitos, produz acesso desequilibrado ao mercado. Também
aqui, os lucros de quem mais precariza são privativos, mas os custos ficam
socializados.
d) Fim da ultratividade
Formalmente, o Tribunal Superior do
Trabalho possui uma Súmula, de número 277, que consagra a concepção da
ultratividade das normas coletivas: esgotada a vigência, mantêm as condições,
até que novo instrumento apareça.
O Ministro Gilmar Mendes deferiu
liminar na ADPF 323 para suspender a súmula. A reforma trabalhista proposta
expressamente veda a ultratividade no art. 614, § 3º, da CLT.
O resultado óbvio é que as conquistas
remuneratórias conquistadas antes da Reforma tendem a virar pó, apenas pelo
decurso do prazo. Esgotada a vigência, o empregador apenas precisa negar-se a
negociar para que os benefícios caiam.
e) Restrição à equiparação salarial
Equiparação salarial é instituto de
Direito do Trabalho para impedir discriminações dentro de uma empresa. Havendo
igualdade de trabalho o salário entre os trabalhadores deve ser igual. O
difícil é definir quando o trabalho é igual e, por isso, a jurisprudência
definiu diversos critérios restritivos: há um longo check list a
ser analisado pelo intérprete para verificar se é possível equiparar salário.
A redação pretendida no caput e
parágrafos do art. 461 atravanca ainda mais a equiparação, estabelecendo
diferença de tempo de serviço entre os funcionários na empresa para quatro anos.
O avanço de dificuldade segue com critérios prejudiciais no plano de carreira,
permitindo que o empregador o maneje como quiser, sem permitir progressões
funcionais. Por fim, acaba com a chamada equiparação em cadeia.
5. AUMENTO DE JORNADA E DE TEMPO À
DISPOSIÇÃO
Muito se fala das causas dos excessos
de acidentes do trabalho em nosso país, mas uma coisa é certa: não há fator
mais determinante que os exageros de jornada, sejam diários ou de acúmulos
durante o ano. Não é à toa que a maior parte dos infortúnios ocorre durante as
horas extras.
Os históricos (antigos e recentes) de
normatividade privada para temas trabalhistas com patamares previstos em lei
mostram uma constante de resultados com graves prejuízos no mundo do trabalho.
Estudo recente revela que nosso país é o que tem maior acúmulo de horas extras
no mundo: 76% dos brasileiros trabalham nove horas ou mais, entre uma vez por
semana e todos os dias. A mesma pesquisa mostra que apenas US$ 294 bilhões são
gerados por horas extras no Brasil, em comparação com US$ 1,9 trilhão nos EUA,
US$ 679 bilhões na Alemanha e US$ 398 bilhões na França. Nesses países, as
percentagens de trabalhadores que fazem horas extras estão, respectivamente, em
44%, 69% e 68%.
Os números esclarecem que no Brasil
se trabalha muito e se ganha pouco com horas extras. Há dois motivos: valor
baixo atribuído ao excesso de serviço e a prática de burla em registro e
pagamento. Tudo leva a crer que a institucionalização de ampla abertura
regulatória em acordos coletivos seguirá o caminho de aprofundamento de
precarizações e fraudes.
Deveríamos esperar políticas públicas
sérias para restrição de horas de trabalho, garantia de intervalos e
preservação de férias. Mas o Projeto de Reforma Trabalhista vai exatamente na
contramão.
a) Intervalos inferiores a uma
hora
Atualmente, quem trabalha mais de 6
horas, precisa ter intervalo mínimo de uma hora no meio na jornada. A regra não
vem da kabala, numerologia ou sonhos premonitórios com dígitos, mas resultado
de décadas de observação e estudo sobre trabalho humano, produtividade e
necessidade biológica de descanso.
O que se pretende com a concepção
reformista é jogar pá de cal e amputar pela metade.
Para quem tem dia de serviço sem
grandes rigores físicos – como é meu caso, em cadeira estofada e ambiente
climatizado –, parece razoável. Mas, sem qualquer critério, definição de
abrangência profissional ou benefício de contrapartida, pretende-se com o art.
611-A, III, permitir intervalo de 30 minutos para qualquer trabalhador. Não há
previsão de qualquer condicionante de contrapartida adequada, como refeitórios
ou delimitação de atividades permitidas.
Com o art. 71, § 4º da CLT busca-se
que a não concessão do intervalo gere apenas repercussões de “natureza
indenizatória” e somente com pagamento do período suprimido.
Achar que meia hora é suficiente para
se alimentar, descansar e recompor energias é concepção de quem jamais teve
ideia do que é passar o dia virando massa de cimento na enxada. Além de
evidente submissão à exaustão física em muitas atividades, a medida eleva consideravelmente
os riscos de acidentes graves.
b) Fim da jornada in
itinere
O entendimento atual é que, se
tratando de trabalho em local de difícil acesso ou sem transporte público, o
tempo de deslocamento deve entrar na jornada de trabalho. Os maiores beneficiados costumam ser trabalhadores rurais e em
agroindústrias.
A proposta de novo regramento é
direcionada aos arts. 4º, § 2º e 58, § 2º, da CLT.
A ideia da reforma é excluir essa
contagem, passando o funcionário a suportar o ônus de seu empregador direcionar
o trabalho em local distante e não servido por transporte público. Abre-se a
possibilidade de abolição, pura e simples, de construção histórica e ponderada
do Direito do Trabalho de horas in itinere.
c) Jornada 12 x 36
Nossa Constituição é modelo mundial
de segurança em direitos sociais e assegura jornada máxima de oito horas
diárias. Para jornadas superiores – e apenas em duas horas – obriga-se que haja
acordo de compensação ou pagamento de horas extras. A Exceção, com fixação de
12 horas de trabalho, seguidas de 36 de descanso, depende de previsão em
negociação coletiva. Assim ocorre porque qualquer jornada superior a oito horas
é potencialmente mais lesiva, aumenta riscos de acidentes e adoecimentos, além
de limitar outras atividades e necessidades dos empregados.
Com as propostas de redação dos arts.
59-A (antigo 59-B, renumerado a partir de emenda acolhida pelo relator) 60 e
61, exclue-se requisito de forma e permite-se estabelecimento ordinário da
jornada 12x36 por simples acordo individual.
Não há dúvidas que essa modalidade de
tempo de trabalho é preferida de muitos trabalhadores. O problema é o
escancaramento, sem qualquer critério ou análise de conveniência por
autoridades públicas ou sindicais. Especialmente causa preocupação que nada
impedirá profissionais de saúde acumularem diferentes contratações com esse
tipo de jornada, gerando restrição de descanso e fortes potencialidades de
falhas em seus serviços.
d) Banco de horas por acordo
individual
Busca-se com o art. 59 possibilitar
estabelecimento de banco de horas por simples acordo individual. Define-se no
art. 59-B, que o não atendimento das exigências legais de compensação de
jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica
repetição do pagamento, se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo
devido apenas o adicional. O parágrafo único traz a regra de que as horas
extras habituais não descaracterizam o acordo de compensação e o banco de
horas.
Causa dúvidas o que se pretende
conceber por “acordo tácito descumprido”. Algo mais evidente é a possibilidade
legal de trabalho em descumprimento a regras privadas disciplinadoras serem
desacompanhadas de repressão.
6. PREJUÍZOS AO MEIO AMBIENTE DE
TRABALHO
Todos os parâmetros salariais mínimos
partem da suposição de condições de trabalho ordinariamente saudáveis. A
Constituição Federal, em diversos dispositivos (arts. 7º, XXII, 198, II e 225)
reconhece ampla responsabilidade pelo implemento de condições de trabalho
progressivamente mais saudáveis e seguras. Isso porque o controle dos agentes
prejudiciais à saúde serve tanto para evitar a produção de acidentes, como de
doenças relacionadas ao trabalho.
O Projeto de Reforma Trabalhista
retrocede na orientação constitucional e tende a piorar o meio ambiente de
trabalho, favorecendo adoecimentos, aposentadorias precoces e mortes.
a) Acordos sobre insalubridade
Saúde humana é questão de ordem
pública. Nada mais óbvio, portanto, que a definição de insalubridade no meio
ambiente de trabalho demande atuação de profissionais especializados e que se
permita conserto necessário a partir de atuação judicial.
Com os arts. 611-A, XIII e XIV
busca-se permitir que simples acordo individual defina o grau de insalubridade.
Condições de serviço evidentemente insalubres em grau máximo poderão ser
consideradas mínimas ou até mesmo exemplarmente salubres. Também se facilita a
prorrogação de jornada nesses ambientes, não mais necessitando de análise e
anuência por autoridade competente.
b) Lactantes e gestantes
Em maio de 2016 houve modificação da
CLT para determinar que, enquanto durar lactação ou gestação, a empregada fica
afastada de atividades ou locais insalubres. Em exemplos, a lei diz o seguinte:
- lactantes não devem aspirar poeira
e solventes em rotinas de trabalho, porque o alimento básico dos bebês não
precisa conter esses temperos;
- não deve a
jovem mãe seguir em serviços contaminantes, como câmaras frias, áreas
hospitalares e degolas de aves;
- o legal é ela voltar pra casa
saudável e evitar adoecer aquele que ainda tem tão poucos anticorpos;
- grávidas
que labutam em ambientes mal ventilados, com calor e ruído excessivos, costumam
geram bebês doentes; e podemos evitar sem muito esforço, porque bebê doente não
é legal.
A lei recorda que submissão da
grávida e seu feto a radiações não ionizantes pode promover diversas
complicações na gestação, sem falar em más formações fetais. Bebê deformado é
bem menos legal.
A reação a bebês saudáveis vem da
proposta de nova redação ao art. 394-A da CLT: qualquer atestado médico
(sabe-se lá como obtido) poderá permitir a permanência do trabalho da gestante
ou lactante.
As justificativas parte de concepções
de ônus empresarial excessivo e dificuldade de acesso ao mercado de trabalho
para mulheres em idade reprodutiva.
Equivoca-se quem pensa que medidas
protetivas desestimulem a contratação, ou promovam desemprego estrutural.
Simplesmente não há qualquer levantamento científico comprobatório dessa
afirmação e devemos perquirir por que repetir tamanha bobagem.
É muito grave a pretensão do projeto
de permitir trabalho de grávidas e lactantes em ambiente insalubre. Em uma
sociedade civilizada, e que se importa com suas crianças, as conveniências de
empresariais não podem se sobrepor a valores sociais muito mais
importantes. Apenas genocidas e suicidas coletivos
não se importam com a perpetuação da espécie e não sei se é possível pensar em
medidas mais importantes na vida de um país que proteger a saúde de bebês.
c) Férias tripartidas
Atualmente, a lei determina que o
parcelamento de férias só ocorre em casos excepcionais, máximo de dois períodos
e um dos quais não inferior a dez dias corridos. O projeto prevê que a
negociação individual permita até três períodos, desde que uma das frações não seja
inferior a duas semanas ininterruptas (art. 134, § 1º, da CLT).
Falar em “acordo individual” em
relações de emprego é saber que em quase todos os casos tratamos de definição
unilateral do empregador.
Férias não são luxo, mas necessidade
biológica de descanso e afastamento do cansativo mundo do trabalho. Para muitos
profissionais envolvidos em rotinas estressantes (e hoje em dia quem não
está?), a mente só sai mesmo do ambiente da empresa após uma semana de
desligamento físico. Sem falar que períodos pequenos dificultam viagens e
convivência familiar continuada. Por tudo isso, o fracionamento é tratado como
excepcionalidade.
O projeto quebra o conceito de férias
como período longo e ininterrupto de afastamento, direcionado a garantir saúde,
bem-estar e tempo com a família. Seguindo uma lógica meramente economicista,
férias passam a ser qualquer período em que a empresa se descobre com menor
demanda produtiva.
d) Padrões impositivos de vestimenta
e logomarcas
Respeito à direitos fundamentais e
dignidade, imagem e honra do trabalhador são elementos essenciais para que o
ambiente de trabalho seja tranquilo e saudável.
Com o art. 456-A, o empregador poderá
definir o padrão de vestimenta na empresa, considerando lícita a inclusão no
uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras, bem como
outros itens relacionados à atividade.
Padrão de vestimenta e uso de
uniforme são elementos aceitáveis, e mesmo esperados em diversas atividades
profissionais. O que preocupa no projeto é a completa falta de critérios e preocupação
com excessos que já ocorrem em casos analisados pela Justiça. Reconhece-se como
normal que qualquer profissional se transforme em veículo de propaganda
passiva, carregando todo tipo mensagem publicitária.
Pior ainda é a ausência de qualquer
ressalva ao uso de vestimentas vexatórias ou que atentem ao pudor individual.
Há clara diminuição de direitos fundamentais relacionados à imagem e dignidade,
sem qualquer tipo de compensação ou critério.
7. DIMINUIÇÃO DAS ESTRUTURAS
SINDICAIS E FACILITAÇÃO DE DISPENSAS
a) Imposto sindical
Com os artigos 578, 579, 582 e 583 da
CLT acaba-se com a compulsoriedade da contribuição sindical.
O assunto é polêmico, inclusive
dentro do movimento sindical. Seguindo-se a coerência sistemática, o objetivo é
de diminuição das condições de atuação dos sindicatos. A eliminação do imposto
sindical precisa ser tratada com sindicatos e pensada a partir de uma
progressividade. Sempre de modo a impedir a inviabilização da atividade
representativa.
O PL da Reforma Trabalhista busca
acabar com unicidade e imposto, mas não é nem um pouco bonzinho. A proposta é
irresponsável e demolidora, pois não prevê que isso seja feito de forma
escalonada. A reversão de um dia para o outro tende a ser muito pior para a
representação de trabalhadores que a permanência como está.
b) Representação de fábrica
O art. 11 da Constituição traz
previsão de que nas empresas com mais de duzentos
empregados, fica assegurada eleição de representante, com finalidade promoção
do entendimento dos empregados com os empregadores.
O dispositivo finalmente ganha
regulamentação, mas não na forma pretendida para fazer valer a disposição
constitucional. Entre os arts. 510-A e 510-C estabelecem-se atribuições, meios
de eleição e garantia de emprego aos representantes de empregados nas comissões
de empresas.
A democratização das administrações
empresariais é medida importante, mas deve ser integrada à instância de
excelência, o sindicato. Também precisa haver o cuidado de impedir que haja utilização
da comissão para outorgar aparência de legitimidade em medidas precarizantes e
de efetivação de quitações contratuais fraudulentas.
c) Fim da assistência sindical na
extinção contratual
O PL prevê completa modificação de
texto do art. 477 da CLT. No caput, a redação original é para
assegurar ao empregado recebimento de indenização por dispensa. Pelo projeto
passa a servir para determinar que o empregador registre baixa do contrato na
CTPS quando houver extinção contratual, bem como pagar verbas rescisórias.
Seguindo-se a lógica de facilitação
de rescisão, os parágrafos 1º e 3º são extintos, de modo a permitir a rescisão
sem assistência de sindicato ou qualquer outra autoridade.
