Juiz do Trabalho Inácio André de Oliveira |
A Lei nº 13.429/2017 autoriza terceirização
irrestrita: verdade ou mito?
Inácio
André de Oliveira*
Diante da
aprovação do Projeto de Lei nº 4.302/1998 pela Câmara dos Deputados no dia 22
de março de 2017, convertido posteriormente na Lei nº 13.429/2017 após sanção
pelo Presidente da República, não foram poucas as notícias divulgadas nos mais
diversos meios de comunicação, alardeando que estaria prestes a ser autorizada
a terceirização irrestrita, em qualquer tipo de atividade, inclusive no setor
público.
Muitos
comemoraram efusivamente a aprovação do projeto porque são a favor da
terceirização ampla e irrestrita como forma de tornar mais produtivas,
eficientes e lucrativas as empresas brasileiras. Outros criticaram ferozmente a
aprovação do projeto, por entenderem que a autorização para terceirização
irrestrita retira direitos dos trabalhadores e precariza a contratação de mão-
de- obra.
Entretanto,
antes de tomar partido a favor ou contra a terceirização no contexto da
aprovação do famigerado PL 4.302/1998, é preciso analisar com olhar
técnico-jurídico quais são os efeitos que, de fato, a novíssima Lei nº
13.429/2017 tem o potencial de produzir no âmbito das contratações de
prestadores de serviços terceirizados.
Para
isso, o primeiro passo é livrar-se de um erro comum gerado pela empolgação do
leigo diante de uma lei recém aprovada, que é acreditar que suas disposições
passam a disciplinar sozinhas, de forma clara e pacífica, a matéria tratada.
Toda nova lei aprovada entra em mundo jurídico onde já existiam diversas outras
normas, passando a conviver com elas e exigindo interpretação que harmonize as
novas e as antigas disposições.
A Lei nº
13.429/2017 é aparentemente clara e peremptória ao dispor que “Não se configura vínculo empregatício entre
os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que
seja o seu ramo, e a empresa contratante”. Daí seria possível extrair que na
vigência da nova lei será absolutamente impossível invalidar a contratação
terceirizada e declarar o vínculo de emprego direto com o tomador?
A
interpretação das novas disposições legais em conjunto com normas já existentes
no mundo jurídico, com destaque para os arts. 2º, 3º e 9º da CLT, certamente
conduzirão a resposta negativa. Se verificados os requisitos do vínculo de
emprego diretamente com a empresa tomadora, notadamente subordinação e
pessoalidade, será impositivo o reconhecimento do vínculo empregatício
diretamente com o tomador dos serviços.
De outro
lado, também é excesso de credulidade esperar que as leis novas, mesmo aquelas
que trazem as melhores e mais detalhadas redações, sejam perfeitas a ponto de
consolidar um direito de forma clara e sem nenhuma necessidade de
interpretação. É comum que as leis tenham defeitos que, para serem corrigidos,
demandam interpretação jurídica no sentido de suprir omissões ou sanar
disposições contraditórias ou pouco claras.
A Lei nº
13.429/2017 parece autorizar a terceirização em qualquer atividade e em
qualquer setor de atividade, sem impor restrição expressa alguma à contratação
de mão-de-obra terceirizada no setor público. A ausência de limites ou
restrições nesse particular significa que a terceirização ampla e irrestrita
está autorizada inclusive nas atividades principais exercidas pelos entes públicos?
Aqui não
se tem uma autorização implícita, mas um defeito por omissão na redação da Lei,
que não cuidou de tratar das peculiaridades inerentes às contratações de
mão-de-obra no setor público. Para corrigir esse defeito, é preciso lançar mão
da interpretação jurídica, a qual orientada pela obrigatoriedade do concurso
público prevista na Constituição Federal, conduz à proibição de terceirização
nas atividades principais do ente público.
A Lei
13.429/2017 não dispõe sobre os direitos dos trabalhadores terceirizados,
notadamente em comparação aos direitos dos empregados diretos da tomadora.
Significa que os trabalhadores terceirizados não têm direito algum ou podem ter
menos direitos do que os empregados da tomadora? Uma interpretação orientada
pelo princípio da isonomia inscrito na Constituição e em outras leis conduzem à
conclusão da igualdade de direito entre eles.
Entre os
vários possíveis focos de dúvidas e divergências, o que está claro é que a Lei
nº 13.429/2017, em sua perversa simplicidade, até pode ter a pretensão de
autorizar terceirização sem limites e sem regramentos quanto aos direitos dos
trabalhadores. Contudo, o que a Lei entrega efetivamente aos seus destinatários
é um regramento deficiente e impreciso, que para alcançar aplicação prática demandará
atividade interpretativa intensa.
O grande
problema que daí decorre é que, na ausência de disposições legais claras, pode
surgir multiplicidade de interpretações sobre os direitos e obrigações
relacionados à terceirização. Os empreendedores que se valerem da terceirização
de mão-de-obra, na ilusão de estarem protegidos pela nova lei, poderão ser
surpreendidos no futuro com condenações judiciais decorrentes das possíveis
interpretações da lei defeituosa.
Poderia
ser diferente se o Legislativo resgatasse a preocupação em editar leis
equilibradas e razoáveis, substancialmente democráticas porque precedidas de
amplo debate com a sociedade e com a comunidade jurídica. Se assim fosse,
certamente a Lei recentemente aprovada disporia sobre a terceirização de
maneira a autorizá-la, mas sem deixar de lado os necessários limites e a
proteção aos trabalhadores.
Mesmo diante
da aprovação da Lei nº 13.429/2017, ainda assim estamos muito longe de a
terceirização irrestrita e sem limites ser uma verdade. Antes passaremos muito
tempo perdidos em um nevoeiro de insegurança jurídica decorrente das diversas
interpretações possíveis quanto a esses limites e quanto às obrigações
decorrentes das contratações. E pior, muitos de nós com a ilusão de que estamos
caminhando na direção correta.
* Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do
Trabalho da 21ª Região (RN) e Presidente da AMATRA21 – Associação dos
Magistrados do Trabalho da 21ª Região
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