"A Câmara
dos Deputados aprovou, na noite desta quarta (22), o projeto de lei que permite
a terceirização de todas as atividades de uma empresa. Foram 231 votos a favor,
188 contrários e oito abstenções. Segue para sanção de Michel Temer.
Apresentado
durante o governo Fernando Henrique, em 1998, o projeto foi ressuscitado por
ser menos rigososo com as empresas e um atalho para as mudanças, uma vez que já
havia sido aprovado pelos senadores em 1998. Outro projeto, o PL 4330/2004, que
trata do mesmo tema e é menos danoso ao trabalhador, está no Senado.
O projeto
também dificulta que a companhia tomadora do serviço seja responsabilizada em
caso de não pagamento, fraude ou escravidão.
A
ampliação da terceirização pode levar a um comprometimento significativo dos
direitos trabalhistas, com perda de massa salarial e de segurança para o
trabalhador. No limite, poderemos ter um grande problema social quando milhões
de trabalhadores perceberem que perderam salários e garantias e nem mesmo podem
reclamar com o patrão.
Situações
que hoje oprimem certas categorias podem ser universalizadas. E o Judiciário
não terá condições de processar e julgar todas as ações trabalhistas
decorrentes.
Grandes
empresas tendem a concentrar os lucros, mas sem empregos, e uma constelação de
pequenas empresas sem qualquer lastro financeiro ou independência, ficarão com
todos os empregados. Periodicamente, tais empresas encerram as portas, deixando
para trás enorme passivo, gerando avalanches de reclamações trabalhistas.
No médio
prazo, a ampliação da terceirização tende a rebaixar salários médios em todos
os setores. Estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese) apontou que, em média um trabalhador terceirizado
trabalha três horas a mais por semana e ganha 27% menos que um empregado
direto.
Apesar do
projeto não liberar a ''pejotização'', muitas relações tendem a deixar de ser
entre patrões e empregados, previstas e tratadas pelo direito do trabalho, e
serão entre empresas e empresas pessoais (''pejotização''), como se ambas
fossem livres e iguais entre si. Hoje, isso já acontece aos montes, apesar de
ser proibido, pois os trabalhadores temem reclamar e perder o serviço ou entrar
em alguma ''lista suja'' do setor.
E no caso
de trabalho análogo ao de escravo, em que muitas fazendas e empresas se
utilizam de cooperativas e empresas fajutas em nome de prepostos para burlar
direitos trabalhistas, o projeto vai facilitar a impunidade das contratantes
que, no máximo, terão que bancar salários atrasados, mas sem punição pelos
crimes encontrados.
Mas o
importante é que, agora, ninguém segura esse Brasil, não é mesmo? Afinal de
contas, todos têm que dar o seu quinhão de sacrifício em nome do crescimento do
país e você está preparado para abrir mão da dignidade (conquistada com base em
sangue e lágrimas por gerações antes de você) para que setores do empresariado
nacional e internacional não precisem passar por atrocidades como taxação de
seus lucros e dividendos.
Atendendo
a uma das principais demandas do empresariado, o governo Michel Temer ganhou
sobrevida. Se ele aprovar a Reforma da Previdência e o restante da Reforma
Trabalhista (com livre negociação entre patrões e sindicatos mesmo passando por
cima da lei), então, conseguirá chegar ao final do seu mandato.
Aliás,
uma gigantesca dose de pragmatismo talvez seja a razão de muitos empresários
terem aplaudido toda vez que um representante do governo ou de sua base de
apoio no Congresso Nacional (muitos envolvidos em denúncias de corrupção até o
pescoço) defendeu a ampliação da terceirização legal em eventos corporativos.
Do que adianta vociferar contra a relação incestuosa de certos sindicalistas
com o poder público se é adotada a mesma ética?
Porque
''compliance'' é palavra bonita em certos relatórios de responsabilidade social
que, pelo visto, não valem o papel em que são impressos.
Apenas um
governo que não foi eleito e que não poderá ser reeleito – e, portanto, não
possui compromissos com nada além de si mesmo – pode fazer o que pareceria
impossível para PSDB e PT.
''Direitos
Trabalhistas'' deveria ser disciplina obrigatória no currículo escolar, tanto
da educação básica quanto na formação de jornalistas – para não acreditar em
qualquer groselha que circula via redes sociais e para que colegas desconfiem
de verdades absolutas ditas por membros do governo.
Como
sempre escrevo aqui, a sociedade muda, a estrutura do mercado de trabalho muda,
a expectativa de vida muda. Portanto, as regras que regem as relações
trabalhistas e previdenciárias podem e devem passar por discussões de tempos em
tempos. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida
dos trabalhadores, não mudem as regras do jogo no meio de uma partida e atendam
a essas mudanças, elas podem passar também por uma modernização.
Mas como
isso envolve direitos que garantem uma qualidade mínima de vida dos mais
pobres, a discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto
espaço de tempo.
No ritmo
em que as coisas andam, não me espantaria ver anúncios estampados em páginas
duplas de revistas semanais de circulação nacional (se a internet não tiver as
engolido antes), dizendo: ''O Banco X pensa em seus empregados. Ele paga 13o
salário a todos. Isso sim é responsabilidade social''.
Ou algum
prêmio do tipo ''Melhor Lugar para se Trabalhar no Brasil'' anunciar que a
vencedora é uma empresa Y que garante 30 dias de férias ao ano para seus
empregados, ops, quer dizer, colaboradores.
E nossos
filhos olharão para aquilo e, espantados, perguntarão: ''Mãe, o que é 13o? Sua
empresa não tem essa tal de férias?'' Ou, no limite, ''Pai, o que é emprego?''
Uma
candidatura que se venda como representante dos interesses dos trabalhadores,
em 2018, seja para a Presidência da República ou para o Congresso Nacional,
terá que abraçar, no mínimo, um referendo sobre essa mudança como promessa de
campanha.
A classe
trabalhadora segue assistindo a tudo bestializada, dada a velocidade dessas
alterações, sem saber ao certo o que está acontecendo. Na hora em que cair a
ficha, e se cair a ficha, vai haver muito ranger de dentes. Mas também deputado
que não vai se reeleger.
Leonardo
Sakamoto - É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos
humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante
do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e
professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter
Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de
Escravidão.
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