Hoje, mesmo com assistência de
sindicato, são muito comuns rescisões fraudulentas, parciais ou mesmo sem
pagamento de qualquer valor. A não participação de autoridades habilitadas a
orientar empregados fraudados serve apenas para perpetuação de injustiças.
d) Liberação das despedidas coletivas
A exigência de prévia negociação
coletiva com sindicatos dos empregados em despedidas massivas está alicerçada
em precedentes do Tribunal Superior do Trabalho e também de diversos
Tribunais Regionais.
O próprio TST tem pontuado que a
exigência de negociação coletiva prévia pretende tolher a livre iniciativa do
empregador; ao contrário, objetiva que o empregador atue no mercado econômico
pautado na responsabilidade social e com atendimento da função social da
propriedade, tudo em defesa da dignidade da pessoa humana.
Propõe-se no PL da Reforma
Trabalhista a criação do art. 477-A da CLT, apenas para determinar que as
dispensas coletivas equiparam-se às individuais “para todos os fins”.
Explicitamente para barrar os avanços jurisprudenciais, refere que não há “necessidade
de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção
coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.
8. IRRESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
POR DÍVIDAS
O processo judicial trabalhista é o
mais rápido do país e, em média, sentenças são produzidas com muito maior
celeridade que nos demais ramos do Judiciário. Jamais diria que se trata de
processo efetivamente veloz, mas que ainda anda mais rápido que o os demais. O
grande gargalo está na fase de execução. Simplesmente porque há lamentável
cultura nacional que reconhece inadimplemento de dívidas certas como
circunstância empresarial natural, manobras para esconder patrimônio são
instrumentos corriqueiros e recorrer ao infinito e de forma irresponsável é
habilidade de bons profissionais.
Há décadas, diversas iniciativas
jurisprudenciais, doutrinárias e de alterações legislativas são pensadas para
fazer valer as decisões jurisprudenciais. Nenhuma delas foi incorporada ao
texto da Reforma Trabalhista. Ao contrário, o PL agregou diversos instrumentos
consagradores de institucionalização do calote e inefetividade da execução
trabalhista.
a) Limitação do conceito de grupo
econômico
Nas redações propostas para os
parágrafos 2º e 3º do art. 2º da CLT expressamente se impedia a consideração de
grupo econômico horizontal (sem direção hierarquizada, mas formada a partir da
comunhão sistematizada de interesses empresariais), bem como os montados a
partir de mera identidade de sócios. Tratam-se de disposições permissivas de
diminuição de garantias patrimoniais por inadimplementos trabalhistas. As
disposições foram excluídas no último substitutivo.
b) Limitação de responsabilidade de
sócio retirante e de empresa sucedida
É controvertida na jurisprudência a
questão da responsabilidade de sócio retirante por dívidas trabalhistas da
pessoa jurídica. Ordinariamente se reconhece que a personalidade jurídica não
deve servir para instrumentalizar calotes e que os sócios que se beneficiaram
com o trabalho do empregado também podem ser chamados a honrarem as dívidas de
suas empresas.
Pretende-se com a criação do art.
10-A da CLT limitar a responsabilidade do sócio retirante, fixando apenas no
período em que atuou como sócio e somente em ações ajuizadas até dois anos
depois de averbada a modificação do contrato.
Pelo art. 448-A, estabelece-se
responsabilidade única do sucessor, com exceção de demonstração de fraude na
transferência.
Seguindo-se a lógica de esforço pelo
não pagamento de dívidas, a perspectiva aberta é de saída fraudulenta de
sócios, substituição por laranjas, e utilização do prazo prescricional.
c) Prescrição intercorrente
Prescrição é a perda do direito
de ação ocasionada pelo transcurso do tempo, em razão de seu titular não o ter
exercido. Trata-se de instituto importante em toda Ciência Jurídica e no
Direito Privado. Oferece certa legalidade aos cambalachos, mas atua na
necessária pacificação das relações.
Intercorrente é a prescrição que flui
durante o curso do processo. Proposta a ação, interrompe-se o prazo
prescritivo; logo a seguir, ele volta a correr, de seu início, podendo
consumar-se até mesmo antes que o processo termine. O critério intercorrente tem
sido muito importante no cotidiano do Direito Penal, por exemplo; mas vem sendo
sistematicamente rejeitado no Direito do Trabalho, inclusive com súmula
própria.
O PL em análise cria o art. 11-A da
CLT, com a singela redação “Ocorre a prescrição intercorrente no processo do
trabalho no prazo de dois anos”. No § 1º estabelece que o prazo prescricional
intercorrente se inicia quando o exequente deixa de cumprir determinação
judicial. O § 2º facilita ainda mais ao permitir que o juiz possa, em benefício
do devedor, declarar a prescrição intercorrente.
d) Pequenas multas administrativas
Se a concepção moral de necessidade
de cumprimento espontâneo da lei trabalhista é pouco funcional, o estímulo de
multas pesadas costuma ter melhor efeito.
A proposta de redação para o art. 47
e seus parágrafos, todavia, prevê valor baixo de multa para empregado flagrado
fraudando o vínculo de emprego. São R$ 3.000,00 por empregado não registrado.
