Um
novo monstro na República
Germano
Silveira de Siqueira, 52, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho (Anamatra)
Guilherme
Guimarães Feliciano, 42, vice-presidente da Anamatra
O Governo Federal enviou
ao Congresso, na última segunda-feira, a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 287/2016, que busca promover a terceira grande reforma previdenciária
encaminhada sob os mais diversos matizes partidários, desde a promulgação da
Constituição Federal em 1998. A proposta, em linhas gerais, pretende restringir
a proteção previdenciária e assistencial, aumentar a arrecadação correspondente
e culpabilizar o Estado social pelo quadro de deterioração econômico-financeira
que acomete o Brasil. Para
o Governo Federal, a crise econômica faz da reforma algo “inadiável”.
Contudo, ao contrário do
que se diz, o alegado déficit da Previdência deve-se
sobretudo às renúncias fiscais, desonerações e desvinculações de receitas
patrocinadas pelos próprios poderes constituídos. No ano de 2015, o somatório
dessas renúncias correspondeu a aproximadamente 50% de tal déficit, sendo que,
nos últimos anos, o total de renúncias previdenciárias chegou a R$ 145,1
bilhões. O quadro é agravado pela completa ineficiência na realização da dívida
ativa previdenciária, que representou, em 2015, não mais que 0,32% da dívida
executável (R$ 1.127.000.000 arrecadados, contra um estoque de R$
350.678.000.000). Além do mais, a conta é historicamente equivocada: pelo
modelo constitucional de Seguridade Social, haveria que se acrescentar, nas
entradas de caixa da previdência, os recursos arrecadados com as receitas sobre
prognósticos (loterias), a COFINS, a CSLL e o PIS/PASEP, o que não é obedecido
pelos sucessivos governos. Nesse orçamento único, apenas em 2014 o superávit
seria de 53 bilhões de reais.
O que se
propõe com a PEC, no entanto, é desconhecer a condição especial da mulher no
mercado de trabalho, igualando a idade mínima para aposentadoria em 65 anos,
além de reduzir drasticamente o valor das pensões, já restringidas por ocasião
da Emenda Constitucional (EC) 41/2003, inadmitindo a acumulação com
aposentadorias. Além disso, exigir que,
para receber proventos de aposentadoria no valor máximo (“teto”) aos 65 anos,
os segurados comecem a trabalhar aos 16 anos. Alterar a base de cálculo dos
benefícios para considerar toda a vida contributiva do segurado (inclusive a
porção equivalente a 20% das menores contribuições, que hoje são descartadas no
cálculo). São inúmeras as evidências de patente retrocesso social, sem qualquer
contrapartida.
Especificamente
em relação aos servidores públicos, todos aqueles que até agora ainda têm assegurados a paridade e/ou
integralidade dos vencimentos ao tempo da aposentadoria, porque admitidos no
serviço público antes da EC 47/2003, perderão essa garantia, desde que não
contem, ao tempo da promulgação da PEC, com 45/50 anos ou mais. No que diz
respeito à Magistratura, agride-se, por via oblíqua, as garantias da
vitaliciedade e da irredutibilidade, comprometendo-se uma das vigas mestras da
independência política dos juízes.
Por tantas
razões, o texto da PEC não pode prosperar. Há outros caminhos; e, acima de
tudo, há a dimensão social da Previdência, que parece ter sido olvidada. Que o Parlamento
saiba reconhecer as graves deficiências da reforma proposta, para que se
ressalvem, ao menos, os direitos sociais mínimos e as garantias institucionais
da cidadania e das carreiras que precisam ser reconhecidas em suas
especificidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário