Veja a cópia da decisão do Desembargador
Pedro Foltran, Presidente do TRT da 10ª Região.
"PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO
Gabinete Gabinete da Presidência
SLAT 0000097-06.2017.5.10.0000
AUTOR: UNIÃO - PROCURADORIA REGIONAL DA UNIÃO DA 1ª REGIÃO
RÉU:
MINISTERIO PUBLICO DO TRABALHO DA 10 REGIÃO
DECISÃO
A UNIÃO
requer a suspensão de tutela provisória concedida na ação civil pública n.º0001704-55.2016.5.10.0011.
O Juízo
da 11ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, ratificando liminar anterior, ordenou à
União e ao Ministro de Estado do Trabalho que publiquem, em trinta dias, o
cadastro dos empregadores que possuam decisão administrativa proferida a partir
de 1º/7/2014 referente ao art. 444 da CLT (trabalho escravo), bem como que,
excepcionalmente, oportunizem a "celebração de acordo judicial ou
TAC" com os administrados incluídos "na primeira publicação" do
cadastro que possuam "decisão administrativa final de procedência do auto
de infração" antes da edição da Portaria Interministerial n. 4/2016 (idd9af620).
A
requerente alega que a decisão gera grave lesão à ordem pública, pois autoriza
a divulgação de cadastro de empregadores que "tenham submetido
trabalhadores a condições análogas à de escravo", sem conferir aos
interessados a necessária segurança jurídica.
Informa,
ainda, que a Portaria nº 04/2016, que dispõe sobre os critérios a serem observados
na elaboração do cadastro, está sendo revisada por grupo de trabalho instituído
no âmbito do órgão ministerial, tendo em vista que foram constatadas falhas e
imperfeições no documento.
Assim,
conclui, a divulgação de lista construída sobre critérios que estão sendo questionados
e reanalisados pelo próprio órgão que os editou seria temerária, máxime quando
seria impossível divisar a extensão dos efeitos negativos e contundentes que,
inevitavelmente, segundo seu entendimento, recairão sobre os envolvidos após a
divulgação dos dados.
Pois
bem.
Inicialmente,
destaco que as ações que tratam de suspensão de liminar ou de tutela de urgência
não visam discutir o mérito da ação principal, o que obsta o pronunciamento
sobre as seguintes alegações: discricionariedade de ato administrativo;
prerrogativas do Ministério do Trabalho; reformulação de políticas públicas e
aprimoramento das relações de trabalho.
In
casu, a União busca suspender a decisão que ordenou a divulgação do cadastro de
empregadores ligados à prática de trabalho em condições análogas à de escravo,
pois alega que a lista pode conter informações não fidedignas, uma vez ter sido
elaborada com base em critérios falhos e imperfeitos ditados na Portaria
Interministerial n.º 4/2016.
Segundo
o ente público, é possível que o cadastro contenha "inscrição
errônea" de administrados, pois a referida portaria não contém mecanismos
que resguardam, de modo amplo, "os direitos do contraditório e ampla defesa
dos autuados" (id 1de0823, páginas 5 e 6).
Como
visto, a questão de fundo aventada pela União é referente à exatidão das informações
contidas no cadastro do Ministério do Trabalho, perpassando, ainda, pela
conveniência ou não da divulgação dos dados ali registrados.
Destaque-se
que qualquer discussão referente às relações de trabalho sob os moldes da escravidão
é complexa, sensível e de interesse de toda a sociedade brasileira.
A
exploração de mão de obra gratuita ou com remuneração vil em relação aos
valores de mercado, com sujeição do trabalhador a condições de trabalho
degradantes e subumanas, caracteriza a escravidão moderna.
Embora
ainda não tenham sido definidas todas as ações que norteiam uma política pública
objetivando erradicar o trabalho análogo ao escravo no país, o Governo Federal,
isoladamente ou em conjunto com entidades da sociedade civil, vem se
organizando e despendendo esforços para combater a ilegalidade, editando
medidas que visam prevenir, reprimir e punir a conduta abominável.
Numa
dessas ações, o Ministério do Trabalho editou a Portaria Interministerial n.º 2/2011,
já revogada, que foi então substituída pela atual Portaria Interministerial n.º
4/2016 que, aprimorando o normativo anterior, atualmente fixa as regras para a
formulação do "Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores
a condições análogas à de escravo".
E a
União busca, justamente, suspender a decisão que determinou a divulgação do cadastro
sob a tese de que as regras aplicadas na sua elaboração, ditadas pela Portaria
n.º 4/2016, estão
sendo
rediscutidas por comissão criada para este fim pelo próprio órgão que as
instituiu (Ministério do Trabalho).