Tratando-se de microempresa ou empresa de pequeno porte o estímulo à fraude é
maior, pois o valor da multa não passa de R$ 800,00.
e) Incidente de desconsideração de
personalidade jurídica
No Direito Processual do Trabalho, há
procedimento simplificado para o chamamento dos sócios por inadimplências a
partir de dívidas de suas empresas. Com seus arts. 133 a 137 o Código de
Processo Civil inaugurou sistemática mais complicada e é por esse caminho que
vai a Reforma Trabalhista.
Pelo art. 855-A pretende-se
atravancar ainda mais a desconsideração da personalidade jurídica, trazendo o
Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica para o Processo do
Trabalho. Há suspensão do processo, atrasando ainda mais a satisfação de
créditos alimentares. Em suma, abandonam-se concepções de autonomia científica,
simplificação e celeridade. Tudo em nome da preservação de patrimônio de
inadimplentes.
f) Fim da execução previdenciária
sobre parcelas já pagas
Atualmente, o parágrafo único do art.
876 da CLT determina que o juiz, de ofício, deve promover execução não apenas
das contribuições sociais devidas em decorrência de decisão que
proferir, como também incidente sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.
A alteração pretendida exclui não
apenas a execução de ofício, como amputa a busca de satisfação de
inadimplementos previdenciários sobre salários já pagos.
Com a revogação do parágrafo único do
art. 878, também o Ministério Público fica proibido de promover a execução.
g) Restrição de protesto de devedor e
aceitação de seguro garantia judicial
Com o art. 883-A, dificulta outra
atuação do juiz para forçar o adimplemento de dívida trabalhista. O dispositivo
atravanca inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou
Banco Nacional de Devedores Trabalhistas.
A partir do art. 882, facilita-se a
garantia de execução – e esticamento do processo – com a possibilidade de
apresentação de seguro garantia judicial.
h) Facilitação de recursos para o réu
Para empresas recorrem de decisões de
primeiro grau, devem recolher aos cofres públicos valor fixado nacionalmente.
Além de servir para desestimular a recorribilidade tão alta que já tempo, o
valor é utilizado na fase de execução para satisfação de parte do crédito.
Introduz-se favor especial a
entidades sem fins lucrativos, entidades filantrópicas, empregadores
domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de
pequeno porte. Pela pretensão do art. 899, § 4º, todas essas entidades poderão
recorrer recolhendo apenas metade do depósito recursal. Beneficiários da
Justiça Gratuita e empresas em recuperação judicial são isentas do recolhimento
(§ 9º).
O estimulo aos recursos também está
no § 11. Nem mesmo é preciso haver descapitalização da empresa, pois o depósito
recursal pode ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.
9. DIMINUIÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO
O monopólio da jurisdição é uma das
maiores conquistas da humanidade, responsável pelo afastamento das ordens decisórias
privadas e semi-estatais (senhor feudal, Igreja, Corporações de Ofício). Hoje,
O Poder Judiciário é a maior, senão o único, abrigo que se interpõe entre o
poder do capital ou do Estado e o cidadão, esteja este no papel de trabalhador,
de consumidor, de alguém que necessita o acesso a um tratamento médico, entre
outras muitas hipóteses.
Como lembra o juiz Jorge Araújo, quem
afirma que extinguir a JT vai acabar com os conflitos trabalhistas, está
raciocinando como o marido traído que resolveu vender o sofá no qual ocorreu a
traição. O mesmo magistrado pergunta-se se, antes de embarcar em uma cruzada
contra uma Justiça que aplica a ideia de desigualdade econômica das partes, não
seria melhor refletir sobre práticas empresariais que corroboram estado de coisas
que produz tantas demandas judiciais (http://direitoetrabalho.com/2016/08/e-se-justica-do-trabalho-acabar-2/).
a) Restrições para criação e
alteração de súmulas
Súmulas são resumos de entendimentos
jurisprudenciais consolidados.
Atualmente há centenas de súmulas do
Tribunal Superior do Trabalho a respeito de temas de Direito Material e
Processual do Trabalho.
É difícil imaginar campo da Ciência
Jurídica com maior dinamicidade que o Direito do Trabalho. Há impossibilidade
das tantas modificações no mundo do trabalho serem imediatamente acompanhadas
nas instâncias formadoras de legislação própria. As súmulas possuem o objetivo
de esclarecer a aplicabilidade das leis, suprir omissões e dotar situações de
fato consolidadas de minha expectativa de condições de regularidade. Em resumo,
pretendem propiciar aos próprios julgadores decisões mais uniformes a casos
análogos e garantir credibilidade ao próprio Poder Judiciário.
Nesse cenário, a tentativa de
imprimir mínima segurança jurídica é naturalmente suprida pelos Tribunais. As
súmulas são instrumentos próprios da celeridade de nosso tempo e, há alguns
anos, vem atuando em orientações gerais para todo o campo das relações de
trabalho.
