Justiça do Trabalho: o
contraponto necessário
Cláudio
Brandão - Ministro do Tribunal Superior do Trabalho
Nos
últimos dias, repercutiram na grande mídia afirmações de autoridade pública no
sentido de que os juízes do trabalho proferiam decisões “irresponsáveis”, que
provocaram a quebra de empresas em determinado setor da economia e, mais, que a
Justiça do Trabalho “nem deveria existir”.
Em
momento distinto, a mesma autoridade disse que Justiça do Trabalho nos últimos
anos “tem atrapalhado muito a geração de empregos no Brasil”.
Na
mesma linha, pronunciou-se outro parlamentar: “A Justiça do Trabalho se tornou
uma devoradora de empregos no Brasil”.
No
ano passado, não foi diferente, quando
outro membro do parlamento afirmou ter alergia à Justiça do Trabalho,
que “precisa parar de ser cega, burra e entender que dinheiro de empresário não
cai do céu”.
Além
deles, interlocutor distinto a denominou de “jabuticaba”, “monstrengo
burocrático, lento, oneroso, dispendioso, anacrônico”; que “custa uma
barbaridade de dinheiro à sociedade brasileira e gera em benefícios objetivos
aos que a ela recorrem menos dinheiro do que gasta para manter-se”.
O
que poderia ser dito, diante desses fatos?
Sempre
vi a Justiça do Trabalho ser tratada como o “patinho feio” do Poder Judiciário
brasileiro e, de tempos em tempos, aliás como ocorre agora, vozes roucas e
dissonantes na jovem e sofrida democracia brasileira pregam a sua extinção ou,
pior ainda, afirmam que sequer deveria existir.
Poderia
começar falando do cotidiano das 1.570 Varas do Trabalho espalhadas pelo
território nacional, com jurisdição em todos os 5.570 municípios, não caracterizado
por requinte, ostentação ou gastos excessivos, o que é facilmente constatado
até pelo menos atento observador. Basta ver ou, pelo menos, querer ver.
Poderia
dizer de iniciativas como as varas itinerantes, presentes em vários locais do
País. Em veículos adaptados ou não, juízes e servidores prestam inestimável
serviço à população, com destaque para a atuação na região amazônica onde,
deslocando-se em pequenos aviões, carros ou barcos, atendem a população,
inclusive ribeirinha, sedenta de justiça. Nesses locais, funcionam em escolas
ou prédios da Justiça comum.
Poderia
falar do trabalho realizado pelos seus 3.955 magistrados e 43.288 servidores,
incluídos os Ministros e servidores do Tribunal Superior do Trabalho, todos
eles comprometidos e sempre prontos a darem o melhor de si para o atendimento
com qualidade e respeito ao cidadão.
Poderia
ainda mencionar ser o único segmento do Poder Judiciário que implantou o
sistema do Processo Judicial Eletrônico – PJe em todas as suas unidades, de
primeira e segunda instâncias, em cumprimento a meta estabelecida pelo Conselho
Nacional de Justiça, ampliando a garantia constitucional de acesso à Justiça.
Ainda este ano, chegará no TST, integrando os três graus de jurisdição.
Tudo
isso, porém, é muito pouco para expressar a verdadeira face da Justiça do
Trabalho, refletida nos milhares de rostos das pessoas que, a cada dia, batem
às suas portas em busca de justiça.
Quem
são eles?
São
pedreiros, carpinteiros, domésticos, metalúrgicos, cortadores de cana,
comerciários, bancários, vigilantes, trabalhadores em frigoríficos, atendentes
de telemarketing, auxiliares de limpeza, enfim, pessoas do campo e da cidade,
homens e mulheres, que, diante da ausência de solução no conflito resultante do
contrato de trabalho, a ela se dirigem, como na sua própria linguagem,
“querendo os seus direitos”.
De
outro lado, boa parte dos empregadores são pessoas físicas ou micro e pequenos
empresários do comércio, da indústria e da zona rural, os quais sempre buscam a
solução por meio de acordos, pois não raras vezes o litígio surge em virtude do
desconhecimento da legislação trabalhista, de problemas econômicos ou até de
desavenças havidas no ambiente de trabalho, estes em muito menor dimensão.