Assevera,
ainda, que há dúvidas sobre a exatidão dos registros e que é possível que o direito
de defesa não tenha sido amplamente conferido aos empregadores listados no
documento.
De
fato. Não se ignora a potencialidade nociva que a divulgação de dados errôneos,
eventualmente existentes no cadastro, possam gerar ao ente público e aos
administrados, pois a associação de empresas ao trabalho em condições análogas
ao de escravo é situação que provoca efeitos negativos para a imagem dos
envolvidos que, comumente, não são minorados ou esquecidos pela sociedade no decurso
do tempo. Todavia, não há como conceber que a inclusão de nome de empresas no
cadastro se dê de forma inconsequente. Fosse assim, o próprio agente público
estaria reconhecendo gravíssimas falhas em sua mais legítima atuação de modo a
tornar duvidoso o resultado das ações engendradas para a erradicação do
trabalho escravo.
As
atuações do órgão fiscalizador em relação à apuração do trabalho escravo são
rígidas e os autos de infração somente são expedidos quando o processo
administrativo de cada empregador foi analisado em todas as instâncias e possui
decisão irrecorrível (art. 2º, § 1º, do normativo).
Ou
seja, a inclusão de um nome no cadastro constitui a etapa final de todo um procedimento
fixado por normas específicas editadas, repita-se, pelo próprio Ministério do
Trabalho, órgão da Administração Federal responsável e estruturado para apurar
as denúncias de irregularidades e fiscalizar o trabalho em todo o território
nacional.
Ademais,
destaque-se que, no presente momento, os termos da Portaria Interministerial n.º
4/2016 estão vigentes. Como bem consignado pelo Juízo, a criação de a quo grupo
de trabalho destinado a aperfeiçoar sua redação "não suspende, expressa ou
implicitamente, a vigência da Portaria atual" (id 4ba2d98, pág. 6), até
porque houve tempo suficiente - desde a sua edição - para que as citadas ações
de aperfeiçoamento tivessem sido concretizadas.
A União
também não aponta, especificamente, quais são os termos da Portaria n.º 4/2016
que seriam falhos, nem quais são os possíveis erros que ensejariam a inscrição
equivocada de empresas no cadastro, tendo em vista que, destaque-se uma vez
mais, a inclusão do empregador ocorre apenas com a decisão final desfavorável
no processo administrativo.
Como já
dito, embora a sociedade brasileira já esteja consciente da existência da situação
aviltante e da necessidade de combate ao labor análogo ao escravo no país,
pouco se tem avançado para se concretizar as medidas que, efetivamente,
mostrem-se eficazes na coibição da conduta irregular.
A
autorização da criação de cadastro dos empregadores ligados ao trabalho
escravo, por si, não é suficiente para intimidar os praticantes da
irregularidade, sendo essencial a divulgação dos dados, uma vez que ao Estado
cabe, precipuamente, operacionalizar e concretizar as medidas repressivas destinadas
à erradicação do trabalho irregular.
Não há,
pois, como reconhecer que a divulgação do documento poderá ocasionar grave lesão
à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (Lei n.º 8.437/1992, art.
4º), inclusive para legitimar a própria ação do Ministério do Trabalho que
enuncia ser um dos seus pilares de atuação a proteção do trabalhador, tendo em
vista que a sociedade brasileira possui a necessidade premente de que o Estado
adote medidas realmente eficazes que coíbam a exploração desse tipo de mão de
obra.
Impedir
a divulgação do cadastro, como registrado na decisão id bf87826, "acaba
por esvaziar, dia a dia, a Política de Estado de combate ao trabalho análogo ao
de escravo no Brasil" (pág. 19).
Assim,
com base nos fundamentos expostos, concluo que o cumprimento imediato da decisão
de tutela de urgência não ocasionará prejuízos irreversíveis ao ente público e
aos administrados, de modo que indefiro o pedido.
Por
tais fundamentos, INDEFIRO o pedido de suspensão dos efeitos da tutela provisória
concedida na decisão id 4ba2d98.
Custas
processuais pela requerente, isenta, no importe de R$ 20,00, calculadas sobre
R$ 1.000,00, valor atribuído à causa e aproveitado para esta finalidade.
Oficie-se
a 11ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, encaminhando-se cópia da presente decisão.
Intimem-se
as partes.
BRASILIA,
6 de Março de 2017
PEDRO
LUÍS VICENTIN FOLTRAN
Desembargador
do Trabalho"
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