O projeto pretende criar mecanismos
para frear essa atividade, estabelecendo diversas barreiras. O plano do
texto do art. 702 da CLT é de criação de três estágios de atravancamento para
produção de súmulas: a) quórum de pelo menos 2/3 dos membros do tribunal; b)
matéria já deve ter sido decidida de forma idêntica por unanimidade em pelo
menos 2/3 das turmas; c) as decisões orientadoras da súmula devem ter ocorrido
em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas.
A medida é certificação de
desconfiança do Poder Judiciário e estabelecimento de trava para a regulação
contemporânea de situações conflituosas. A ausência de súmula sobre determinada
matéria não será suprida por lei, pelo menos não na velocidade necessária a
dotar as situações postas de segurança nas relações.
Mas há um problema mais geral e que
causa maiores temores. Freios à interpretação jurisdicional são típicos de
regimes ditatoriais e não deveriam combinar com o ambiente democrático que
ainda estamos construindo.
b) Arbitragem individual
A história da civilização ocidental
confunde-se com a do avanço do monopólio da jurisdição estatal. Desde o final
da Idade Média há um fluxo de substituição de ordens normativas e decisórias
privadas pela atuação do Estado como instância única no conhecimento dos
conflitos e pacificação social.
A arbitragem é instituto que vem
tendo uso avançado em relações empresariais. Normalmente, a cláusula de compromisso
de arbitragem é escolhida para contratos que envolvem matérias complexas, em
que as partes mutuamente reconhecem conveniência de eventuais conflitos ficarem
afastados do conhecimento do Judiciário. Ou porque as relações envolvem
segredos que não devem ser publicizados, ou porque há necessidade da demanda
ser resolvida com celeridade superior à usual, ou porque há questões de tamanha
complexidade que somente um especialista na matéria poderia conhecer e decidir
com propriedade.
Nenhum desses condicionantes pode
enquadrar as relações individuais de trabalho.
A disposição do art. 507-A é de
possibilidade de empregador pactuar com empregado que recebe remuneração de até
duas vezes o limite de benefícios da Previdência Social uma “cláusula
compromissória de arbitragem”. Com isso, no lugar dos eventuais litígios da
relação serem resolvidos pelo Judiciário, passaram a ser analisados e decididos
por um árbitro.
Duas certezas, caso o dispositivo
seja aprovado: Primeiro, a “cláusula compromissória” estará presente em todos
os contratos de emprego, pois imposta pelo empregador. Segundo, a atuação do
árbitro servirá apenas para desconstrução do Direito, realização de quitações
fraudulentas e perpetuação de toda a sorte de inadimplementos.
c) Indenização de danos morais
O PL de Reforma Trabalhista pretende
incluir todo um novo título da CLT, com os artigos 223-A a 223-G. Chama
especial atenção a vontade de estabelecer parâmetros objetivos para fixação de
indenização de danos morais.
Tarifação legal de indenizações de prejuízos
extrapatrimoniais é rejeitada no sistema jurídico nacional. Não apenas na
Justiça do Trabalho, mas também no Cível, ao analisar a pretensão, o juiz
move-se em terreno difícil e delicado da definição da equivalência entre os
prejuízos e o ressarcimento efetivo e possível. Não há um critério legal,
objetivo e tarifado, mas depende, essencialmente, da sensibilidade do julgador
em analisar incontáveis fatores dentro da extraordinária riqueza de
circunstâncias da vida.
Com o art. 223-G, § 1º, busca-se compelir
o magistrado a enquadrar a pretensão ressarcitória em um de três níveis legais:
leve, médio ou grave. Cada um deles tem valor máximo de indenização a ser
fixada, respectivamente, cinco, dez e 50 salários do ofendido.
Os pedidos de indenizações de danos
morais manejados na Justiça do Trabalho costumam ser relacionadas a situações
de assédio sexual, assédio moral e resultados de acidentes de trabalho
ocorridos por culpa do empregador – especialmente ressarcimentos
extrapatrimoniais por perda de membros e sentidos. Filhos e viúvas também
postulam indenizações de danos morais em razão da morte do pai/marido
trabalhador.
O sistema proposto é pitoresco, e por
diversas razões.
Primeiramente porque inaugura prática
inexistente em outros ramos do Direito, especialmente o de Responsabilidade
Civil, de onde vem a ideia de ressarcimento de prejuízos extrapatrimoniais. Há
evidente intenção de restringir a atuação da Justiça do Trabalho e diminuir
responsabilidades apenas de empregadores delinquentes.
Segundo, pelo motivo da fundamentação
não corresponder com o entregue na redação do dispositivo. Em seu relatório, o
Deputado Rogério Marinho apresenta especial preocupação com o chamado dano
existencial. A pretensão reformista, todavia, é direcionada a todo e qualquer
pedido de indenização de danos morais.
Terceiro, opta-se por vincular a
indenização ao salário do ofendido. A compreensão é de que a dor espiritual do
trabalhador é proporcional ao valor de seu salário: quanto mais pobre, menor o
sofrimento e mais baixo o ressarcimento cabível.
Quarto, os valores estabelecidos são
ridiculamente baixos. Cinquenta salários é o valor máximo para o evento danoso
máximo, a morte do trabalhador. Apenas como exemplo, a jurisprudência
consolidada do STJ fixa o valor indenizatório a ser pago por escola aos pais de
filho morto por culpa do estabelecimento em 500 salários mínimo – dez vezes
maior que o pretendido com a reforma.