O
índice histórico de conciliações oscila sempre próximo a 40%, o que significa
dizer que a solução da quase metade dos processos é obtida mediante consenso
entre as partes, atividade na qual o magistrado exerce os mais variados papeis:
um pouco de sociólogo, de psicólogo, de consultor, de orientador, de ouvinte.
Mais
do que os números, porém, o respeito que goza no seio da sociedade brasileira,
conquistado ao longo dos seus 75 anos, se faz presente, seja na compreensão do
mais humilde trabalhador que, quando afirma ir em busca dos seus direitos, a
ela refere, seja no atendimento ao pequeno empresário, não raras vezes em
busca, simplesmente, de orientação.
No
momento atual, cujos ares sopram em direção às tentativas de privatização da
solução dos conflitos individuais do trabalho, por meio da mediação e da arbitragem,
a jurisdição trabalhista se revela fundamental no resguardo ao princípio da
vedação do retrocesso social, no combate às formas de precarização do trabalho
humano e das práticas discriminatórias no trabalho, ou na preservação do meio
ambiente de trabalho seguro.
Por
isso, as declarações quedam-se vazias de sentido e expressam uma única e
inexorável verdade: quem as pronunciou, de fato, não conhece a Justiça do
Trabalho.
Apenas
em um aspecto são verdadeiras: a Justiça do Trabalho é grande.
Grande,
porque grande é o Brasil e os seus problemas.
Grande
sim, porque grande é a missão que lhe é reservada pela Constituição: dar
efetividade aos direitos fundamentais à classe trabalhadora, ainda que, aqui ou
ali, ontem ou hoje, as mesmas vozes roucas e dissonantes tentem, em vão, criar
obstáculos.
Como
dito pelo Ministro Celso de Mello, decano da Suprema Corte, no julgamento da
ADI 5468, ao tratar do discriminatório e injustificado corte orçamentário
imposto em 2016 à Justiça do Trabalho:
“[...]
o Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das liberdades básicas
e das franquias constitucionais e esta alta missão que foi confiada aos juízes
e tribunais qualifica-se como uma das funções políticas mais expressivas do
Poder Judiciário. É que de nada valerão os direitos, de nada significarão as
liberdades, se os fundamentos em que os direitos e as liberdades se apoiam,
além de desrespeitados por terceiros, também deixarem de contar com o suporte e
com o apoio da ação consequente e responsável do Poder Judiciário e essa ação
fica paralisada pela ausência de recursos orçamentários necessários ao regular
funcionamento dos órgãos que integram a Justiça do Trabalho”.
A
sua atuação não pode ser medida com a régua “dos benefícios objetivos”
reconhecidos aos que a ela recorrem, assim como a justiça penal não se mostra
efetiva pela extensão das penas impostas aos condenados.
Dizer
que a Justiça do Trabalho nem deveria existir equivale a afirmar que a extinção
dos hospitais resolverá os graves problemas dos serviços de saúde do País, ou
que a extinção das escolas colocará a educação do Brasil no patamar de destaque
no mundo.
Saúde,
educação e acesso efetivo à justiça são serviços do Estado, que devem estar
disponíveis a todos os cidadãos, independentemente de cor, crença, raça ou
condição social, e prestados com qualidade.
Qualquer
iniciativa voltada ao seu aperfeiçoamento será – como sempre foi – bem-vinda,
e, para isso, ficam convidados, todos, para o salutar e democrático debate,
nesta Corte ou em qualquer um dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho ou, melhor
ainda, em visita às Varas do Trabalho, especialmente nos rincões distantes do
nosso Brasil.
Certamente
poderão vivenciar uma rica experiência.
Contudo,
dizer que a Justiça do Trabalho tem atrapalhado a geração de empregos, devorado
empregos ou ser responsável pela crise econômica do Brasil, isso sim, é
irresponsabilidade manifesta.
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