O salário mínimo nacional é de R$
937,00. Logo, empregado que ganha salário mínimo e morre por culpa exclusiva do
empregador receberá R$ 46.850,00 (50 vezes seu salário). Trata-se de valor
menor que a paga, por exemplo, para celebridades que enfrentam dissabores.
Alguns exemplos:
A atriz Luana Piovani obteve sentença
condenatória do Programa Pânico no valor de R$ 250.000,00, em razão de
perseguição no quadro “Sandálias da Humildade”.
A também atriz Glória Pires e seu
marido, o compositor Orlando Morais, demandaram contra empresas de comunicação
que espalharam boato sobre caso amoroso entre o músico e a filha da atriz, Cléo
Pires, então com 16 anos. Ganharam indenização e R$ 200.000,00 para Glória, R$
100.000,00 direcionado a Orlando e R$ 300.000,00 ficou com Cléo.
Indignados com fofoca sobre motivos
da separação, Chico Buarque e Marieta Severo demandaram contra jornal e
conseguiram ressarcimento no valor de 500 salários mínimos, cada.
Sem qualquer desmerecimento a
respeito da necessidade das indenizações pesadas acima citadas, vê-se clara
opção de desconsideração com prejuízos suportados por empregados em razão de
desmandos de seus empregadores. Valores indenizatórios baixos estimulam a
perpetuação de práticas delinquentes, inclusive mortes no trabalho.
d) Interpretação restritiva de
normas coletivas
Seguindo-se a concepção de monopólio
estatal de jurisdição e impossibilidade de declinação sobre situação
conflituosa, cabe à magistratura corrigir inconstitucionalidades e ilegalidades
de cláusulas postas em normas coletivas.
A responsabilidade judicial para
analisar conteúdo de normas privadas não é invenção do Direito do Trabalho. O
controle estatal sobre contratos é tendência de todo o Direito Privado,
especialmente com a substituição do conceito de Autonomia da Vontade para
Autonomia Privada. Há muitos anos, o contrato deixou de ser o poder reconhecido
aos particulares para criação de normas ou preceitos, e passou a ser a escolha
de resultados já declarados na lei, pois apenas estes são de interesse da
coletividade na produção.
Se no campo das contratações civis
individuais obriga-se que se submeta o conteúdo do pacto a um juízo de
compatibilidade com o ordenamento globalmente considerado, a coletivização do
contrato deve multiplicar a necessidade desse controle. É, portanto, de se
esperar que a Justiça possa analisar as normas coletivas, de modo a poder
reconhece-las como adequadas com a ordem jurídica.
A redação pretendida para o art. 8º,
§ 3º da CLT é exatamente o oposto. Estabelece que a Justiça do Trabalho apenas
pode analisar a conformidade de acordos e convenções coletivas de trabalho com
os elementos essenciais do negócio jurídico, elencadas no art. 104 do Código
Civil. Significa que apenas pode averiguar capacidade dos agentes, licitude do
objeto e forma adequada à lei.
10. RESTRIÇÕES À JURISDIÇÃO
Direito de Petição é instituto
assegurado em diversas ordens constitucionais. Na brasileira vem expresso no
art. 5º, XXXIV, “a”, com a ordem “o direito de petição aos Poderes Públicos em
defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Pretende-se
assegurar prerrogativa individual essencial ao Estado Democrático de Direito,
rejeitando arbitrariedades. Também orienta atividade do Estado para que garanta
instrumentos habilitados a permitir amplo acesso da população à jurisdição.
Diversos dispositivos da Reforma
Trabalhista restringem ou inibem acesso ao Judiciário Trabalhista.
a) Quitação periódica
O art. 507-B proposto no projeto de
lei diz ser “facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do
contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações
trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Em seu parágrafo
único refere que esse termo indicará quitação anual dada pelo empregado e
garantirá eficácia liberatória das parcelas especificadas.
Há décadas, a jurisprudência rejeita
eficácia liberatória de quitações como a pretendida. Especialmente as
realizadas no curso do contrato de emprego, pois é evidente que a necessidade
do empregado de se manter no posto de trabalho retira-lhe a efetiva disposição
de insurgência com malfeitos ocorridos. Enquanto trabalho for bem escasso e
houver diversas ordens de sofrimento com o desemprego, recibos de quitações
gerais são considerados como realizados sob necessidade, através de querer
viciado e, portanto, são inválidos para liberação completa de obrigações
efetivamente descumpridas.
Dispositivo como o art. 507-B tem
apenas a pretensão de perpetuação de calotes, impedimento de submissão de
delinquências ao Poder Judiciário e pode terminar em estabelecimento de clima
geral de perda da estabilidade social. Quando não há instância para se
socorrer, há grave estímulo à violência privada, ao fazer justiça com as
próprias mãos.
b) Restrições à Justiça Gratuita e
responsabilidade por honorários periciais
Justiça Gratuita é instituto de
Direito Processual que garante isenções de pagamentos de custos do processo a
todo aquele que não tiver condições econômicas e pode ser postulado tanto por
autor como pelo réu.
Também como forma de não restringir
acesso à jurisdição, a Justiça do Trabalho garante que reclamantes sucumbentes
no objeto de perícia não precisam pagar honorários ao perito que produziu o
laudo. A responsabilidade fica com o Estado.
Com o art. 790, § 3º, a Justiça
Gratuita apenas pode ser deferida àqueles que ganharem salário igual ou
inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência
Social.
A regra pretendida pelo art. 790-B
que o reclamante sucumbente na pretensão objeto da perícia deve pagar os
honorários periciais, ainda que beneficiário de Justiça Gratuita.
Demandar em juízo não costuma ser
experiência agradável, mesmo para autores convictos de suas pretensões e
Justiça Gratuita e gratuidade de perícia são importantes para não reprimir
acesso à jurisdição.
c)Sucumbência Recíproca
Atualmente, para não reprimir acesso
ao Judiciário, e seguindo-se a compreensão de dificuldades econômicas inerentes
à condição de empregado litigante, apenas o réu empregador paga honorários
advocatícios de sucumbência.
Com a regra do art. 791-A, § 3º, na
hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência
recíproca, veada a compensação entre os honorários. Estabelece-se, portanto,
que também empregado que tiver pretensões não atendidas deverá pagar
respectivos honorários ao procurador da parte contrária. Pelo § 4º do mesmo
artigo, caso não tenha condições de pagar, a exigibilidade de pagamento se
esgota em dois anos.
Não há dúvidas que a medida tende a
reprimir integração no petitório inicial de pedidos de baixíssima probabilidade
de êxito. O problema é que também desestimula a busca de satisfação de direitos
efetivamente descumpridos e que apenas não conseguiram ser demonstrados no
processo. O projeto não diferencia um do outro.
d) Custas de ausência à audiência
A inovação trazida no art. 844, § 2º
é de que na hipótese de ausência do reclamante à audiência, será condenado ao
pagamento de custas, ainda que beneficiário de Justiça Gratuita. Salvo se
demonstrar que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.
O§ 3º estabelece que o pagamento
dessas custas é condição para propositura de nova demanda. Embora sejam medidas
tendentes a restringir acesso à jurisdição, parece-nos razoável que haja
repressão a ausências irresponsáveis à audiência.
O problema criado é determinar o
pagamento mesmo se beneficiário de Justiça Gratuita. Cria-se hipótese de
penalização permanente ao trabalhador pobre, que – em razão de falta à
audiência – jamais poderá ver a injustiça consertada.
e) Distrato
A pretensão de redação do art. 484-A
traz possibilidade do contrato ser extinto por acordo entre empregado e
empregador. Nessa circunstância, aviso prévio e indenização do FGTS são devidas
pela metade. Pelo § 1º, a movimentação da conta vinculada do Fundo de Garantia
será de 80% dos depósitos. Pelo novo inciso “f” do art. 652, cabe à Justiça do
Trabalho homologar o acordo extradjudicial. Esse processo passa a ser previsto
nos arts. 855-B a 855-E.
A constância de ações judiciais para
pagamento da integralidade de verbas rescisórias mostra que o futuro projetado
no resultado desse dispositivo será de constância de coação para realização da
extinção na modalidade “distrato”. Aos empregados serão colocadas as opções de
distrato ou simples ausência de qualquer valor rescisório e a dificuldade de
buscar adimplemento pela via judicial.
Também chama atenção que a utilização
da Justiça do Trabalho como órgão de homologação de acordos extrajudiciais
tende a transformar um órgão do Judiciário em mero carimbador de rescisões.
f) Plano de Demissão Voluntária
Busca-se com o art. 477-B estabelecer
novo mecanismo de obtenção de liberação de pagamento de parcelas inadimplidas
no curso do contrato de emprego. O dispositivo estabelece que, havendo Plano de
Demissão Voluntária ou Incentivada, cria-se “quitação plena e irrevogável dos
direitos decorrentes da relação empregatícia”.
Ou seja, bastará o empregador
integrar na rescisão qualquer valor referente a PDV para esterilizar
possibilidade de que a relação empregatícia seja objeto de qualquer tipo de
discussão no âmbito judicial.
O FUTURO DO PROJETO
A evidência de necessidade nacional
de legislação clara e contemporânea não pode ser confundida com atropelo sobre
questões tão importantes.
A Reforma Trabalhista precisa ser
analisado em conjunto. Os pouquíssimos avanços identificados não desnaturam a
essência da iniciativa: retroceder em elementos básicos de civilização,
convivência e esperança de poder viver em um Estado não demolidor da dignidade
do trabalho.
Também não há perspectivas de
oferecimento de maior segurança jurídica em curto ou médio prazo. O Projeto
inaugura elementos divorciados da ordem constitucional e de toda a trajetória
do Direito do Trabalho.
O PL 6787 foi aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados e será,
agora, analisado pelo Senado. O grande atropelo notado na primeira Casa gerou a
inadequação do Projeto e espera-se que agora possa sofrer debate amadurecido,
seguir ritmo normal e poder ser melhor conhecido pela população.
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